Embora sejam inúmeras as vantagens e as opções de utilização, a madeira apresenta algumas desvantagens, como degradação por radiação e produtos químicos, além da biodegradação. O fogo, calor, umidade, poluição, efeitos climáticos, presença de substâncias muito ácidas ou muito básicas, atrito com outros materiais e os agentes biológicos podem degradar a madeira. Os agentes biológicos, sem dúvida, são considerados os de maior importância. No ambiente terrestre, os fungos, as bactérias e os insetos são os principais agentes biológicos que destroem a madeira; no ambiente marinho, destacam-se os moluscos e os crustáceos.
Para impedir ou atenuar a deterioração da madeira, citam-se, basicamente, três medidas a serem tomadas:
- Utilizar madeiras de elevada resistência natural aos agentes biológicos, físicos e químicos.
- Introduzir alterações químicas permanentes na estrutura dos componentes da madeira.
- Incorporar substâncias à madeira que lhe confiram maior resistência, como preservativos, ignífugos e acabamentos superficiais;
Sem dúvida, a terceira medida é a mais utilizada em todo o mundo pelas facilidades, tecnologias disponíveis e pelos resultados obtidos. O tempo de vida útil da madeira tratada dependerá fundamentalmente da interação entre as características da própria madeira e das condições locais onde a madeira será utilizada. Quando se fala em preservação da madeira entram em cena três elementos importantes, que devem estar perfeitamente sintonizados: as propriedades da madeira, a natureza do produto utilizado e o método de aplicação utilizado. Preservar a madeira é, portanto, assegurar que ela tenha resistência que ela não teria naturalmente, tornando-a tão duradoura quanto possível.
Jamais um produto químico conseguirá reunir todas as propriedades desejáveis para um bom preservante de madeira. Os preservantes hidrossolúveis são os mais utilizados e constituídos de sais metálicos e incluem na sua formulação várias substâncias químicas, como arsênio, cromo, cobre, boro, zinco e flúor. Em geral, os sais contêm mais de uma substância química na sua formulação, com várias finalidades:
- Melhor fixação do produto, por reagirem quimicamente com os componentes da madeira.
- Redução dos efeitos corrosivos sobre metais.
- Proteção da madeira contra um maior número de agentes xilófagos.
Tratamento Industrial da Madeira
Os processos industriais de tratamento da madeira apresentam algumas vantagens em relação aos processos caseiros ou feitos à pressão atmosférica: maior produção e uniformidade, maior facilidade no controle de qualidade, maior segurança, maior retorno de capital, maior controle ambiental, maior rigor no cumprimento da legislação, maior controle fiscal, maior geração de impostos e divisas etc. Em compensação, os processos industriais requerem maiores investimentos, maior formação profissional dos administradores e funcionários, maior área operacional, maior quantidade de madeira disponível, maior conhecimento de mercado, com pontos de distribuição e profissionais de venda etc.
Atualmente, a usina tem incorporado em seu projeto novos melhoramentos advindos da engenharia mecânica, eletrônica e química, que facilitam a operação e que são, cada vez mais, disponíveis no mercado, a preços acessíveis. Além da usina em si, o arranjo e o grau de mecanização do pátio de secagem e estocagem tem uma influência considerável no sucesso do empreendimento, além dos aspectos de logística, que envolvem a colheita, o processamento e o transporte da madeira, desde as áreas de produção até o pátio. Custos, eficiência e controle de estoque devem ser compatibilizados e são elementos que um administrador não pode perder de vista.
Grande parte das atividades realizadas numa usina de preservação é executada nos pátios; sua organização e disposição deverão apresentar um fluxo contínuo, sm cruzamento de atividades, garantindo eficiência, ganho de tempo, economia, produtividade e segurança. O arranjo físico da área industrial prevê espaços para a área administrativa, área operacional (armazenamento, tratamento, expedição), área de circulação e área social.
Os produtos utilizados exigem cuidados na preparação, dosagem e controle de vazamentos. As usinas mais modernas têm maior controle de qualidade e redobram os cuidados em relação à proteção do meio ambiente; no entanto, é importante salientar a necessidade de rigoroso controle na integridade e no destino final das embalagens, na destinação final dos resíduos e observância na deposição de respingos de solução remanescente das peças tratadas, que podem contaminar o solo e os cursos d’água.
