Nunca se observou tantas transformações no mercado da madeira de reflorestamento quanto agora. Apesar dos significativos riscos dos projetos florestais, a viabilidade dos investimentos em reflorestamento é excelente, não com base no presente cenário de elevação dos preços, até porque eles ainda não são tão atrativos quanto se pensa e quando se analisa pelos principais critérios econômicos, mas pelo que será por acreditar que os preços continuarão em alta, se acomodando num patamar favorável e que faz jus a atividade.
Para aqueles que receiam a proliferação dos plantios, fiquem tranqüilos, pois além do que comento neste texto, tem o fato de que muitos destes plantios são desprovidos de tecnologia e que resultarão num povoamento inexpressivo, que não farão diferença no mercado florestal.
Até aqui nada de novo. A novidade é entender o que vai acontecer no futuro e as mudanças que virão na comercialização da madeira. No entanto, para discorrer sobre o futuro deste mercado é preciso saber de alguns detalhes para não ter frustrações. O fato é que os projetos florestais e a madeira possuem fortes peculiaridades que traçam características específicas no mercado provocando distorções que precisam ser entendidas e imperfeições que precisam ser sanadas. Por estas peculiaridades é que muitos profissionais, respeitadíssimos em áreas afins (Economistas, principalmente) têm dificuldade de analisarem este mercado, daí nem hesitam em comentar sobre ela, haja vista tal complexidade, pois quando o fazem geralmente cometem equívocos irreparáveis.
Não que seja pretensão minha descrever todas estas particularidades nesta matéria, pois não é este o foco, dado também que elas serão tratadas em outros textos. Mas vou apontar algumas que são importantes para o entendimento do leitor sobre o que está acontecendo e as conseqüências disso para o mercado florestal.
Estudos tentando vislumbrar a possibilidade de criação de um mercado futuro da madeira na forma de commodity negociada em bolsa observaram que isto se esbarra na questão das indústrias de celulose exercer, naturalmente, o papel de players neste mercado, de forma a anular a volatilidade dos preços e, com isso, eliminar a possibilidade do ganho especulativo financeiro sobre o risco. Entretanto, com o fantasma do “Apagão Florestal” uma forte reação no comportamento dos preços da madeira tem sido perceptível, até porque a demanda tem superado, em muito, a expansão da base florestal, em razão do fim da política de incentivos fiscais aos reflorestamentos, da abertura comercial que expôs a nossa vantagem competitiva em floresta e do crescimento vertiginoso da economia chinesa.
Em razão deste colapso na oferta, percebe-se uma possível perda do poder de player destas indústrias. Todavia nem tanto, porque ao observarmos que na negociação com os produtores florestais, principalmente os fomentados, elas ainda adotam a política de pagar valores diferenciados em função da distância de transporte, isto é uma clarividência que elas ditam regras neste mercado.
Num mercado de competição perfeita, os preços e quantidades são resultantes do equilíbrio entre as forças de oferta e demanda. No mercado da madeira, vê-se o caso de poucos ou único agente comprador contra vários produtores. Isto é o reflexo da própria política de incentivos fiscais e das exigências legais que levaram as indústrias de celulose a ser detentoras de grandes extensões de plantios florestais que lhe conferem a propriedade de monopsônio, conseqüência natural e circunstancial de uma época em que os produtores não se interessavam pela atividade florestal, além da característica forte da madeira que apresenta um coeficiente preço sobre peso específico muito baixo, que inviabiliza o seu transporte a longas distâncias.
Não resta dúvida que a manutenção de uma política de preços diferenciados pela distância incentiva produtores mais longe a participar do fomento, pois o frete está embutido na diferença de preço da madeira vinda de longe. Para isso, as indústrias adotam composições veiculares especiais (tri-trem e rodo-trem) que viabilizam o frete a distâncias que composições tradicionais não conseguem.
Por outro lado, para os produtores mais próximos das fábricas, estes se sentem desestimulados a se fomentar, pois não vêem a remuneração de suas florestas, e sim o pagamento de frete. Por isso é comum percebermos que próximos de muitas grandes indústrias de celulose há menos produtores rurais investindo em reflorestamento, via fomento florestal, que deveria ter.
Na economia clássica quem estabelece os preços é o mercado e, neste caso, ele está pouco preocupado com a origem do produto, se veio de perto ou de longe. Quem toma a decisão de investir na produção é o produtor, se ele achar interessante produzir e entregar o produto no destino final, bem, se não ele procurará outra modalidade de investimento. Sob competição perfeita não há espaço para se construir tabelas de preços em razão da distância.
