A China entrou definitivamente no radar ocidental. Subitamente não há publicação acadêmica, especializada ou generalista, que não puxe o país mais populoso do mundo para tema de capa. A revista brasileira "Veja" publicou recentemente um dossiê sobre "o planeta China", uma edição da revista norte-americana de geo-política Foreign Affairs aborda-a no tema central e até a revista acadêmica da gestão, Harvard Business Review (HBR), lhe dedicou o destaque. Para fechar este ramalhete de media, a consultora Goldman Sachs presenteou-a no próprio dia do aniversário da proclamação por Mao Zedong da atual República Popular da China com uma notícia que vai mudar o mundo - em 2039 a China ultrapassará os Estados Unidos em termos de PIB, e será a economia número um de meados do século XXI. Aquele país asiático vive, de fato, um período de euforia, em que o recente primeiro vôo espacial tripulado foi a cereja em cima do bolo.
Este fenômeno representa os sinais de uma mudança geopolítica e econômica de fundo, óbvia, que não é mais possível ignorar. A China deverá passar a estar obrigatoriamente no seu radar. Os intelectuais e ideólogos chineses falam já da legitimidade de uma nova postura - daguo xintai, ou mentalidade de grande potência.
Os fatos falam por si e o fato mais marcante dos últimos anos é, sem dúvida, a emergência da China como potência econômica mundial no século XXI. Hoje, ainda, está atrás da Alemanha, do Reino Unido e da França em termos de PIB. Mas em 2008 - o ano dos Jogos Olímpicos - ultrapassará o PIB da Alemanha, ficando à frente daqueles países-chave da União Européia. E, segundo o estudo da Goldman Sachs, ultrapassará o Japão em 2015 e os Estados Unidos em 2039.
Este calendário de ultrapassagens em 40 anos tem uma conseqüência geopolítica imediata - o chamado Grupo dos 6 (Estados Unidos, Japão, Alemanha, Reino Unido, França e Itália), ou dos 7 ou 8 (com a Rússia e Canadá), ficará obsoleto.
De acordo com o professor Peter Williamson, do INSEAD, o grupo dos 6 não terá outra opção se não responder a este terremoto econômico e geopolítico. Williamson escreveu um artigo no dossiê da HBR que os membros do G 6 terão de fazer dois ajustamentos. A idéia seria se ligar ainda mais estreitamente à emergência da China, da Índia, do Brasil e da Rússia e prosseguir a integração da Europa se esta quiser continuar a ter influência num mundo de gigantes.
A ascensão do PIB chinês nesta primeira metade do século se baseia na dinâmica de crescimento: 8% no qüinqüênio até 2005, 7% entre 2005 e 2010, 6% entre 2010 e 2015 e 5% entre 2015 e 2020, segundo estimativas da Goldman Sachs. Nenhum outro grande país "maduro" ou emergente terá um crescimento deste tipo - a Índia, Rússia e Brasil terão médias anuais mais baixas. Ou seja, a "locomotiva" mundial vai estar centrada na China.
Os responsáveis chineses passaram a ter plena consciência do que designam por zhanlue jiyuqi, ou oportunidade estratégica neste século. Também visível no plano geopolítico.
Depois dos ciclos ideológicos dos anos 60 e 70 - revolução cultural, combate ao "revisionismo" soviético, teoria dos "três mundos" e oposição ao hegemonismo das duas superpotências de então -, a China abriu o ciclo do "take off" com as reformas econômico-políticas encabeçadas por Deng Xiaoping (relações internacionais de grande polêmica) no final dos anos 70 que permitiram um crescimento médio anual de 9% ao longo de quase um quarto de século, entre 1978 e 2002. Depois desta primeira "fase", a liderança chinesa começou a olhar para fora, sobretudo depois da queda do Muro de Berlim - a estratégia de emergência no plano diplomático acelerou-se com marcos recentes importantes como o Tratado com a Rússia e a adesão à Organização Mundial do Comércio.
Os ocidentais fazem a "leitura" de que se trata para a China de reganhar apenas um papel "regional" na Ásia Pacífico, contrabalançando o papel geopolítico dos Estados Unidos (e das suas alianças com a Coréia do Sul ou Taiwan, ou mais recentemente com a Índia) e a força da economia japonesa (apesar da crise em que está envolvida, continua a ser a segunda economia do mundo). O que leva os ocidentais a uma visão limitada da emergência chinesa.
Fábrica do mundo
A análise ocidental tende a olhar a China como a atual "fábrica" de mercadorias ("commodities", na designação técnica) a baixo custo. Os salários médios na China são 2,1% dos norte-americanos, o que também compara positivamente com os outros destinos como a Índia ou o segundo anel de "tigres" (como Indonésia, Filipinas e Malásia), que são mais caros.
