A matriz energética mundial ainda se encontra baseada nos combustíveis fósseis, sendo este considerado um dos principais fatores responsáveis pelo aquecimento global, devido a grande quantidade de gases poluentes emitidos após a combustão. Atualmente, a busca por fontes renováveis de energia tem despertado o interesse de vários países e é uma tendência que deve ser fortalecida, principalmente por questões ambientais e econômicas.
No cenário brasileiro, a dependência de fontes não renováveis para geração de energia está mudando. Atualmente há uma participação de 41% de fontes renováveis na oferta interna de energia. Nesse contexto, a biomassa vegetal tem sido considerada energia renovável de grande potencialidade, que pode contribuir consideravelmente para a redução do consumo dos combustíveis não renováveis.
Perante a significativa participação da biomassa florestal para produção bioenergética, destacam-se os mais diversos usos da madeira para este fim, por exemplo, a lenha in natura, a transformação em carvão vegetal e o processamento da madeira para produção de cavacos e/ou para produção de briquetes e pellets.
Os pellets e briquetes são oriundos do processo de densificação da biomassa, ou seja, transformação física do material lignocelulósico particulado em um biocombustível sólido. Ao longo do desenvolvimento da biomassa compactada, os briquetes antecedem aos pellets. Estes últimos foram criados em função da demanda por um novo tipo de combustível compactado com alta densidade energética, para o transporte a maiores distâncias, otimização do armazenamento e principalmente para o uso em equipamentos de queima mais modernos.
Além da densificação para melhoria nas propriedades energéticas da biomassa, o processo de torrefação tem o mesmo objetivo. Este tratamento térmico consiste em submeter o material lignocelulósico a baixas temperaturas com ausência de oxigênio, onde o processo termoquímico resulta na degradação de parte das hemiceluloses e permite a concentração do carbono, aumentando, assim, o poder calorífico do combustível.
Portanto, a peletização aliada ao tratamento térmico da biomassa visa aumentar a densidade energética da biocombustível sólido, gerar um combustível mais homogêneo e com menor umidade e melhorar a eficiência de queima dos pellets em equipamentos industriais. Sendo assim, unir os dois processos de transformação de resíduos em energia pode ser uma vantagem para que o biocombustível sólido produzido seja altamente competitivo frente aos combustíveis não renováveis que atualmente têm maior participação no setor industrial.
O Brasil é um dos poucos países que apresenta grande potencial de expansão de uso e produção de biomassa para fins bioenergéticos, devido a grande disponibilidade de áreas de cultivo e a intensa geração de resíduos lignocelulósicos. No entanto, ainda são escassos os trabalhos disponíveis na literatura sobre pellets de madeira e o potencial brasileiro para produção desses biocombustíveis sólidos para uso interno ou mesmo para exportação de energia renovável e limpa, especialmente para os países membros da comunidade europeia, que são os principais consumidores.
Diante do exposto, o objetivo deste estudo foi avaliar as propriedades físicas, químicas e energéticas de pellets in natura e torrificados, produzidos a partir da madeira residual de Pinus, destinados à geração de calor.
Foi observada perda de 2,4% e 7,8% de massa dos pellets torrificados a 220 °C e 250 °C, respectivamente. Foi encontrada perda de 21,6% de massa para pellets de Pinus sp. torrificados a 270 °C, ou seja, valor consideravelmente superior ao encontrado neste trabalho.
Vale ressaltar que o tempo de residência dos pellets no reator de torrefação influencia a perda de massa do material torrificado. O menor tempo de residência implica em maior rendimento do processo e, consequentemente, menor será a perda energética envolvida na obtenção dos pellets ou resíduos lignocelulósicos torrificados.
O tratamento térmico destes combustíveis possivelmente resultou no aumento da concentração de carbono e diminuição da concentração de oxigênio contido na madeira residual de Pinus. Dessa forma, observou-se que o poder calorífico superior dos pellets torrificados foi maior comparativamente aos pellets in natura (Tabela 1).
Para os pellets torrificados, a diferença de poder calorífico superior encontrada, do ponto de vista prático para geração de energia, pode ser considerada significativa, pois foi maior que 300 kcal kg-1.
Observa-se que os biocombustíveis torrificados apresentaram menor umidade na base seca (Tabela 1), em função da degradação das hemiceluloses e, consequentemente, dos sítios de sorção na biomassa vegetal. Sabe-se que as hemiceluloses são instáveis termicamente e são as principais a serem degradas na torrefação, pois se decompõem em baixas temperaturas (220 – 315 °C) Além disso, essas moléculas são as principais responsáveis pela adsorção de água da biomassa (Prins et al., 2006). Dessa forma, torna-se favorável a aplicação do tratamento térmico às biomassas utilizadas para fins energéticos, uma vez que reduz a quantidade de água presente na biomassa além de elevar o valor calórico de cada material.
Observou-se também que houve redução de aproximadamente 82% de umidade entre os pellets tratados termicamente em relação aos in natura, sendo que esse resultado pode ser considerado vantajoso. No entanto, torna-se necessário avaliar o comportamento das demais propriedades dos pellets, de forma a adequar às normativas internacionais de comercialização de biocombustíveis.