CCA em Questão
Arseniato de cobre cromatado – CCA - O arseniato de cobre cromatado (CCA), também conhecido como Celcure, é o preservativo hidrossolúvel mais utilizado em todo o mundo, com uma tradição de uso que remonta há mais de setenta anos. Quando aplicado à madeira, em tratamento sob pressão, o cromo provoca a precipitação de grande quantidade de cobre e arsênio e reage com a madeira, tornando os produtos praticamente insolúveis. A reação de fixação desencadeada pelo cromo deixa o arsênio, como agente inseticida, e o cobre, como agente fungicida, totalmente aderidos às estruturas celulares.
O CCA é largamente utilizado no tratamento de madeiras que permanecem em contato com o solo e é muito eficiente na proteção de madeiras contra insetos (cupins e brocas), fungos apodrecedores e perfuradores marinhos. As madeiras a serem preservadas deverão ser previamente descascadas e secas, já dimensionadas e preparadas para seu uso final. Após o tratamento preservativo, as peças devem ser armazenadas por duas a três semanas, para a fixação dos ingredientes ativos.
O produto mantém inalterada a condutividade elétrica da madeira, fator de grande importância para postes e redes de energia elétrica, bem como dormentes para ferrovia; não altera a combustibilidade da madeira, como não aumenta a corrosividade a metais utilizados em contato; não deixa resíduos em sua superfície, não exala vapores e odores, bem como os acabamentos de superfície apresentam uma durabilidade comprovadamente maior que os aplicados sem tratamento.
Dentre todos os processos e produtos utilizados até o momento, considera-se como mais efetivo o tratamento da madeira com a impregnação com ciclos de vácuo e pressão, utilizando o sal preservante CCA. A madeira preservada com pressão com CCA é uma opção ecologicamente responsável para elementos de construção; quando processada corretamente e utilizada de acordo com as recomendações técnicas, as peças tratadas são limpas, inodoras e seguras para serem utilizadas numa ampla variedade de aplicações.
Por apresentar arsênio e cromo na sua composição, o uso dos sais CCA tem gerado questionamentos e dúvidas, por acarretarem certos perigos para o meio ambiente. Esta preocupação é procedente e está relacionada à conhecida toxicidade que possuem. O cromo é metal pesado e o arsênio é perigoso em todos os sentidos. O CCA é classificado como extremamente tóxico (classe I). O foco da discussão está na possível dispersão do arsênio para o ambiente pela madeira, antes da completa fixação dos ingredientes ativos, pela inevitável emissão em serviço e, mais recentemente, pela disposição dos resíduos. A imprensa americana tem levantado contínuos questionamentos sobre o uso dos sais de CCA na madeira tratada, principalmente devido à presença do arsênio. Manifestações públicas e regulamentações têm restringido o uso de CCA em vários países como Japão, Indonésia, Suécia, Dinamarca e Alemanha.
Nos Estados Unidos, a Environmental Protection Agency – EPA - anunciou, em 2003, uma decisão voluntária das indústrias para cessar a produção de madeira tratada com CCA em uso residencial, ou seja, para playgrounds, decks e cercas de casas; não surgiram, entretanto, limitações de uso do produto para as utilidades rurais e industriais, como postes, mourões e dormentes. A EPA concluiu, ainda, que as madeiras tratadas com CCA, em uso nas residências ou estocadas em lojas, não representam riscos para o público, não sendo necessária a remoção e substituição desta madeira, inclusive para decks e playgrounds.
Na União Européia, países de vanguarda ambiental, como Suécia e Dinamarca, já proibiram o uso do arsênio e restringiram, a partir de 2004, o uso de madeira tratada com preservantes baseados em cromo e cobre, em algumas aplicações especiais, como uso doméstico; o cromo e o cobre não sofreram restrições para uso industrial e comercial. A EPA considera a madeira tratada com CCA como segura quando utilizada para os propósitos determinados.
Sem dúvida, as pesquisas têm demonstrado que ambas as substâncias químicas (cobre e arsênio) estão fortemente ligadas à madeira por efeito do cromo, que atua como elemento fixador, minimizando o perigo de contaminação ambiental em condições normais de utilização da madeira tratada; em ambientes marinhos, não foi constatada nenhuma condição de lixiviação ou qualquer alteração do ambiente aquático.
O debate entre os pesquisadores e alguns ambientalistas, que pressionam para eliminar o preservante CCA do mercado, pelos seus efeitos ao ambiente e à saúde humana, se baseia em evidências científicas de alguns e, principalmente, nas especulações de outros. Esta preocupação é compreensível quando se considera que a madeira tratada vai estar em contato físico com os seres humanos, como é o caso da madeira utilizada em instalações de pátios, coberturas, comedouros de animais, ambientes internos de residências e play-grounds. Como são as crianças que tocam as superfícies e levam freqüentemente as mãos à boca, considera-se que as crianças estejam mais sujeitas ao perigo.
