Desde o estabelecimento da Convenção-Quadro sobre Mudanças Climáticas pela Organização das Nações Unidas – ONU, em 1992, os países signatários buscam formas viáveis de estabilizar as concentrações de gases causadores de efeitos estufa (GEE) na atmosfera. As ações propostas têm como propósito atender ao objetivo maior da Convenção, de evitar que a quantidade de GEE lançadas pelo homem na atmosfera não cause alterações danosas ao clima do planeta.
Com esse propósito, em dezembro de 1997, na Terceira Conferência das Partes (encontro anual dos países membros da Convenção do Clima), realizada em Quioto, Japão, foi estabelecido um protocolo o qual determina, em seu artigo terceiro, metas de redução nos níveis de emissões antrópicas de gases causadores de efeito estufa dos países desenvolvidos (partes listadas pelo Anexo I do Protocolo de Quioto).
Como forma de facilitar o cumprimento das metas estabelecidas de modo a evitar impactos econômicos negativos decorrentes da redução direta de emissões nesses países, o Protocolo de Quioto estabeleceu três mecanismos de flexibilização que podem ser considerados na contabilidade de emissões de cada país, são eles: o Comércio de Emissões, a Implementação Conjunta e o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo – MDL.
Entre tais mecanismos destaca-se o MDL, o qual tem como objetivo assistir os países desenvolvidos para que atendam seus compromissos quantificados de limitação e redução de emissões, de acordo com a meta estipulada e assistir os países em desenvolvimento (partes não incluídas no Anexo I do Protocolo) na busca do desenvolvimento sustentável.
O princípio de funcionamento do MDL consiste em permitir que países desenvolvidos invistam em projetos de redução de emissões ou fixação do dióxido de carbono atmosférico (principal gás causador de efeito estufa) implementados em países em desenvolvimento. Esses projetos geram créditos de redução de emissão de gases de efeitos estufa, os quais poderão ser utilizadas no cumprimento de parte dos compromissos de redução de emissões do países desenvolvidos, desde que sejam devidamente certificados por uma entidade operacional independente.
O Brasil, pela sua irrefutável vocação florestal, possui potencial para implementação de projetos de MDL florestal, os quais se propõem a reduzir a concentração global de dióxido de carbono pelo plantio de árvores que, durante seu crescimento, irão fixar CO2 pelo processo de fotossíntese ("seqüestro de carbono"). O ciclo dos projetos de MDL florestal (20 anos, com possibilidade de duas renovações) é especialmente compatível com culturas florestais de ciclo superior a 20 anos, como é o caso dos plantios de pinus destinados à fabricação de produtos sólidos de madeira, implantados nas regiões sul e sudeste do país.
Embora o real potencial desses projetos tenha sido objeto de especulação exacerbada pela mídia, a evolução histórica do arcabouço institucional do MDL e o estabelecimento das regras para projetos florestais limitou em muito a participação das empresas do setor nesse mercado. Hoje, os chamados projetos de “seqüestro de carbono” são reservados a algumas situações e áreas em especial.
O início das ações voltadas ao mercado de créditos de carbono, ainda na década de 90, foi marcado pelos projetos de “seqüestro de carbono”, com iniciativas voltadas à conservação de florestas tropicais na América do Sul.
Embora esses projetos tenham se destacado na comunidade ambientalista internacional por seu caráter pioneiro e inovador, chegando em alguns casos, a atrair potenciais investidores, as regras estabelecidas no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas para Mudança do Clima, excluíram a possibilidade de participação das atividades de conservação e manejo de florestas dentro do MDL para o primeiro período de compromisso do Protocolo de Quioto (2008-2012). O resultado dessa determinação fez com que alguns países da América Latina vissem seu potencial para implantação de projetos de MDL, tido em alguns casos como uma das principais fontes futuras de geração de receita em nível nacional, despencar a níveis irrisórios.