A umidade de todos os pellets avaliados atendeu as normas alemã DIN 51731 (Deutsches Institut Für Normung, 1996) e austríaca ÖNORM M 7135 (Österreichisches Normungsinstitut, 2000), que exigem valores máximos de 12%. No entanto, a norma sueca SS 18 71 20 estabelece valor máximo de 10% de umidade para que os pellets possam ser enquadrados na melhor classe (grupo 1).
Quanto à densidade aparente unitária, observa-se que pellets in natura apresentaram valor estatisticamente superior aos tratados termicamente. Além disso, pode-se constatar que o aumento da temperatura de torrefação provocou uma redução desta propriedade.
Densidade aparente unitária e densidade energética unitária dos pellets. Médias seguidas de mesma letra não diferem estatisticamente pelo teste de Scott – Knott a 5% de significância. Coeficiente de variação experimental para as densidades aparente e energética: 9,77% e 9,91%, respectivamente.
Este resultado pode ser atribuído à perda de massa durante o processo de torrefação, devido à degradação dos compostos químicos da parede celular, principalmente as hemiceluloses. Observou-se também que os pellets torrificados apresentaram a superfície mais áspera. Foi relatado comportamento semelhante para a torrefação de pellets de Pinus sp. À temperatura superior a 270 °C.
A densidade energética representa a quantidade de energia que pode ser liberada após a combustão completa de determinado volume de combustível. Dessa forma, observou-se que a densidade energética unitária dos pellets in natura foi estatisticamente inferior aos pellets torrificados a 220 °C e superior ao encontrado para pellets torrificados a 250 ºC. Esse resultado demonstra que, possivelmente, a torrefação a 220 ºC foi adequada, contribuindo para maximizar a quantidade de energia por unidade de volume de cada pellet.
Foi observado densidade aparente unitária de 1.250 kg m-3 e 1.350 kg m-3 para pellets produzidos com partículas de bambu e casca de arroz, respectivamente, valores superiores ao encontrado neste estudo. Estas diferenças podem ser atribuídas às distintas densidades de cada material e, consequentemente, pela resistência à compressão durante o processo de peletização.
Dessa forma, a densidade pode ser considerada o principal índice de qualidade para o uso energético dos combustíveis de biomassa, pois influencia diretamente a densidade energética. Ainda nesse aspecto, é desejável obter maiores valores de densidade a granel, pois fatores como os custos com transporte e a densidade energética são essenciais na viabilidade econômica do uso da energia da biomassa, pois permite transportar maior quantidade de energia por unidade de volume.
Observa-se que pellets torrificados apresentaram menores valores de densidade a granel. Por outro lado, os pellets in natura se destacaram com os maiores valores, o que resultou em elevada densidade energética a granel, ou seja, maior quantidade de energia por unidade de volume considerado, quando comparado aos pellets tratados termicamente. Com o processo de torrefação, ocorre a perda de massa e redução no volume dos pellets, contudo, observou-se que a perda de massa foi mais significativa do que a redução de volume dos pellets torrificados, acarretando a redução da densidade a granel dos pellets torrificados (Figura 2).
Figura 2 - Densidade a granel e densidade energética do granel dos pellets. Médias seguidas de mesma letra não diferem entre si pelo teste de Scott – Knott a 5% de significância. Coeficiente de variação experimental para as densidades a granel e energética: 1,07% e 1,25%, respectivamente.
Dentre os combustíveis granulados, os pellets in natura apresentaram maior valor para densidade energética do granel (3,07 Gcal m-3), resultado atribuído à sua alta densidade a granel e ao elevado poder calorífico obtido (Tabela 1). Estudando pellets com 6 mm de diâmetro de partículas de casca de arroz, foram encontradas densidade do granel de 640 kg m-3, corroborando com os resultados encontrados neste trabalho para os pellets in natura. Os mesmos autores observaram densidade do granel para pellets de bambu de 540 kg m-3. Isso demonstra a importância da biomassa lignocelulósica e da máquina utilizada no processo de compactação, pois são fatores decisivos na qualidade e desempenho energético dos biocombustíveis produzidos.
Observou-se que com o aumento da temperatura de torrefação houve uma redução da densidade a granel dos pellets. Acredita-se que essa redução ocorreu devido à degradação térmica das hemiceluloses, uma vez que estas moléculas são instáveis termicamente e se degradam a temperaturas entre 220-315 ºC (Prins et al., 2006; Yang et al., 2007), o que refletiu diretamente na redução da densidade energética do granel. Além disso, o aumento do valor calórico foi inferior ao decréscimo da densidade do granel, o que contribuiu com a redução da densidade energética. Por isso, recomenda-se a redução da temperatura de torrefação, visando melhorar essa propriedade energética, bem como alteração do sistema empregado no tratamento térmico.
Em estudos sobre efeito do tratamento térmico de pellets de madeira observaram decréscimo de 40% da densidade a granel após torrefação dos pellets, reduzindo de 630 kg m-3 para 380 kg m-3.
