“Não há motivo para alarde, tampouco para acomodação. É preciso sim agir, mas convém que se leve em conta que o quadro continua muito favorável ao Brasil. Dadas às condições macroeconômicas é possível controlar razoavelmente a inflação, sem gerar custos desnecessários ao incipiente crescimento econômico”.
Olhando para 2009 os economistas são unânimes em dizer: não há riscos inflacionários expressivos. A queda nos preços internacionais das commodities e o desaquecimento da demanda global irão provocar, ao contrário, uma onda deflacionista. Isso, por outro lado, representa uma janela de oportunidade de o Brasil ajustar o câmbio, saindo da armadilha da valorização que perdurou nos últimos anos, ao mesmo tempo, sem gerar pressões inflacionárias adicionais.
A aceleração da demanda interna e a elevação dos preços das commodities no mercado internacional eram as duas vilãs para a inflação e que justificaram, na visão do Copom, as altas recentes na taxa Selic. O desafio agora será mesmo o de olhar mais o pára-brisa e menos o retrovisor. O risco é cometer um erro de avaliação e daqui a seis meses, quando efetivamente as taxas de juros definidas agora passarem a fazer efeito na "economia real" é que esse venha a ser um fator adicional para derrubar o nível de atividades.
Uma menor taxa de juros deve amenizar o efeito da contração do nível de atividades e dos investimentos produtivos. Da mesma forma, também diminui o custo de financiamento da dívida pública, que será fator fundamental para exigir uma restrição expressiva dos investimentos públicos, fundamentais para agir anticiclicamente.
Com o agravamento da crise financeira norte-americana, o Brasil deve contar com US$ 11,9 bilhões a menos este ano para financiar suas contas externas, segundo estimativa feita pelo Banco Central. O valor se refere à queda nos fluxos de empréstimos e investimentos estrangeiros para o país em 2009, na comparação com o resultado do ano passado.
Ao todo, o fluxo de capital deve passar de US$ 90,2 bilhões para US$ 78,3 bilhões, com queda de 13%. O maior recuo é esperado nos investimentos externos no mercado brasileiro de ações e títulos de renda fixa. Para 2009, porém, a expectativa é de ingresso de US$ 15 bilhões, com redução de 32% em relação ao saldo projetado para 2008. “Temos uma situação de balanço de pagamentos perfeitamente financiável em 2009, mas com certa retração nos fluxos de capital estrangeiro, evidentemente refletindo a crise. Não podia ser diferente”, diz o chefe do Departamento Econômico do Banco Central, Altamir Lopes.
Os números mostram que, até agora, o maior impacto da crise no Brasil foi sentido no mercado financeiro.
Já os investimentos estrangeiros diretos, diz Lopes, estão sendo menos afetados pelas recentes turbulências. Ainda assim, o Banco Central estima que o ingresso desse tipo de investimento no país deva baixar dos US$ 35 bilhões esperados neste ano para US$ 33 bilhões este ano.
O Banco Central também espera queda no volume de empréstimos externos de longo prazo (superior a um ano) direcionados ao Brasil. No ano passado essas captações ficaram em US$ 33,2 bilhões, caindo para US$ 30,3 bilhões este ano.
De acordo com Lopes, esse valor deve ser suficiente para que o setor privado refinancie 100% das parcelas de suas dívidas com vencimento em 2009.
Para o economista Antônio Corrêa de Lacerda, professor da PUC-SP, o problema da redução na entrada de recursos externos no Brasil é que ele acontece num momento em que o país volta a ter déficit nas suas contas externas, o que não acontecia desde 2002.
Ainda assim, ressalta o economista, as elevadas reservas em moeda estrangeira do governo (US$ 206 bilhões) podem ajudar o país a atravessar esse período de turbulências com um pouco mais de tranqüilidade.
Riscos da inflação
O IPCA (Índice de preços ao consumidor ampliado) é o indicador oficial da inflação no Brasil e o balizador das metas de inflação, definidas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) em 4,5% ao ano, podendo variar 2 pontos percentuais, para cima ou para baixo. É esse o parâmetro que o Banco Central (BC) leva em conta para conduzir a política monetária, principalmente a taxa básica de juros (Selic), que são revisadas nas reuniões periódicas do Comitê de Política Monetária (Copom).
Algumas das virtudes desse modelo são a transparência e previsibilidade, que logo já vai completar dez anos, revelando uma significativa estabilidade. O modelo foi criado para contemplar relativa flexibilidade para poder absorver os choques de custos exógenos, aqueles que independem de decisões domésticas. É o caso que vivemos agora com o aumento dos preços do petróleo e dos produtos agrícolas.
Um bom balizador para juros e as metas de inflação no Brasil são as expectativas do mercado. Uma medição dessas expectativas é o Boletim Semanal Focus, do Banco Central, que indica uma expectativa média de inflação de 4,8% para 2009 e 4,5 para 2010.