Apesar de a considerável publicidade difundida sobre o risco que a madeira tratada com CCA poderia apresentar, a comunidade médica americana, até o momento não encontrou qualquer relação direta entre a exposição ocasional ao CCA e alguma enfermidade. Foram realizados vários estudos tentando-se correlacionar a incidência de câncer na espécie humana e o contato com a madeira tratada e não se encontrou qualquer evidência. Ainda que o arsênio seja venenoso em doses altas e muito concentradas, as quantidades presentes na madeira tratada com CCA são mil vezes menores que a dose mortal; para que uma pessoa sofra dos efeitos dos compostos presentes na madeira tratada teria que ingerir diariamente mais de uma colherada de madeira tratada com sais CCA e os efeitos seriam verificados somente a partir de uns trinta anos (veja http://www.ccaconference.org). Os outros dois elementos presentes no CCA, cobre e cromo, são relativamente menos tóxicos aos seres humanos.
o Brasil, não se conhecem restrições para o uso da madeira tratada com os sais CCA, semelhantes às encontrados nos Estados Unidos e na União Européia.
É conveniente salientar que a madeira preservada não solta produtos ou vapores tóxicos se for lavada ou aquecida, mas pode se tornar tóxica quando, inadvertidamente, for consumida por via direta ou indireta. Algumas recomendações são importantes:
- Não usar madeira tratada em nenhuma circunstância onde partículas de madeira possam tornar-se componentes da comida ou ração animal, como tábuas de cortar carne, talheres de madeira, palitos, cochos para animais, tonéis, revestimento interno de solos.
- Não queimar a madeira tratada em churrasqueiras, lareiras, fornos de comida ou aquecedores residenciais. Quando queimada, a madeira tratada pode desprender produtos tóxicos na fumaça e nas cinzas. Nunca deixar que os tocos ou restos de madeira tratada sejam aproveitados naquele churrasquinho de final de semana ou de final de obra.
- Madeira tratada pode ser utilizada em ambientes internos de residências desde que toda a serragem e fiapos de madeira sejam limpos após o acabamento da peça.
- Evitar inalação freqüente ou prolongada de poeira de madeira tratada. Usar máscaras quando lixar ou serrar as peças de madeira.
- Após o trabalho com madeira tratada, sempre lavar bem as mãos e o rosto quando comer, beber ou fumar.
Madeira Preservada no Brasil
Na América Latina, os países que mais utilizam a madeira tratada são o Brasil e Chile; destaca-se o Brasil como o maior consumidor de madeira tratada, com quase 700 mil metros cúbicos, dos quais a grande maioria é tratada com sais CCA.
Segundo estimativas, existiam mais de duzentas usinas de preservação funcionando no Brasil, em 2005. A produção anual de madeira tratada no Brasil foi de cerca de 685 mil metros cúbicos, sendo que 62 % para a produção de moirões, 30 % para postes, 5 % para dormentes e, apenas, 3 % para a construção civil. Tais valores são muito pequenos quando comparados com os Estados Unidos que estimam sua produção anual em 15 milhões de metros cúbicos, concentrando mais de 70% da produção na construção civil. No Brasil, o setor de construção civil ainda não se despertou pra esta importante matéria-prima, afetado pela falta de cultura na utilização deste material e pela ausência de normas técnicas.
Num levantamento realizado recentemente sobre o setor de preservação de madeiras no Brasil, verificaram-se algumas tendências:
- As regiões Sul e, principalmente, a Sudeste são as que mais produzem madeira tratada (90,4%). O eucalipto foi a espécie mais utilizada no tratamento de madeiras (93,5%), seguido do pinus (6,5 %). O volume de madeira tratada mostrou que os moirões representavam 62 % , seguidos dos postes com 30 %; dormentes, com 5% e peças serradas com 3 %.
- Nas usinas de preservação, o arseniato de cobre cromatado (CCA) representou 80 % do volume utilizado; o CCB (preservativo a base de cobre cromo e boro), o lindane e o tribromofenato de sódio, representaram apenas 15,0%; o óleo creosoto, 5,0 % . O método de tratamento mais utilizado foi o sob pressão em autoclave (84 %); o restante da madeira foi tratada por imersão (pré-tratamento de madeiras recém-serradas) e por adição na cola (fabricação de painéis de madeira).
- No caso de painéis de madeira, o tratamento realizado é a adição de inseticida na cola (resina), sendo utilizados os produtos preservantes, lindane, cipermetrina, deltametrina e ciflutrin. Estima-se que 25% do volume total de painéis compensados produzidos recebam este tipo de tratamento.