Fruto dessa imagem, a China passou de 3,9% das exportações mundiais em 2000 para 6% em 2002 e passou a ser o principal destino dos fluxos mundiais de investimento direto estrangeiro desde 2002, tendo ultrapassado os próprios Estados Unidos. Em 2004 se transforma no número 2 mundial em termos de "stock" acumulado de capital estrangeiro, logo a seguir aos Estados Unidos.
Os principais "clusters" da China ligados à sua especialização internacional são os isqueiros, com 70% do mercado mundial, o calçado, com 50%, os brinquedos, com 30%, e os acessórios de roupa com 20%.
Contudo, por baixo destes números está uma realidade mais complexa. O país é cada vez mais um parceiro duplo na cadeia de valor - importa massivamente componentes e partes intermédias dos "tigres" asiáticos e do Japão - e daí os difíceis com Taiwan, Coréia do Sul, Japão e Austrália - e re-processa-as em produtos finais para o seu mercado doméstico e para a exportação, nomeadamente para os Estados Unidos (de onde resulta um superávit para a China). Esta dinâmica dupla tem colocado inclusive na ordem do dia a agenda da integração econômica na Ásia Pacífico - quer através da APEC como da ASEAN - e motivado discussões acaloradas sobre a necessidade de uma moeda única no futuro.
No entanto, é muito parcial julgar que a China joga apenas na "parte inferior" da cadeia de valor. Conforme Peter Williamson nem a China, nem a Índia se fixarão pela posição de fábrica de commodities. Numerosos exemplos de empresas chinesas que começaram pela “parte mais baixa” da cadeia de valor para criar volume, mas que rapidamente se moveram para o valor acrescentado, para segmentos mais sofisticados “. Por isso, a China tem entrado cada vez mais na área das tecnologias de informação, quer no hardware como no software. As exportações chinesas nesta área são já 30 a 40% das suas exportações totais - o que aproxima a China dos outros "tigres" (mais de 50% das exportações da Malásia e Filipinas são nas tecnologias de informação; 50% no caso de Singapura, 45% no caso da Coréia do Sul e 40% nos casos da Tailândia e Taiwan).
Segundo um estudo do Deutsche Bank Research, a China (juntamente com Hong Kong e Macau) já lidera o mercado mundial em 8 das 12 categorias de produtos da eletrônica de consumo - mais de 50% do mercado de leitores de DVD, mais de 30% dos gravadores de DVD, dos computadores de secretária e dos "notebooks", mais de 25% nos telemóveis, TV a cores, PDA (assistentes pessoais digitais) e auto-rádios. Ainda que muita gente, no Ocidente, não o reconheça, a China está a começar a competir também em indústrias intensivas em conhecimento.
Também no campo do software, segundo a revista Business Week, a China poderá alcançar a posição da Índia - o principal local do mundo de "outsourcing" nesta área - em 2006-2007. O próprio "indicador de preparação para a economia do conhecimento" - criado pelo Deutsche Bank - revela que, numa escala de 1 a 10, com um máximo de 8,22 para os Estados Unidos, a China se situa já acima do meio da tabela, com 5,14, ainda que abaixo da Coréia do Sul (6,62), do Japão (6,82), e de Taiwan (7,15). Ainda que muita gente, no Ocidente, não o reconheça, a China está a começar a competir também em indústrias intensivas em conhecimento.
Desconhecimento ainda maior é o relativo às marcas globais emergentes. Sobre este assunto Peter Williamson comenta que as grandes marcas dos EUA, japonesas e européias não têm prestado atenção ao que se chama de “dragões escondidos”. São míopes sobre a China, apenas vendo a dimensão do mercado interno. Mas a China também é fonte de concorrência mundial. Na China olha-se a entrada na Organização Mundial do Comércio como a grande oportunidade para penetrar nos mercados ocidentais com produtos chineses.
O governo chinês apóia abertamente 22 grandes empresas com potencial global, seis das quais pretendem entrar na galeria das 500 maiores do mundo e as outras 16 afirmar marcas globais. Entre elas são de citar, a Haier com 50% do mercado de pequenos frigoríficos dos EUA, a Galanz com 1/3 do mercado mundial de microondas, a Legend com 20% do mercado mundial de placas-base dos computadores e a China International Marine Containers com 40% do mercado internacional de contentores refrigerados.
Fontes: Agência de Informação Oficial da China; Xinhua Agência de Notícias; Ministério dos Negócios Estrangeiros; chinaonlineline |