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REVISTA DA MADEIRA - EDIÇÃO N°96 - MAIO DE 2006

América Latina

A força do Mercosul

O Mercosul oferecia ao país, no início dos anos 90, a possibilidade de fortalecer sua capacidade de influência no cenário internacional. Independentemente de outras motivações, o fato é que o Brasil julgou, na época, que fazendo parte de um bloco sua voz poderia ser mais influente do que se mantendo como país isolado.

Mais de dez anos depois da assinatura do acordo entre Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, uma série de interrogações se abrem para o País na hora de fazer um balanço do Mercosul, bem como da posição brasileira no contexto das negociações com a União Européia e na Alca. Em um certo sentido, a estratégia geral da diplomacia brasileira foi relativamente exitosa ao longo dos últimos anos.

O Brasil deveria ser o líder natural desse processo de integração, pelo fato de ter quase 80% da população do Mercosul, mais de 70% da área geográfica do bloco e em torno de 2/3 do PIB da região. Em termos relativos, ele é muito mais importante do que o mais importante dos países que integram a União Européia, onde há uma certa divisão de forças entre os principais países do bloco –Alemanha, França, Inglaterra e Itália. O problema é que o Brasil é, ao mesmo tempo, o segundo país mais pobre do Mercosul em termos de renda per capita, só ultrapassando, neste quesito, o Paraguai.

Há, portanto, uma diferença crucial entre os processos de integração europeu e no Cone Sul. Na Europa, os países que atuaram como “locomotivas” do processo tinham uma renda per capita superior à média da região e montaram um complexo sistema de transferência de recursos no interior do bloco, o que explica a crescente integração e a redução da heterogeneidade inicial em termos de graus de desenvolvimento, resultando na aproximação dos países originalmente mais pobres ao standard dos países líderes. No Mercosul, no entanto, o uso de instrumentos semelhantes afigura-se totalmente improvável, pois o país que estaria fadado a desempenhar o papel de doador líquido de recursos tem uma renda per capita que não chega a ser de 2/3 da renda média dos outros sócios.

O Mercado Comum do Sul (Mercosul), formado pelo Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, foi instituído por meio do Tratado de Assunção em 1991. Desde então, pouco se avançou quanto à profundidade do efetivo processo de integração regional, que ainda está muito longe da União Aduaneira prevista para 1994, porém ampliou-se bastante a sua área de abrangência, com a entrada de vários membros-associados, como o Chile (1996), Bolívia (1997), Perú (2003) e Venezuela (2004), culminando em 2005 com o acordo entre Mercosul e o Pacto Andino que deflagra a proposta de criação da Comunidade Sul-Americana de Nações.

A formação dos blocos supranacionais, tais como a União Européia, o Mercosul e o Nafta e as propostas atuais de uma Área de Livre Comércio das Américas (Alca), unindo em um mesmo sistema de tarifas o território que se estende desde a Terra do Fogo até o Alasca, define novos espaços econômicos, através de instrumentos que vão desde a simples liberalização das trocas comerciais entre os membros do bloco, como é o caso do Nafta, a imposição de Tarifas Externas Comuns (TEC), a regulação dos mercados de trabalho, bens e capitais, até a definição de uma moeda comum, como o euro, que circula em boa parte do continente europeu.

Redes logísticas

Sobre os problemas que dificultam o processo de integração no nível macroeconômico, resultantes da disparidade de políticas monetárias e cambiais postas em prática pelos membros do grupo, a integração física das redes logísticas tende a avançar, em grande parte devido às próprias necessidades materiais das principais economias que conformam o Mercosul: Brasil e Argentina.

A rede ferroviária traz a marca da orientação das economias agrário-exportadoras para os principais portos, formando verdadeiras bacias urbanas, com especial destaque para o papel de Buenos Aires, no Pampa Úmido, e de São Paulo-Santos, no Planalto Paulista. Destaca-se o papel da Bolívia, como zona de convergência interior dos sistemas ferroviários comandados por esses dois grandes complexos territoriais agrário-exportadores.