Segundo a norma alemã DIN 51731 e a norma sueca SS 18 71 20 os pellets devem apresentar densidade a granel superior a 600 kg m-3 para que possam ser comercializados nos referidos países, independente da classe para a primeira normativa e como classe 1 para a segunda. Logo, apenas os pellets in natura atenderam essa exigência internacional e poderiam ser exportados para a Alemanha e Suécia.
Devido à ausência de normativas de comercialização de pellets no Brasil, torna-se necessário a adequação dos combustíveis sólidos produzidos, conforme exigências dos países consumidores. Cabe ressaltar que os países europeus são os maiores produtores e consumidores mundiais desses combustíveis sólidos granulados e que as demais propriedades dos pellets também devem ser levadas em consideração, como o poder calorífico, umidade e cinzas.
Considerando que um caminhão bitrem basculante, usualmente empregado no transporte de combustíveis de materiais lignocelulósicos, com capacidade para 40 m³ e a quantidade de energia possível de ser liberada após a combustão completa de cada tipo de biomassa, pode-se calcular a quantidade de energia transportada e o número de viagens a serem realizadas para transportar a mesma quantidade de energia quando comparamos diferentes tipos de biomassa com os pellets in natura deste estudo (Tabela 2).
Pode-se observar que, quanto menor a densidade a granel da biomassa, maior será a quantidade de viagens a serem realizadas para que corresponda à mesma energia transportada em um percurso do caminhão bitrem carregado com os pellets, sendo necessário realizar até 3,0 vezes mais viagens quando se considera o transporte de serragem de Pinus sp., por exemplo.
A densificação de resíduos agrícolas e florestais implica na concentração de energia, transformando materiais com baixa densidade energética em combustíveis densos com elevada quantidade de energia em um menor volume, contribuindo para a eficiência do transporte e do uso desses materiais residuais como fonte de energia calorífica.
O resultado obtido para análise química imediata evidencia que os pellets in natura e torrificados a 220 ºC apresentaram, estatisticamente, o mesmo valor para teor de cinzas e inferior aos pellets torrificados a 250 ºC (Tabela 3). Esse parâmetro pode ser decisivo e limitante para a comercialização desses biocombustíveis sólidos, pois os óxidos minerais diminuem o valor calórico e aumenta a corrosão dos equipamentos destinados à conversão energética.
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Segundo a norma alemã DIN 51731 (Deutsches Institut Für Normung, 1996), independente da classe, os pellets devem apresentar no máximo 1,5% de cinzas na sua constituição química. A norma austríaca ÖNORM M 7135 (Österreichisches Normungsinstitut, 2000) também é rigorosa quanto ao teor de cinzas dos pellets produzidos com madeira, e estabelece o valor máximo de 0,5%, e a norma sueca SS 18 71 20 (Swedish Standards Institute, 1999) define, para os pellets do grupo 1, o valor máximo de 0,7% de cinzas. Dessa forma, todos os combustíveis compactados atenderam a essas normativas internacionais quanto a esse requisito.
O valor médio de cinzas, na base seca, relatado por Protásio et al. (2013) para a madeira residual de Pinus foi de apenas 0,4%, ou seja, semelhante ao encontrado para os pellets in natura e torrificados.
Pode-se afirmar que os pellets in natura apresentam menor temperatura de ignição, pois a maior quantidade e a emissão rápida de materiais voláteis são fatores que contribuem decisivamente para acelerar a ignição do combustível a uma temperatura inferior (Moon et al., 2013). Enquanto, os combustíveis com maiores teores de carbono fixo tendem a queimar mais lentamente, apresentam maior estabilidade térmica e temperatura de ignição superior.
Observa-se, ainda, uma tendência de diminuição do teor de materiais voláteis e aumento do teor de carbono fixo com o acréscimo da temperatura de torrefação, corroborando com o trabalho de Protásio para briquetes de casca de café.
Os
pellets in natura analisados adequam-se às normativas europeias de comercialização, apresentando potencial para exportação aos principais consumidores de pellets, por exemplo, Alemanha, Áustria e Suécia.
A torrefação a 220 °C e 250 ºC, em um forno mufla, favoreceu o aumento do poder calorífico superior e redução da umidade dos pellets. Porém, a metodologia adotada não é indicada para o tratamento térmico de pellets, devido à redução da densidade energética deste biocombustível sólido granulado.
Recomendam-se novas pesquisas sobre torrefação de pellets com Pinus sp. e demais biomassas lignocelulósicas em faixas mais amplas de temperatura e tempo de residência, visando determinar parâmetros que otimizem a densidade energética dos biocombustíveis sólidos granulados.
Autores
Thiago de Paula Protásio, Humberto Fauller de Siqueira, Carlos Rogério Andrade, José Benedito Guimarães Junior; Universidade Federal de Goiás, Regional Jataí; Isabel Cristina Nogueira Alves de Melo, e Paulo Fernando Trugilho, Universidade Federal de Lavras.