Se paga um preço alto vindo de longe e um baixo, de perto, talvez, quem sabe se pagasse um valor médio ponderado que faça frente ao preço equivalente da madeira que está sendo pago pelo carvão vegetal, os produtores participariam mais do fomento florestal, pois do jeito que está, esta tabela de preços, além de explicitar o papel de player das indústrias, tendem a beneficiar muito mais as transportadoras, até por seu poder de barganha, do que os produtores florestais, pois as correções nos preços da madeira soam como reflexos dos reajustes dos aumentos dos combustíveis, ou seja, o valor dos fretes junto as grandes transportadoras do que simplesmente a valorização efetiva que a madeira está tendo nos mercados mais acirrados.
É justamente neste acirramento do mercado, que tudo indica parece que veio para ficar, está a maior novidade que esta matéria pretende contribuir. Enquanto o preço da madeira era insignificante e que poucos produtores participavam deste mercado, as indústrias tinham mais tranqüilidade para negociar valores, mas a partir do momento que os produtores se associam, se fortalecem, ganham poder de barganha e se capitalizam na atividade florestal, passam a impor condições nesta negociação. Ai começa as diferenças entre produto florestal e agrícola. Quando a cultura agrícola atinge o dia de colheita, o produtor ou é obrigado a colher, estando o preço bom ou não, ou a amargar custos de estoque. No florestal, a partir do momento que o produtor não esteja mais descapitalizado, ele pode esperar, em vez de dias, alguns meses ou ano por melhores preços, pois não há pressa em colher porque o produto não deprecia e não há custo de estoque, pelo contrário, se manejar a floresta, ele terá melhores remunerações por ela, mesmo estando em pé.
Eis o mistério florestal e que pode complicar um pouco a vida das indústrias de celulose. Com a tendência de elas dependerem cada vez mais da madeira de mercado e de fomento no seu abastecimento, mais elas vão ter estes problemas na negociação com o produtor florestal.
Infelizmente, o pior ainda não tratei aqui. Para quem acha que nada pode ser tão ruim que não possa piorar lamenta, pois com o aumento nos preços do carvão vegetal que está ocorrendo recentemente, ou tudo piora, ou tudo melhora. Complicado não é, pois afinal, piora ou melhora? Pois bem, existe um limiar entre o paraíso e o inferno proporcionado pelo comportamento dos preços do carvão vegetal que gera isto.
O problema é que as indústrias, naturalmente, querem pagar um preço abaixo do que querem os produtores. Até ai, novidades para ninguém, pois desde que o mundo é mundo, quem paga acha que paga muito pelo que compra e quem recebe, acha pouco pelo que vende. Isto é a engrenagem da vida. Daí eles buscam um valor de referência, fornecido por uma instituição de referência, mas que não existe, ou se existe não reflete a realidade do mercado florestal ou destes agentes.
A razão disso é por que a madeira é pesada e inviável de ser transportada a longas distâncias, daí cria uma particularidade de mercado local e não de regional ou global como de muitas commodities agrícolas. Por exemplo, os preços do café e da soja são definidos nas bolsas de Nova York e Chicago, respectivamente. Enquanto que para madeira, por míseros 100 ou 200 quilômetros, se separam bons de ruins mercados florestais, a ponto do produtor localizado num mercado fraco não ter como viabilizar o transporte para o forte que esteja acima destes limites de distância.
O pior é que a madeira, apesar da evolução dos preços, nunca deixará de ser pesada, comprometida pelo transporte. O interessante neste contexto é o carvão vegetal (diferencial na economia florestal do Brasil com a do resto do mundo), pois com a carbonização da madeira há uma agregação de valor nela de tal forma que regiões remotas podem passar a serem viáveis em projetos florestais mesmo que não haja tradição florestal.
Mas, então o que estamos vendo é que o carvão vegetal está resolvendo o problema de transporte da madeira? Eis que estes problemas acabaram? Não é nada de Organizações Tabajara, mas o que estes aumentos do preço do carvão estão fazendo é transformar os mercados locais em regionais, podendo viabilizar distâncias bem maiores, desde que o produtor agregue valor a mesma, carbonizando-a.
O aumento dos preços do carvão e conseqüentemente da madeira pode complicar as vantagens competitivas das indústrias de celulose brasileira. As previsões não são boas para elas negociarem os preços da madeira junto aos seus fomentados com o preço do carvão no patamar que já está.
