Alguns gases da atmosfera, especialmente o dióxido de carbono (CO2), formam uma capa protetora que impede que o calor absorvido pela Terra advindo da radiação solar escape para o espaço exterior. Tal processo conserva o calor terrestre, de forma a não permitir grandes variações diárias de temperatura, funcionando como um protetor solar durante o dia e um cobertor durante a noite. Tal efeito gerado pela natureza não só é benéfico, mas indispensável para a manutenção da vida na Terra. Contudo, atividades humanas mais recentes, como a poluição do ar provocada pelas indústrias, pela queima de combustíveis fósseis como o petróleo e pelas queimadas, vêm aumentando em muito a concentração de CO2 na atmosfera (Figura), promovendo um consistente e perceptível incremento nas temperaturas globais, gerando o chamado “efeito estufa”.
Reconhecendo que as mudanças climáticas relativas ao efeito estufa vêm ocorrendo em escala global, 150 países assinaram a Convenção sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas durante a Conferência Rio-92, com o objetivo de comprometer as nações industrializadas a reduzirem suas emissões de CO2, até o ano 2012, ao equivalente aos níveis de 1990.
No ano de 1997, na cidade de Quioto – Japão, foi realizada a Terceira Conferência das Partes da Convenção do Clima, onde foi aprovado o conhecido Protocolo de Quioto. Aquele documento determina o estabelecimento de compromissos por parte dos países desenvolvidos em atingir uma meta de redução das emissões de 5,2% em relação ao ano de 1990, durante o período de 2008-2012. Entretanto, o que se tem observado é um aumento da ordem de 10% nas emissões na última década, sendo maior ainda nos Estados Unidos, onde essa taxa sobe a 18%.
O Protocolo foi ratificado pela maioria dos países, restando ainda os Estados Unidos, o Canadá e a Rússia, como importantes atores nesse contexto, a homologar o acordo. Os dois últimos já se comprometeram a assinar o Protocolo ainda neste ano, mas os Estados Unidos se negam a fazê-lo sob a alegação de que ele traria prejuízo à economia norte-americana. Mesmo sem o aval dos americanos o Protocolo de Quioto poderá ser implementado quase de imediato, se as outras nações assim decidirem, mas é inegável que a ausência da única superpotência do planeta nos dias de hoje seria frustrante.
No Protocolo de Quioto foram também estabelecidos mecanismos de flexibilidade para atingir as metas de redução de emissão de poluentes, entre eles o chamado Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL). Os objetivos do MDL atingem tanto países desenvolvidos como os em desenvolvimento. Para os países como o Brasil, o MDL visa principalmente a promoção do desenvolvimento sustentável e o uso racional dos recursos naturais. Já para os países desenvolvidos, o foco é sobre a redução da poluição atmosférica e uso de fontes alternativas de energia.
Tendo em conta que o CO2 é um gás de circulação global, e, portanto, sua absorção independe da origem de sua fonte de emissão, a princípio, as emissões produzidas por determinado país, região ou empresa podem ser compensadas por outrem, independentemente da sua localização no globo. Essa compensação pode se dar de diversas formas, entre as quais mudanças de matriz energética e o estímulo à fixação de carbono pela vegetação, especialmente plantações florestais ou reflorestamentos.
No caso de reflorestamentos, para que a compensação se efetive, deverá haver uma formalização do processo, por meio de um projeto técnico-científico e financeiro, onde deverão ser prescritas as quantidades de carbono fixado, bem como os montantes financeiros atribuídos. Uma vez formalizado o projeto, poderá ocorrer a negociação entre as partes, isto é, a que se interessa em adquirir os chamados “créditos de carbono” e aquela detentora da floresta. O valor inerente ao serviço ambiental decorrente será regulado pelo mercado, sob a égide da livre concorrência, em bolsa ou outro ambiente semelhante. Os montantes hoje gravitam entre 4 a 10 dólares por tonelada de carbono fixada, mas o mercado ainda não está estabelecido a ponto de haver uma definição clara sobre isso.
Apesar do aparente fracasso do encontro Rio+10, realizado no mês passado em Johannesburgo, na África do Sul, as perspectivas para o mercado de carbono continuam alvissareiras. Foi noticiado pela mídia que o projeto da empresa Plantar de Minas Gerais, com plantios de eucalipto, foi reconhecido e acatado pelo Banco Mundial, o que abre oportunidades para que outros empreendimentos florestais brasileiros se beneficiem desse negócio. Em verdade, existem diversas posições, desde as mais otimistas até as mais pessimistas, mas certamente o setor florestal brasileiro deve ficar atento para não desperdiçar o potencial de negócios gerado pelo comércio de créditos de carbono, o qual pode rapidamente se efetivar.