A dificuldade de formatação dos projetos florestais às regras determinadas pelo MDL levou a um atraso significativo no desenvolvimento desse tipo de projeto em comparação aos projetos relacionados à redução de emissões de GEE. Além da exclusão das atividades de conservação e manejo florestal, os demais requisitos exigidos e a dificuldade no estabelecimento de metodologias aplicáveis reduziu significativamente o potencial dos projetos de MDL florestal no Brasil.
Desse modo, após a entrada do Protocolo de Quioto em vigor, ocorrida no dia 16 de fevereiro de 2005, observou-se no mercado uma demanda preferencial por projetos de redução de emissões de GEE em detrimento dos projetos de “seqüestro de carbono”. Conseqüentemente, os primeiros projetos de MDL florestal formatados em conformidade à nova regulamentação foram submetidos à validação e registro apenas a partir do ano de 2006.
REQUISITOS
Elegibilidade das florestas comerciais e de proteção
Entre os principais requisitos exigidos para os projetos de MDL florestal, destacam-se inicialmente as definições do Acordo de Marraqueche (Sétima Conferência das Partes) que determina como elegíveis para projetos relacionados à fixação e remoção de CO2, no âmbito do Art. 12 do Protocolo de Quioto, durante seu primeiro período de compromisso (2008 – 2012), atividades de florestamento e reflorestamento, tais quais:
- Recomposição de florestas em áreas protegidas;
- Novos plantios de florestais comerciais;
- Reabilitação de áreas degradadas através do plantio ou regeneração natural monitorada de espécies florestais.
Destacam-se ainda as definições de floresta, florestamento e reflorestamento oriundas do Acordo de Marraqueche e referendados pela COP/MOP 01 (primeira Conferência das Partes realizada após a entrada do Protocolo de Quioto em vigor) e da Resolução No 2, de 10 de agosto de 2005 da Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima (Autoridade Nacional Designada do Brasil, instituição governamental oficial para regulamentação e aprovação dos projetos de MDL, em âmbito nacional). Os aspectos mais importantes dessas definições são os seguintes:
- Reflorestamento: elegível para projetos desenvolvidos em terras originalmente cobertas por florestas, mas que não continham florestas a partir de 31 de dezembro de 1989 até os dias atuais;
- Florestamento: caracterizado pelo plantio de florestas em áreas que não possuem esse tipo de cobertura vegetal há, pelo menos, 50 anos;
- Floresta: áreas com valor mínimo de cobertura de copa de 30 (trinta) por cento, estabelecidas em uma área mínima de 1 (um) hectare, com árvores com altura mínima de 05 (cinco) metros. Para que sejam elegíveis as áreas de projeto não podem ser classificadas como florestas. Dada a grande diversidade nacional de biomas a definição estabelecida de floresta pode levar determinadas áreas pobres em cobertura vegetal a serem consideradas como tal, tornando-se inelegíveis como áreas para implantação de projetos de MDL. Por outro lado, essa definição pode levar determinadas culturas perenes, potenciais candidatas a projetos de MDL pelas atividades de reflorestamento/florestamento, a não serem classificadas como “florestas implantadas”, impossibilitando seu registro como projeto de MDL.
Portanto, conclui-se que são elegíveis para projetos de MDL, plantios florestais (sejam eles de proteção ou produção) em áreas sem cobertura florestal (nativa ou plantada) a partir de 31 de dezembro de 1989, o que exclui definitivamente as áreas de plantio comercial existentes e restringe a elegibilidade de projetos de MDL em florestas nativas de proteção a áreas degradadas sem vegetação arbórea.
Adicionalidade em projetos florestais comerciais
A adicionalidade é o principal requisito para os projetos de MDL em geral, representa o próprio conceito de funcionamento do mecanismo. Para os projetos de MDL florestal, a adicionalidade é representada pela comparação entre a concentração atmosférica de CO2 na linha de base e a concentração de CO2 no cenário do projeto (carbono atmosférico fixado pelas árvores em crescimento). A diferença entre as duas situações representa a adicionalidade do projeto, conforme ilustra a Figura 01.