Medidas clássicas de combate à inflação como aumento de juros e aumento do superávit primário já foram tomadas pelo governo brasileiro. Outras poderão ainda vir, mediante necessidade. Mas, convém lembrar que demandam tempo para surtir efeito.
Também vale ressaltar que, no médio e longo prazo, inflação se combate mesmo é com ampliação da capacidade de oferta da economia. Daí a importância de que o aperto de juros, ou de crédito, se vier, seja o mais curto possível para não contaminar o ambiente para investimentos produtivos.
O desafio é preservar o controle da inflação, mas, sem prejudicar desnecessariamente o crescimento. Qualquer exagero na adoção de medidas de contenção representará um "tiro no pé" do crescimento e do apetite para a continuidade da elevação do investimento produtivo, única forma de garantir a ampliação da oferta, para além da demanda, a verdadeira forma de se combater a inflação de modo estrutural, e não apenas episódico e reativo.
A aceleração da inflação no Brasil tem gerado preocupações exageradas. Há fatores locais, mas o mundo vive uma fase de pressão inflacionária decorrente da incorporação de 200 milhões de novos consumidores ao ano que estimulam a demanda e também especulação com commodities no mercado financeiro.
A inflação mundial tem crescido. O Brasil, com 5,6% de inflação denota um quadro sob relativo controle, comparativamente a outros países. Na América Latina, apenas o México (5,0%) e o Peru (5,4%), apresentam indicadores um pouco abaixo. Na média da região, é de 10,6%. O sempre elogiado Chile já tem 8,8% acumulado. A Argentina tem oficialmente 9%, mas há estimativas do mercado de que a inflação real é de cerca de 30%.
Dentre os BRICs, o Brasil também é o que apresenta a mais baixa taxa de inflação, seguido por China (7,7%), Índia (7,8%) e Rússia (15,1%).
Portanto, não há motivo para alarde. Tampouco para acomodação. É preciso sim agir, mas convém que se leve em conta que o quadro continua muito favorável ao Brasil. Dadas as condições macroeconômicas é possível controlar razoavelmente a inflação, sem gerar custos desnecessários ao incipiente crescimento econômico.
Desenvolvimento
A globalização que marcou as últimas três décadas representou para os países em desenvolvimento oportunidades, mas também riscos e desafios significativos. Da mesma forma, é preciso diferenciar as estratégias de desenvolvimento que foram distintas mesmo no bloco dos países em desenvolvimento.
Para diferenciar genericamente, há evidentes contradições entre as estratégias dos países asiáticos, por exemplo, comparativamente aos latino-americanos. Enquanto os primeiros promoveram ações de intensificação do seu crescimento econômico e de inserção internacional, os últimos ficaram limitados por seus problemas de balanço de pagamentos, nos anos 1980, e a supremacia das políticas de corte neoliberal dos anos 1990.
Mais recentemente, a crise deflagrada com a derrocada do mercado subprime norte-americano tornou escassos o crédito e o financiamento. Ao contrário do boom do período 2002-2007, a nova fase vai implicar uma diminuição dos fluxos de capitais, afetando diretamente as opções de financiamento dos países.
O crescimento da economia brasileira, assim como todos os demais emergentes deverá ser restringida pelos efeitos da atual crise internacional. Não que o Brasil não tivesse logrado relativo êxito na diminuição da sua vulnerabilidade externa. Comparativamente a outros momentos de turbulência há evidentes avanços, tanto no que se refere às contas externas quanto ao quadro fiscal.
A redução do ritmo de crescimento da demanda global e, conseqüentemente dos preços dos produtos exportados pelo Brasil implica na busca de alternativas. Por outro lado, a melhora da qualidade da inserção externa da economia brasileira, além das políticas voltadas para o desenvolvimento, pode contar com a participação das empresas brasileiras.
Este é um potencial ainda não suficientemente aproveitado. Há um conjunto de empresas brasileiras que se internacionalizaram com destacado êxito. Muitas dessas empresas estão localizadas em áreas de commodities, ou semi-commodities. Mas também há aquelas que ousaram em nichos muito mais competitivos, como é o caso das indústrias aeroespacial, motores, ônibus e carrocerias, além de muitas outras.
É interessante notar que a internacionalização se deu por obra e iniciativa das empresas. Não houve uma política deliberada de Estado que promovesse a inserção dessas empresas. É justamente nesse ponto que há um imenso potencial de trabalho conjunto. É preciso replicar a experiência dessas empresas pioneiras em uma articulação Estado-iniciativa privada para ganhar espaço nos mercados internacionais. A melhora da qualidade da inserção externa é fundamental para garantir que o Brasil não venha a ficar sujeito a uma crise de balanço de pagamentos nos próximos anos.
Isso, por sua vez não choca com uma estratégia de atenção ao mercado interno, que deverá propiciar à economia brasileira, em meio à crise econômica, algum potencial de crescimento. Mas, para isso é necessário que se faça as escolhas certas, definindo prioridades. É preciso estimular o mercado interno com investimentos públicos, apoio e incentivo ao investimento privado e uma política macroeconômica anti-cíclica. A manutenção do emprego e da renda, assim como a expansão do crédito serão fatores cruciais para suportar a expansão da demanda.