Enquanto historicamente o preço equivalente da madeira pago pelo carvão vegetal esteve abaixo do valor pago pelas indústrias de celulose não havia tanto problema, mas na situação atual as coisas começam a complicar, até porque para produzir carvão, a princípio, exige-se pouco investimento para o produtor. Além disso, outro agravante é a tendência de proibir o mercado do carvão da madeira de mata nativa fazendo o preço da de reflorestamento subir ainda mais.
Há mais de 4 anos atrás, eu já previa isto, só agora tive condições de escrever. Sempre preocupei com os riscos da competitividade de nossas indústrias de celulose com os preços do ferro gusa e do carvão subindo, e por tabela o da madeira, de tal modo que as forçassem a ter que pagar um valor “salgado” de mais e com isso comprometer os custos de produção da celulose.
Pois bem, aquilo que eu vislumbrava, hoje é realidade. Talvez os meus amigos das indústrias de celulose não atentaram ainda para esta realidade do carvão, até entendo, pois eles hoje vivem respondendo as demandas preconceituosas, ultrapassadas e anacrônicas dos que se opõem ao eucalipto e ao capital. Também não é por menos, com o perfil dos nossos representantes nos órgãos públicos ambientais e de certas lideranças nos movimentos sociais, não pode esperar muito. Ainda bem que o nosso presidente não é Evo e nem Hugo.
Para você ter uma idéia nobre leitor da dimensão deste problema que estou apontando, procure saber a diferença de preços entre a tonelada de celulose e de ferro gusa de 4 anos para trás e o quanto valem hoje. O mesmo para o carvão vegetal e a madeira. Você verá que os preços da celulose não mudaram tanto (em torno de US$700/ton), mas o de ferro gusa, que era U$300 e o carvão R$120/mdc, hoje são US$800/ton e R$200/mdc, respectivamente, enquanto a madeira para celulose mudou de R$60/m3 para apenas R$90/m3, colocada no pátio.
Daí você já pode perceber que as coisas para as indústrias de celulose não andam muito boas. As previsões para elas neste mercado de madeira são de tempo nebuloso para de tempestades fortes. Por outro lado, o dito popular de que atrás de ventos fortes vem a calmaria, pois com a desvalorização cambial e a alta excessiva do preço do carvão vegetal, este possa ser substituído pelo mineral. Por isso o limite tênue entre o paraíso e o inferno. Se o câmbio cair, os preços do carvão vegetal subir demais e a “burrocracia” ambiental dificultar mais que já está dificultando a produção do carvão vegetal, provavelmente poderemos ter uma abrupta substituição do vegetal pelo mineral.
Como na vida tudo é cíclico, o boom do carvão vegetal poderá passar, e vocês amigos das celulósicas terão um “gás” para poder planejar melhor o futuro do abastecimento de suas indústrias, mas não cochilem, pois a Índia e a Indonésia vêm ai. Pensando bem, esta é uma oportunidade para me redimir a vocês, mas me complicar perante aos amigos das guseiras. O fato é que, enquanto os preços do carvão vegetal oscilavam no mercado, as indústrias de celulose historicamente sempre os mantiveram em alta, ou seja, independente dos preços da celulose no mercado internacional, elas nunca abaixaram os preços pagos aos produtores fomentados.
É ai que entra uma variável importante na decisão dos fomentados na hora de fazer e honrar contrato de fomento que é a Confiabilidade bilateral, ou seja, que ele entrará numa atividade que, mesmo de longo prazo, ele terá a certeza que a empresa pagará um preço que será após correção, no mínimo, equivalente ao da época da assinatura do contrato. Neste ponto amigos produtores florestais, quem eu prezo e respeito muito, da mesma forma que se exige a confiança das indústrias adquirirem e pagarem pela madeira de vocês, os senhores hão de convir comigo de que as indústrias esperam reciprocidades. Desta forma, pensem bem ao romperem clausulas contratuais de fomento, pois estas indústrias tendem a contar cada vez mais com a madeira de vocês no abastecimento da mesma.
Retornando à substituição do carvão vegetal pelo mineral, particularmente não gostaria que isso se concretizasse, não só pelos impactos ambientais que serão gerados, mas pelo desastre social que isso provocará no meio rural que, calejado de prejuízos com a agricultura, custou a acreditar numa atividade de longo prazo, que é a florestal. Os produtores brasileiros não resistirão ao desaparecimento súbito do mercado de carvão vegetal e à dependência de poucas e longínquas indústrias compradores da madeira deles.
Autor: Sebastião Renato Valverde - Professor de Política e Gestão Florestal do Departamento de Engenharia Florestal da Universidade Federal de Viçosa – Viçosa/MG – valverde@ufv.br.