Segundo os recém divulgados resultados de uma pesquisa encomendada pela União Européia denominada “The Economics of Ecosystems and Biodiversity – TEEB”, a economia global perde mais dinheiro com o desaparecimento das florestas naturais do que com a atual crise financeira.
De acordo com o estudo, os desperdícios pelo desmatamento de áreas florestais naturais podem chegar à casa de cinco trilhões de dólares por ano. Nesse valor estariam incluídos diversos serviços ambientais prestados pela floresta, com destaque à manutenção da qualidade de corpos d’água e ao armazenamento de dióxido de carbono, como ferramenta de regulação climática.
Outro trabalho divulgado recentemente na mesma linha, o Relatório Eliasch - estudo independente comissionado pelo primeiro-ministro britânico Gordon Brown - estima que o custo econômico global da mudança climática causada pelo desmatamento e perda do estoque de dióxido de carbono – sem considerar, portanto, os impactos decorrentes de outros serviços ambientais citados no TEEB - poderiam chegar a um trilhão de dólares ao ano até 2100.
Em tempos de crise econômica, a manutenção de áreas de floresta nativa, anteriormente preocupação destacada somente por seu viés conservacionista, pode se tornar uma nova e interessante ferramenta de proteção da economia mundial em longo prazo.
A tradução da conservação florestal em benefícios econômicos é resultado da aplicação de um raciocínio simples. Conforme destaca o economista Pava Sukhdev, coordenador do relatório TEEB, na medida em que as florestas nativas são removidas para dar lugar a outras atividades econômicas, deixam de fornecer uma série de serviços. Com a degradação ou remoção total da vegetação dessas áreas, o homem se obriga a alocar esforços técnicos e financeiros para gerar os mesmos benefícios que outrora estavam disponíveis gratuitamente.
Essa percepção, embora recente e carente de estudos detalhados, conduz a um novo conceito de conservação florestal. De forma similar à evolução observada nos mecanismos criados para a comercialização de créditos pela redução de emissões ou captura e fixação de dióxido de carbono, onde a garantia da manutenção da qualidade ambiental é associada à sua valorização econômica, a conservação das florestas seria, dentro dessa nova ótica, garantida pelo valor de mercado dos serviços por elas prestados.
A manutenção das florestas nativas como atividade de fim econômico poderá ter grande impacto no setor florestal brasileiro pela possibilidade de geração de renda capaz de tornar a conservação florestal e o uso sustentável das florestas atividades financeiramente viável no Brasil.
Serviços florestais
As florestas naturais fornecem uma ampla variedade de serviços, desde os mais tradicionais e palpáveis - como a produção de matéria-prima para diversos segmentos da indústria madeireira - até aqueles abstratos, porém não menos importantes, como a irrefutável contribuição da manutenção de áreas florestais para o equilíbrio climático global, atuando como um armazenador de carbono.
De acordo com informações do relatório State of Word Forest 2007, publicado pela Food and Agriculture Organization – FAO, o Brasil é responsável por mais de 20% do carbono estocado em forma de biomassa em todo planeta, percentual equivalente à emissão de aproximadamente 18 bilhões de toneladas de dióxido de carbono. Como comparação, no ano de 1994, ano da Comunicação Oficial das emissões de gás de efeito estufa pelo governo brasileiro, o país emitiu pouco mais de um bilhão de toneladas de CO2 à atmosfera, ou seja, o carbono estocado na biomassa brasileira equivale à emissão de todos os setores nacionais em 18 anos.
A grande quantidade de carbono estocada nas florestas do Brasil, aliada à crescente taxa de desmatamento, coloca essa atividade como a principal causa da emissão de dióxido de carbono no país: 75% de nossas emissões são oriundas de atividades relacionadas à mudança no uso da terra, causada pelo desflorestamento.
Com base nessa constatação, o estoque de carbono armazenado pelas florestas brasileiras assume o papel de uma “bomba relógio climática”, ao passo em que a continuidade da exploração insustentável da floresta pode liberar o gás armazenado por séculos novamente à atmosfera, destacando a sua manutenção como o primeiro serviço florestal a ser valorizado dentro desse novo mercado.
A comunidade internacional já está mobilizada no sentido de definir uma ferramenta para valorizar o estoque de carbono armazenado pelas florestas, de modo a gerar benefícios financeiros em um mercado de créditos de desmatamento evitado, como uma próxima etapa dos atuais mercados de carbono existentes, tanto dentro quanto fora do Protocolo de Kyoto.
À parte da necessidade de definição de uma série de detalhes técnicos, relacionados à mensuração e garantia da manutenção do estoque de carbono, e de detalhes políticos e jurídicos, relacionados à posse dos “créditos” gerados e à soberania nacional sobre áreas mantidas por fundos internacionais, amplas discussões e até mesmo os primeiros projetos têm sido observados nessa modalidade, batizada internacionalmente sobre a sigla REDD (Reduced Emissions from Deforestation and Degradation).
Observar os serviços florestais sob a ótica das mudanças climáticas e do carbono é apenas o início da valorização econômica das florestas. A possibilidade de geração de renda pela manutenção da vegetação florestal e de seus serviços passará obrigatoriamente por novos estágios, em que a floresta será valorizada por outros serviços, tais como a manutenção da qualidade de corpos d’água, biodiversidade, produtos não madeireiros, potencial para educação, pesquisa, turismo, entre outros.
Impactos no Brasil
A valorização da floresta em pé é uma tendência. Se até o momento os argumentos ecológicos não eram suficientes para a garantia de sua conservação, os recentes estudos econômicos provam que a manutenção da floresta pode ser um negócio lucrativo.
A comercialização dos serviços prestados pelas florestas pode ser um mecanismo financeiro interessante para valorizar a atividade de conservação ou aumentar o retorno de outras atividades baseadas na manutenção da floresta em longo prazo.
No Brasil, essa possibilidade poderá facilitar não somente o cumprimento de preceitos legais ligados à manutenção das florestas (tanto em áreas públicas quanto privadas), mas também incentivar a ampliação voluntária de áreas de conservação particulares, acima dos limites exigidos por lei. Isso ocorre na medida em que a conservação florestal passará a concorrer economicamente com aquelas atividades que outrora motivaram sua remoção e substituição.
Na mesma linha, o incentivo à manutenção da floresta pode se somar aos benefícios de atividades realizadas nessas áreas, como, por exemplo, o manejo florestal, a extração de produtos não madeireiros, turismo, pesquisa, entre outras, agregando valor a empreendimentos florestais focados na sustentabilidade dos recursos naturais e garantindo sua manutenção no longo prazo.
As florestas nativas não serão mais obstáculos ao desenvolvimento econômico: serão fontes de receita sustentável e ambientalmente adequada.
Ganhar dinheiro conservando, essa será a mais nova atividade florestal do Brasil.
Autor: Marcelo Schmid - Engenheiro Florestal e Advogado, Consultor e Sócio da Pacto Ambiental - marcelo@pactoambiental.com