Os produtos preservativos CCB (cromo, cobre e boro) e óleo creosoto também são classificados como extremamente tóxicos (classe I). Não existem muitas informações sobre o CCB em relação aos aspectos ambientais e à disposição de resíduos na madeira tratada. No caso do óleo creosoto, de modo geral, não é recomendado o seu uso em residências, peças para recreação e usos urbanos, mas é permitido para usos industriais, como dormentes e postes.
De modo geral, a indústria de preservação é considerada consciente sobre os aspectos de segurança e higiene dos trabalhadores e usuários, além dos riscos ambientais de seus processos produtivos, considerados mínimos por se tratarem de processos fechados. Observam-se, no entanto, um rigor excessivo e uma severidade da legislação observada na maioria dos países, além de pressões ambientais impostas à indústria de madeira preservada. Tais fatores acarretam uma elevação dos custos, ameaçando a competitividade do setor com produtos alternativos, como ferro, cimento, plástico, embora estes sejam muito mais restritivos dos pontos de vista estratégico e ambiental.
A tendência mundial em preservantes de madeira é a incessante busca de produtos que sejam eficientes na proteção da madeira, mas cuja emissão de elementos tóxicos para o meio ambiente seja minimizada. Atualmente, as pesquisas têm procurado sucedâneos e alternativos para o arsênio e o cromo.
Em síntese, podem ser citados os produtos difusíveis (boratos), os compostos à base de cobre, como quaternários de amônio (ACQ), possível substituto do CCA, as isotiazolonas, os complexos amina-cobre, os produtos à base de outros metais (Zn, Al e Zr) e sistemas livres de metais, como emulsões de piretróides e isotiazolonas. No Brasil, observa-se, como tendência, o uso de piretróides (cipermetrina, deltametrina e permetrina) e de triazol. Estão na fase de desenvolvimento e registro, os produtos difusíveis (boro e flúor), o ACQ e outras moléculas inseticidas, como pirazol e nicotinóide.
Vale ressaltar que, atualmente, não consta o princípio ativo heptacloro na lista de produtos devidamente registrados no IBAMA para tratamento de madeiras. Esta postura está em sintonia com uma tendência mundial de redução do uso de produtos organoclorados.
Legislação E Normalização
A legislação atual pertinente à preservação de madeiras está em sintonia com as leis internacionais, destacando-se a Portaria Interministerial nº 292 de 28/04/89 e a Instrução Normativa nº 5 de 20/10/92. A Portaria em questão exige que as firmas fornecedoras de produtos preservantes e as usinas de preservação de madeira sejam registradas no Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e de Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, além de regulamentar toda a produção de preservantes e a madeira preservada, evitando-se os possíveis riscos ao meio ambiente e à saúde das pessoas. O IBAMA é o órgão controlador e fiscalizador pelo cumprimento da Portaria e das atividades das indústrias e usinas.
Em 2002, o IBAMA e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA, no uso das suas atribuições, criaram uma Instrução Normativa Conjunta que se destina a disciplinar as atividades que envolvam produtos químicos preservativos de madeira, bem como a sua importação, produção, comercialização, utilização e destinação final de suas embalagens – uma nova sistemática integrada para disciplinar os procedimentos a serem observados quando do cumprimento do estabelecido na Portaria Interministerial nº 292, de 20 de outubro de 1989. Esta nova Instrução Normativa deverá ainda ser implementada, envolvendo a participação da Associação Brasileira de Preservação de Madeira (ABPM) na leitura crítica e apresentação de sugestões para melhoria do setor. Vale ressaltar a obrigatoriedade de todas as empresas estatais, para-estatais ou privadas a utilizar peças ou estruturas de madeira preservadas quando usadas em contato direto com o solo ou sob condições que contribuam para a diminuição de sua vida útil.
No Brasil, as normas disponíveis sobre o assunto não contemplam o uso da madeira preservada na construção civil. As únicas normas do setor referem-se apenas à produção de postes de eucalipto preservado, moirões de eucalipto preservado, dormentes ferroviários e carretéis de madeira para fios e cordoalhas. Nos Estados Unidos, existem 46 normas envolvendo produtos preservantes, componentes de madeira e seus derivados para diferentes empregos na construção de edificações, além de procedimentos de inspeção e métodos de ensaio.
Prof. José de Castro Silva
Departamento de Engenharia Florestal
Universidade Federal de Viçosa - Minas Gerais
E.mail: jcastro@ufv.br. |