O Brasil não é o único país do mundo que ostenta problemas de produtividade e qualidade. Também em outras economias com alto grau de industrialização o problema é muito sério. Em quase todos os lados do mundo, a meta de alcançar níveis elevados de produtividade e de qualidade está sendo considerada como uma das grandes prioridades das empresas. Como o mercado mundial caminha cada vez mais rumo à globalização e à competição internacional, conclui-se que estamos diante de um desafio enorme: a ferrenha luta pela competitividade no mercado mundial.
Qualidade e produtividade são as principais chaves de todas as principais decisões empresariais. Elas proporcionam preço e confiabilidade. Essas duas vantagens devem ser permanentes e devem crescer através do tempo. O importante é aprender como fazer o produto cada vez melhor e com os menores custos.
A cada dia e a cada ano que passa deve-se conquistar uma gradativa melhoria na produtividade e na qualidade. Mas não é isso o que está acontecendo em alguns países. Até pelo contrário. Em alguns países está havendo uma estagnação, enquanto em outros há até mesmo um declínio nos índices de produtividade e qualidade. Neste aspecto sempre existem os ganhadores e os perdedores. No Brasil, por exemplo, estamos experimentando um período de busca incessante da excelência em termos de qualidade e produtividade. Mas a qualidade a e produtividade ainda estão distantes de muitas empresas. Elas constituem um importante objetivo, sem dúvida, mas ainda há muito que fazer.
A enorme mudança que afeta todas as nossas vidas, o aumento exacerbado da competição e os clientes cada vez mais preocupados em comparar preço, qualidade e valor agregado constituem os três grandes fatores que estão levando as empresas rumo ao sucesso ou ao fracasso. As empresas bem-sucedidas são aquelas que estão abertas à mudança, são competitivas e totalmente voltadas para o cliente. Mudança, concorrência e focalização no cliente são as oportunidades – e não as ameaças – que podem fazer a grande diferença.
Fazendo uma comparação entre as empresas bem-sucedidas com aquelas que fracassaram, conseguimos identificar vários fatores que explicam a dificuldade de alcançar padrões mais elevados de qualidade e produtividade. Dentre eles, dois se destacam.
O primeiro fator decorre da cultura que predomina nas nossas empresas. Durante décadas a fio tivemos uma forte ênfase na especialização e no individualismo. A expectativa era de que cada pessoa faria o melhor possível através dos seus próprios méritos pessoais, independentemente da ajuda de outras pessoas. Era a ênfase no trabalho individual, na especialização e na autoconfiança. Com isso as pessoas passaram a ser confinadas em cargos isolados e sem nenhuma vinculação com os demais cargos e com as demais pessoas.
Avaliação
Cada funcionário passou a ser remunerado com um salário fixado previamente e passou a ser avaliado com termos individuais. Essa ética individualista colidia frontalmente com o trabalho em grupo, com o espírito de equipe e com a cooperação para lidar com os problemas cotidianos. E isto tornou a maior parte das nossas empresas uma verdadeira confederação de pequenos feudos, segmentados, fracionados e isolados. Cada um por si e a empresa para todos. Esta ainda costuma ser a nossa cultura: extremamente limitadora e restritiva quanto ao desempenho das pessoas.
No Japão, a cultura empresarial é totalmente oposta. As pessoas trabalham juntas em equipe e voltadas para o bem do grupo a que pertencem. Elas têm um senso de obrigação quanto à sua organização, aos seus subordinados e aos seus colegas.
Colocam seu esforço pessoal e utilizam a informação para resolver os problemas da empresa. São orgulhosas do que fazem e estão firmemente voltadas para a manutenção de um elevado grau de qualidade e produtividade no seu trabalho. Permanecem na empresa escolhida durante toda a sua carreira profissional, devotando a ela extrema lealdade. Subordinam-se à coletividade da qual fazem parte. Não existe individualismo e nem competição entre as pessoas. Ao contrário, reinam o espírito de grupo, a colaboração e o trabalho em equipe. Cooperação e lealdade grupal. Essa é a cultura japonesa: extremamente impulsionadora do desempenho das pessoas.
O segundo fator tem a ver com a organização do trabalho. Até o começo dos anos 80, a grande maioria dos nossos executivos ainda adotava paradigmas de produção inventados há mais de cem anos. O sistema americano de produção, com ênfase no mercado em massa, no desenho padronizado, nos grandes volumes e nos ganhos de escala, revolucionou a indústria no início do século XX. Elaborado sobre os princípios da Administração Científica de Taylor e seus discípulos, assim como por grandes industriais, como Henry Ford, Isaac Singer e Andrew Carnegie, esse novo paradigma ajudou os Estados Unidos a se tornarem uma potência industrial por volta da década de 20.
Algumas idéias foram seguidas como verdadeiros e inquestionáveis dogmas: o trabalho é feito de forma mais eficiente quando dividido e fragmentado e quando supervisionado por especialistas; os executivos devem trabalhar no conceito para que os trabalhadores se concentrem no fazer; cada processo é caracterizado por certa quantidade de variações, daí a inevitável margem de defeitos; a comunicação em uma organização deve ser rigidamente controlada e executada através de uma cadeia hierárquica de comando de alto para baixo; a produção deve ser feita visando ao longo prazo, utilizando equipamentos desenvolvidos para cada estágio do processo; e o trabalho deve ser organizado de uma forma sistemática, numa seqüência lógica e sob rígida supervisão.