Passada a fase mais crítica, do pânico visto no mercado financeiro global, no final de 2008, restam os seus efeitos decorrentes. Para o Brasil, os dois grandes problemas de curto prazo são a volatilidade da taxa de câmbio e o empoçamento do crédito. São questões relevantes, pois afetam o nível de atividades, assim como renda e emprego e pode postergar decisões de investimentos.
Sob o ponto de vista cambial, há quem defenda uma postura mais ativa do Banco Central do Brasil (BCB) no mercado à vista. No entanto, um eventual aumento do volume de vendas de reservas no mercado à vista, ao mesmo tempo em que tende a reduzir a cotação do dólar, por outro lado representa queima de divisas, que o país pode precisar mais à frente, principalmente se a crise se agravar, e, de certa forma, premia, com um custo mais baixo, a saída de capitais.
No que se refere à crise de liquidez, o desafio é fazer o dinheiro voltar a circular. Na crise, ocorre o que Keynes definia como preferência pela liquidez. Ou seja, diante da crise os agentes preferem manter seus recursos na forma mais líquida possível. No mercado internacional há uma busca pelos títulos do Tesouro norte-americano, apesar do baixíssimo rendimento oferecido, para fugir do risco da insolvência de bancos e empresas. Esse é um dos fatores que explicam a recente revalorização do dólar norte-americano vis a vis as demais moedas, o que não deixa de ser curioso, pois a crise advém de lá!
No Brasil, a crise de liquidez decorre de outros fatores. O problema da insolvência não é tão generalizado e claro como nos EUA, porém ninguém ainda tem dimensão dos efeitos das perdas das operações com derivativos por parte das empresas exportadoras. Apesar das sucessivas liberações de depósitos compulsórios por parte do BCB aos bancos privados, estes têm preferido manter o seu caixa aplicado em títulos públicos no overnight. Aqui a "preferência pela liquidez" é ainda premiada com uma remuneração de cerca de 15% ao mês.
Com tudo isso também via ficando cada dia mais claro que os efeitos da crise internacional para a economia brasileira, dependem além da crise em si, determinada por fatores os quais não controlamos, há, por outro lado, um papel preponderante representado pelas medidas domésticas. O quão ágeis seremos para perceber as mudança e tomarmos a medidas necessárias, anteciparmos as principais tendências e tirar proveito delas. Estamos hoje em uma situação macroeconômica muito melhor do que em crises passadas. Mas isso não nos garante imunidade. Também não deve servir de álibi para o imobilismo. Pelo contrário, o fato de termos uma situação de saída mais confortável, nos permite ousar mais, assim como adotar medidas preventivas com serenidade e determinação. Não é hora, portanto, de acomodação e sim de baixar os juros, ampliar o investimento público e estimular o mercado interno.
O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, afirmou que as medidas tomadas pelo governo federal e pelo Banco Central em relação à crise financeira internacional não vão "isolar" o Brasil da crise internacional, mas disse que o país crescerá acima da média mundial nos próximos anos. Para o presidente do Banco Central, é um erro achar que um país pode se manter isolado em relação a uma crise como a atual.
Em tempos de crise, muito se fala sobre bolsas, dólar, juros, e outros, mas o que move a economia mesmo são as atividades produtivas. O grande motor da economia são os investimentos físicos, ou seja construções, máquinas e equipamentos, aquisições de empresas. A UNCTAD (sigla em inglês para Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento) confirma dados relativos ao ano de 2007.
O estudo aponta para um nível recorde dos investimentos diretos estrangeiros (IDE) realizados, de US$ 1,8 trilhão, dos quais, US$ 500 bilhões foram destinados aos países em desenvolvimento, grupo no qual o Brasil ganhou quatro posições no ranking, com um ingresso de US$ 34,6 bilhões. Estes investimentos significam importante complemento para impulsionar a economia brasileira e melhorar as condições de infra-estrutura e de capacidade produtiva do país.
O crescimento do IDE foi percebido em todas as regiões do mundo e nos três subgrupos econômicos: os países desenvolvidos, os países em desenvolvimento e as economias em transição, do Leste Europeu e da Comunidade dos Estados Independentes (CEI).
Os níveis sem precedentes de fusões e aquisições no exterior, que refletem o prolongamento da tendência de consolidação das empresas nos mercados globais, contribuíram substancialmente para o notável desempenho apontado.
Os países desenvolvidos permanecem concentrando a maior parte dos ingressos (US$ 1,2 trilhão), liderados pelos EUA, com US$ 232,8 bilhões. Nos países em desenvolvimento, o IDE recebido registrou o nível mais alto da história (US$ 500 bilhões), com expansão de 21% em comparação a 2006.
Dentre os países da América Latina, o Brasil ficou em primeiro lugar, seguido pelo México e pelo Chile.
Fonte: Elaborada pela Equipe Jornalística da Revista da Madeira