O cultivo de florestas desenvolveu-se à medida que as matas naturais foram sendo consumidas em diferentes usos, ou simplesmente destruídas na busca de novas áreas agricultáveis. O maior incremento, todavia, foi gerado pela demanda de matéria-prima para as indústrias de base florestal ou por exigência - um pouco tardia, diga-se de passagem - da legislação protetiva em vários países.
No Brasil, o marco legislativo mais importante foi o Código Florestal (Lei n°4.771/65), mas cabe lembrar que, já em 1813, José Bonifácio de Andrade e Silva apresentou à Academia de Ciências de Lisboa valioso estudo sob o título Memórias Sobre a Necessidade do Plantio de Novos Bosques em Portugal, no qual enfatizava a necessidade de reflorestar e recomendava o cultivo intensivo de florestas.
Suas palavras, no seguinte excerto, são atuais para os dias de hoje: “Todos os que conhecem por estudo a grande influência dos bosques e arvoredos na Economia Geral da Natureza, sabem que os países, que perderam suas matas, estão quase de todo estéreis, e sem gente. Assim sucedeu à Síria, Fenícia, Palestina, Chipre e outras terras, e vai sucedendo ao nosso Portugal.”
Deste modo, por imposição da economia industrial ou das medidas de proteção ambiental, as florestas plantadas passaram a ter relevância, no século XX, para produtores e consumidores de madeira. Por via de conseqüência, houve necessidade de disciplina jurídica, por leis específicas ou pela jurisprudência dos tribunais, em prol da segurança dos diferentes tipos de negócios realizados neste setor.
Em nosso País e no que concerne à propriedade em si, o Código Civil (artigo 43, inciso I) considerou as árvores bens imóveis e como parte integrante do solo, seguindo, por conseguinte, a natureza jurídica deste, para os atos de transmissão ou de oneração, inclusive quanto aos aspectos tributários.
À medida, porém, em que surgiram atos jurídicos específicos sobre as florestas, principalmente aquelas plantadas, ou a madeira nelas existente, acolheu-se a doutrina francesa que considera as árvores como bens móveis por antecipação ou destinação, antes mesmo de serem cortadas, podendo constituir objeto de negócio jurídico autônomo, traslativos ou onerativos de sua propriedade. Na esteira dessa doutrina, firmou-se a jurisprudência de nossos tribunais, culminando com a chancela do Supremo Tribunal Federal. Neste aspecto, não houve e não há mais dúvidas.
Quanto ao registro imobiliário, porém, as dúvidas persistem até hoje, por inexistir provisão legal explícita, lacuna esta que não foi suprida pela vigente lei dos Registros Públicos (Lei 6.015, de 31.12.73). Ela não contém norma específica para anotar, na respectiva matrícula, a existência da cobertura florestal, seja natural ou artificial.
A questão, portanto, era onde e como fazer o registro desses atos, visando salvaguardar sua eficácia no tempo e oponibilidade a terceiros, principalmente nos casos em que - já transferidos domínio e posse da floresta e/ou da madeira - o corte das árvores deva ocorrer em longo prazo. Assim, alguns optavam por levar o respectivo instrumento ao Registro Especial de Títulos e Documentos e outros requeriam ordem judicial específica, para averbá-lo no Registro de Imóveis.
Pelo princípio da concentração dos registros, no entanto, entendíamos que o locus correto deveria ser no Registro de Imóveis como, aliás, fora decidido pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em acórdão que serve de verdadeiro paradigma (Revista de Jurisprudência nº 82, p. 325/328), determinando a averbação, com base no artigo 167, inciso II da Lei 6.015/73, “de forma que, permitida a averbação, nada mais representa do que garantia e segurança às partes, e igualmente a terceiros que eventualmente venham a transacionar com o vendedor, proprietário do solo, ou com o comprador, dono dos pinheiros”.
Com base nesta decisão e em acórdãos de outros tribunais, encaminhamos consulta à Corregedoria Geral do TJRGS, em nome de Klabin Riocell S.A. sobre a viabilidade de averbar, no registro imobiliário, a existência da floresta plantada e, por via de conseqüência, os respectivos contratos de compra-e-venda e/ou exploração da madeira.
No corpo da consulta, sugerimos que - sendo afirmativa a resposta - fosse editado um Provimento específico para regular a matéria, evitar dúvidas e orientar os registradores. A resposta foi afirmativa e tivemos oportunidade de contribuir também na redação das exigências mínimas para a averbação.
Esta, pois, a origem do Provimento Nº 01/2001, publicado no Diário da Justiça de 16.01.01, que autoriza fazer-se a averbação, atendidos os seguintes requisitos:
Artigo 1° A averbação da existência da floresta plantada ocorrerá, a requerimento do proprietário, com apresentação de laudo técnico assinado por engenheiro florestal, inscrito no CREA, acompanhado da respectiva planta planimétrica de localização no imóvel, excetuando-se os casos de Reserva Legal, prevista no Código Florestal (Lei n°4.771/65;
Artigo 2° Averbada a existência da floresta, será permitido o registro de compra-e-venda das árvores ou da respectiva madeira e de sua exploração, ou de outras formas específicas de alienação ou oneração desses bens, assim como dos direitos a eles relativos, independentemente do solo.
Artigo 3° Quando se tratar de imóvel pertencente à empresa cuja atividade estatutária compreenda o cultivo intensivo de florestas, a averbação poderá ser feita com dispensa da planta de localização e desde que o requerente, ou o laudo técnico, informe que o florestamento ocupará a totalidade da área cultivável.
Cremos que esta orientação formal seja realmente pioneira no País, pois se desconhece disciplina análoga em outros Estados. Embora a prática possa exigir aperfeiçoamentos ao texto, é certo que o Provimento tem, de imediato, a virtude de prevenir dúvidas e, ao mesmo tempo, atribuir segurança às partes e a terceiros, nas múltiplas relações jurídicas, geradas por negócios que tenham por objeto tanto as florestas como a madeira nelas produzidas.
Advogado em Porto Alegre (RS) e Professor Universitário
Florestas e registro de imóveis - textos / armando / escritos |