As organizações devem ser "engenheiradas", fazendo com que as funções humanas e as máquinas sejam separadas em blocos como em um fluxograma. As descrições de cargos, os processos de trabalho, os estudos de tempos e movimentos, bem como os manuais definitivos que estabelecem como devem se relacionar com as demais funções passam a ser as ferramentas essenciais da administração. O sistema está em primeiro lugar. O homem é apenas um apêndice do sistema. Práticas desse tipo desumanizaram o trabalho, alienaram as pessoas e criaram uma relação adversária e difícil entre o gerente e as pessoas das quais ele depende para alcançar os objetivos da companhia. A organização do trabalho, ao invés de obter cooperação e gerar sinergia, passou a limitar e restringir os esforços das pessoas.
Problemas resolvidos
Um aspecto curioso é onde os problemas estão sendo resolvidos dentro da empresa e em que nível da estrutura organizacional. A nossa constatação é de que em quase nenhum deles. A alta e a média administração tendem a se concentrar na solução daqueles problemas com que se defrontam no topo e cujas prioridades são sentidas na cúpula. Os problemas operacionais que ocorrem na base da organização recebem pequena ou nenhuma atenção, pois os gerentes do meio do campo tendem a ignorá-los em prol da sua ajuda à alta administração na solução dos problemas que são importantes para ela.
A alta administração jamais fica sabendo de muitos dos problemas operacionais que impedem a produtividade nos níveis mais baixos. O que acontece nas empresas japonesas? Vale a pena destacar quatro aspectos.
Nas empresas japonesas predomina a abordagem mais participativa das pessoas, o que torna as coisas muito diferentes. Nelas, em todos os níveis da organização, as pessoas estão intimamente ligadas e sintonizadas com a qualidade e a produtividade. Poucos problemas podem ocorrer quando uma pessoalmente atenta a eles e é desafiada a corrigi-los. E o principal é que os problemas são resolvidos onde eles ocorrem, qualquer que seja o nível, pelas próprias pessoas que os conhecem e que têm condições técnicas e imediatas para resolvê-los.
Desse modo, poucos são os problemas capazes de se tornarem verdadeiras barreiras crônicas para a qualidade e a produtividade da empresa. Um segundo efeito decorre dessa abordagem participativa. Como muitos problemas são resolvidas tópica e rapidamente, poucas barreiras permanecem para a qualidade e a produtividade. A organização torna-se hábil para operar cada vez mais e melhor com os recursos de que dispõe e as saídas tornam-se maiores em relação às entradas. Como os problemas são prontamente resolvidos, a qualidade da produção melhora, o tempo e o esforço desperdiçados tornam-se mínimos e a produtividade aumenta. O retrabalho simplesmente desaparece.
Um terceiro efeito torna-se óbvio. As pessoas sentem-se compromissadas com uma organização que incentiva a sua contribuição pessoal para o seu sucesso. As pessoas sentem-se mais importantes, mais motivadas, mais necessárias e mais partes integrantes da organização. Desenvolvem uma lealdade e uma preocupação com a organização e com seus produtos e os problemas da organização passam a ser os seus problemas pessoais; os objetivos da organização, os seus objetivos pessoais – e, para alcançá-los, as pessoas procuram remover os problemas que eventualmente surgem. Tornam-se os contribuintes pessoais da maior produtividade e qualidade para a organização.
Geralmente o diagnóstico da mudança esbarra nestes dois fatores que funcionam como barreiras intransponíveis para que as pessoas possam atuar como agentes ativos da mudança organizacional. Na realidade, os paradigmas organizacionais e culturais funcionam como anti-habilitadores da mudança, pois eles amarram o comportamento das pessoas e as tomam sujeitos meramente passivos do status quo organizacional. Há que se atuar primeiramente sobre as pessoas, dando-lhes as condições ambientais e pessoais para trabalhar e colaborar ativamente na mudança.
A tecnologia somente funciona quando as pessoas estão plenamente habilitadas a fazê-la funcionar e quando sabem e têm condições pessoais de fazê-la funcionar bem. Como a tecnologia também muda incessante e rapidamente, as pessoas precisam aprender a mudar e a trabalhar em um ambiente de mudança e inovação.
Qualquer empresa, em qualquer lugar do mundo – seja no Japão, nos Estados Unidos ou no Brasil –, pode mudar as coisas, transformando-se de um pequeno grupo seleto, restrito e reduzido de pessoas tentando inovar ou resolver por si todos os problemas da organização em um grande número de pessoas que se sente responsável pela inovação e pela solução dos problemas operacionais. Desde que a direção realmente o queira.
Ter um grande número de pessoas voltadas para a inovação, para a qualidade e para a produtividade e com vontade de melhorá-las constantemente não é uma invenção japonesa. Nem um monopólio exclusivo dos japoneses. Muitas empresas de todo o mundo passaram a fazê-lo. E todas as nossas empresas deveriam também fazê-lo intensamente. Apenas seguindo os passos de quem já foi bem-sucedido nessa transição.
Autor: Idalberto Chiavenato - Escritor Brasileiro na Área de Administração de Empresas e de Recursos Humanos, com Livros Utlizados em Países da América Latina, Portugal, Espanha.