Por ser o principal requisito do MDL, a adicionalidade dos projetos florestais de MDL deve ser objeto de uma demonstração detalhada, onde será provado que a atividade proposta não representa o cenário observado na ausência do projeto, ou seja, o cenário que iria ocorrer invariavelmente, com ou sem projeto de MDL. Esse cenário, chamado de “business as usual”, onde a atividade proposta para capturar e fixar o CO2 atmosférico é a própria linha de base, não atende ao requisito da adicionalidade e desqualifica o projeto para o MDL.
Os plantios comerciais de empresas do setor florestal representam a prática comum do setor, ao passo em que são necessários ao atendimento da demanda por matéria-prima das indústrias às quais estas são vinculados ou representam a fonte de receita que viabiliza todo empreendimento florestal. Em princípio, esses plantios não são qualificáveis para o MDL pois não possuem a adicionalidade. Esse aspecto limita significativamente a possibilidade de desenvolvimento dos projetos de MDL em florestas comerciais, constatação esta confirmada pela inexistência de projetos de MDL nesse moldes registrados junto ao Comitê Executivo, órgão responsável pelo registro e controle dos projetos, até o momento.
Porém, através de uma análise detalhada das variáveis que determinam a adicionalidade dos projetos florestais, podem surgir possibilidades pelas quais é possível demonstrar o atendimento a esse requisito e comprovar a viabilidade técnica do projeto de MDL.
Dada a dificuldade de demonstração da adicionalidade de projetos de MDL florestal em empreendimentos do setor, a viabilização técnica dos mesmos concentra-se na hipótese de que a implementação de novos plantios não ocorra pela presença de determinadas barreiras. Essa barreiras evidenciam condições adversas que impedem a implementação do empreendimento florestal sem a injeção de recursos externos de um mecanismo tal qual o MDL. Entre as principais barreiras que podem ser eventualmente vencidas com o aporte financeiro adicional ou com a a visibilidade institucional do MDL, destacam-se:
Condições de sítio: sítios pobres, que resultem na diminuição da produtividade de madeira afetarão a receita e, consequentemente, a viabilidade econômica do empreendimento florestal. Neste caso, a receita adicional oriunda do MDL, somada à receita tradicional do empreendimento poderá torná-lo viável;
Condições logísticas: dificuldade de acesso às áreas de plantio, infra-estrutura precária, falta de mão de obra local, isolamento dos grandes centros produtores, são barreiras determinantes à viabilidade do empreendimento florestal que poderão ser vencidas pelo registro do projeto como MDL;
Pressão da sociedade: a posição de determinados grupos, sejam eles comunidades tradicionais ou movimentos sociais, contrários ao plantio de florestas em larga escala, poderá ser alterada pela comprovada contribuição dos projetos de MDL ao desenvolvimento sustentável regional;
Barreiras institucionais: determinações políticas internas que impeçam a implementação dos plantios florestais podem ser alteradas pelos benefícios oriundos do MDL.
Portanto, o potencial real de participação das empresas do setor florestal nacional no mercado de créditos de carbono do MDL deve ser criteriosamente avaliado tendo em vista a identificação de situações, áreas ou projetos específicos onde a adicionalidade possa ser demonstrada pela existência das listadas acima.
Conclui-se que as perspectivas reais para o desenvolvimento de projetos de MDL florestal são limitadas face à rigidez das regras estabelecidas e à insegurança do mercado quanto à opção por esse tipo de projeto. Porém, as empresas do setor florestal, sobretudo aquelas detentoras de extensas áreas de plantio de culturas de longa rotação, como o pinus, devem avaliar seu potencial para desenvolvimento de projetos de MDL, tendo em mente que a hipótese de que a demanda por créditos de carbono se volte aos projetos florestais e que, em consequência, a receita do MDL possa viabilizar a ampliação das bases do empreendimento florestal par áreas onde sua implantação é atualmente inviável.
Marcelo Schmid
Consultor da STCP Engenharia de Projetos Ltda. |