Como dito anteriormente, o reflorestamento é um dos principais métodos mediante o qual o carbono atmosférico pode ser fixado. Por conseguinte, há a real possibilidade de se auferir retorno financeiro por esse serviço. Então, o que é preciso fazer para entrar no negócio? Bem, a resposta ainda não pode ser dada na sua plenitude, mas seguramente estar preparado e bem informado é uma boa estratégia. Estar preparado significa, entre outras coisas, saber o potencial que uma empresa detentora de reflorestamentos tem em termos de fixação de carbono. Tal informação pode ser obtida através do emprego de métodos de inventário florestal combinados com a quantificação de biomassa e análises laboratoriais dos teores de carbono na mesma. Alguns centros de pesquisa já realizam esses estudos, entre os quais a Universidade Federal do Paraná, através do Laboratório de Inventário Florestal (www.floresta.ufpr.br/~invflor).
Cada espécie possui uma capacidade de armazenar carbono de maneira diferente. Existem também diferenças entre os teores de carbono nas distintas partes da biomassa das árvores (tronco, galhos, folhagem, raízes, etc.). No caso do Pinus, já existem trabalhos publicados e outros sendo desenvolvidos na UFPR.
Uma análise recente mostra que o potencial de fixação de carbono em plantações de Pinus, considerando toda a sua biomassa, é de 14,9 t/ha por ano, sendo 8,8 t/ha por ano somente para a porção do tronco. Em simples analogia, isso resultaria em uma fixação da ordem de 300 t em uma rotação de 20 anos, tendo em vista a biomassa aérea e subterrânea. Considerando os valores mínimos e máximos aventados para a negociação por tonelada fixada no mercado de carbono, ter-se-ia uma receita com o negócio da ordem de US$ 1,200.00 a US$ 3,000.00 por hectare. Considerando que muitas empresas de porte médio, que plantam Pinus no sul do Brasil, não raramente possuem áreas superiores a 1.000 hectares, a receita se multiplicaria na mesma escala, atingindo cifras da ordem de milhões de dólares. Esse potencial não pode ser negligenciado!
Algumas questões seguramente surgem à frente do empreendedor florestal que planta Pinus nesse momento no que concerne ao assunto do mercado de carbono. Algumas delas são as seguintes:
Qual o compromisso que terei com o comprador de créditos de carbono de minha floresta?
Eu poderei manejar minha floresta sem restrições, promovendo desbastes e corte raso com liberdade?
Qualquer povoamento poderá considerado ou existe alguma restrição?
Como quantificar o carbono fixado em minha floresta?
Como iniciar contatos para negociar meus créditos de carbono?
Embora todas as respostas ainda não possam ser respondidas de pronto, o que se pode dizer mais concretamente nos dias de hoje é o seguinte:
Deverá haver um compromisso formal entre as partes, no qual o detentor da floresta aceitaria os termos do contrato, se comprometendo a manter a floresta sob seu domínio por uma rotação pré-definida;
A floresta poderá ser manejada, sem problemas, e a madeira poderá ser comercializada como de costume. O contrato entre as partes fixará limites e épocas para as práticas de manejo dentro de parâmetros técnicos aceitáveis;
Existe polêmica sobre quais povoamentos poderão ser considerados para fins de créditos de carbono. Isso será decidido em breve, mas duas situações são possíveis: somente os povoamentos plantados a partir de 1990 serão aceitos; o Banco Mundial defende que o ano de referência passe para 2000. Em princípio a reforma de plantios antigos poderia ser também contemplada;
A quantificação de carbono deverá ser feita mediante procedimentos técnicos de inventário florestal, quantificação de biomassa e análises laboratoriais, como previamente mencionado. Esse trabalho deverá ser contratado junto a entidades de pesquisa e a universidades. Entidades independentes farão auditoria para conferir se a quantificação seguiu o rigor técnico;
As preliminares dos negócios poderão ser iniciadas imediatamente. Já existem entidades especializadas e com contatos no exterior para prospectar oportunidades para os detentores de reflorestamentos de Pinus no sul do Brasil.
Em síntese, ainda existem dúvidas e polêmicas sobre o mercado de carbono para reflorestamentos de Pinus, mas é preciso ficar atento para que as oportunidades não passem à nossa frente sem que possamos nos beneficiar delas. A atitude correta a tomar é estar bem informado sobre o assunto e preparado tecnicamente para uma eventual negociação. Isso implica em saber o valor do seu produto, no caso o carbono fixado. Esse é um passo que já pode ser dado. Quem chegar antes à fonte poderá beber a água limpa!
Processo de determinação de biomassa em Pinus para fins de quantificação de carbono fixado
Carlos R. Sanquetta
Professor de Inventário Florestal
Departamento de Ciências Florestais
Universidade Federal do Paraná
sanqueta@floresta.ufpr.br
Maio/2003 |