A integração dos mercados nacionais nas duas grandes economias do Cone Sul foi feita através do padrão rodoviário, onde não apenas a indústria automobilística comanda o processo de industrialização, mas também se manifesta espacialmente na rápida expansão da malha rodoviária. Deve-se ressaltar a baixa densidade das redes nas regiões de fronteira dessas economias: a Amazônia e a Patagônia, onde fatores geográficos e históricos explicam a rarefação da população, que são, evidentemente, muito mais flagrantes na Amazônia brasileira.

A consolidação da indústria pesada é um fator crucial para a diferenciação das economias nacionais do Cone Sul, seja pelas dimensões que assume no Brasil, seja pelo caráter concentrado que apresenta na Argentina ..

As redes logísticas refletem em seu desenho tanto aspectos históricos, como também novas formas de articulação entre as economias nacionais. A compreensão dessa dimensão é fundamental para o estabelecimento de políticas territoriais, na medida em que os eventuais gargalos que hoje apresente algum dos sistemas logísticos, pode ter sido uma vantagem estratégica no passado.

Para compreender esse processo, foi feita uma análise das principais redes logísticas na escala regional e as conexões que se estabelecem entre as principais cidades do Cone Sul, selecionadas a partir dos seguintes critérios: 1. Possuir mais de 100 mil habitantes no aglomerado urbano; 2. Ser capital de estado (Brasil), província (Argentina) ou sede de região (Chile). A aplicação desses critérios resultou na seleção de 139 cidades, que formam o embrião do sistema urbano do Cone Sul.

A análise da conectividade do sistema de cidades em formação no Cone Sul pode contribuir para a compreensão da estrutura espacial em formação na escala supranacional, apontando seus lineamentos principais e subsidiando políticas territoriais no sentido da consolidação de um espaço de fluxos capaz de ampliar as dimensões do mercado doméstico do bloco econômico, contribuindo para contornar possíveis gargalos que se formem no processo de integração regional.

Em termos geoeconômicos, as conexões ferroviárias são aquelas que trazem a marca da hegemonia do capital mercantil. Apresentam baixa densidade no interior, são concentradas nas regiões produtoras de bens agropecuários e, geralmente, fortalecem as cidades portuárias. Mostram geoestratégias competitivas entre as duas potências regionais para a projeção de seus domínios sobre a Bacia do Prata.

A geoeconomia da industrialização substitutiva de importações marca o padrão de conectividade rodoviário, com destaque para a emergência de nós logísticos de apoio à ocupação econômica das zonas de fronteira, como é o caso de Neuquén na borda da Patagônia argentina ou Goiânia-Brasília no suporte logístico à ocupação da Amazônia. Do ponto de vista logístico, o padrão de conectividade da rede rodoviária mostra a orientação preferencial da política territorial do Brasil e da Argentina para o processo de integração nacional, decisivo na formação dos respectivos mercados internos para a indústria.

As ligações aeroviárias já mostram a inserção dos países do Cone Sul em uma economia globalizada, onde as conexões entre cidades já expressam fluxos financeiros e informacionais. As conexões das duas principais economias do Cone Sul mostram significativas diferenças, pois enquanto na Argentina é patente o papel dominante de Buenos Aires na conectividade por avião entre as cidades, no Brasil observa-se a emergência de Brasília como importante centro de conexão inter-regional.

Devido às características do passado agro-exportador e a industrialização substitutiva de importações que marcam a inserção dessas duas economias no mercado mundial, o padrão de conectividade das cidades do Cone Sul ainda não apresenta uma estrutura orientada para a integração continental. A análise da estrutura espacial do Cone Sul, no que diz respeito às redes logísticas e às conexões entre as principais cidades, aponta para a permanência de uma relativa autonomia dos sistemas logísticos regionais, tanto no que diz respeito aos transportes, como energia e telecomunicações, mostrando que o processo de integração regional das redes físicas ainda encontra-se em sua fase inicial, embora apresente aspectos irreversíveis, principalmente quanto aos sistemas de transportes e energia, cuja expansão depende cada vez mais de recursos que estão além das fronteiras nacionais, como demonstraram as recentes crises energéticas no Brasil e na Argentina.