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REVISTA DA MADEIRA - EDIÇÃO N°86 - DEZEMBRO DE 2004

Bioenergia

O biodiesel e sua perspectiva no Brasil

Em meio a um contexto de franca expansão do complexo agroindustrial brasileiro, uma nova e importante oportunidade de negócios começa a se apresentar. A motivação vem da crescente preocupação com a poluição ambiental, que trouxe para os debates uma velha alternativa, há muito abandonada pela indústria automotiva: a utilização de óleos vegetais como combustível para motores do chamado “ciclo diesel”.

Se, no passado, os baixos custos do petróleo inviabilizavam a concorrência dos combustíveis de biomassa, hoje o panorama é bem diferente. O óleo mineral encontra preços de equilíbrio em patamares significativamente mais elevados. Do outro lado, a própria modernização tecnológica porque passou a agricultura em todo o mundo, combinada com o atrativo da renovabilidade, tem conferido grande status para algumas matérias-primas de características energéticas.

O caso mais notável é o da cana-de-açúcar, permitindo que o álcool brasileiro tenha custos competitivos com a gasolina. Adicionalmente, a otimização do processo de queima do bagaço, até recentemente tratado como simples resíduo, não apenas permite a geração de energia elétrica que atende às necessidades da usina, como também vem se transformando numa fonte adicional de receitas, a partir da comercialização dos excedentes.

Não custa lembrar que o álcool vem prestando um excepcional serviço à nossa matriz energética, a mais de duas décadas. Entretanto, a redução da dependência em relação ao óleo diesel continua sendo um grande desafio. E esforços já vêm sendo feitos no sentido de superá-lo. Destaque-se a busca da maior utilização dos modais alternativos de transporte, especialmente hidrovias, e, mais recentemente, os estudos para aditivação do diesel mineral, seja a partir do etanol, ou do próprio óleo vegetal processado, chamado de biodiesel.

É dentro dessa segunda alternativa que será feita uma breve abordagem, especialmente em relação aos efeitos esperados para o setor agrícola. Buscando subsidiar as análises, serão establecidos dois cortes. O primeiro, de cunho geográfico, objetiva demonstrar a grande vocação brasileira para se consolidar definitivamente como uma referência em produção, utilização e exportação de energia renovável. As restrições à produção doméstica, especialmente em países como o Japão e os membros da Comunidade Européia, deverão impulsionar o surgimento de um mercado internacional em breve.

O segundo, por sua vez, busca abordar o processo de desenvolvimento da nossa agricultura dentro de uma perspectiva histórica, o que é fundamental para a compreensão dos limites ao processo de inclusão social que se deseja implementar, a partir do fomento à produção de matérias-primas para a produção de biodiesel em estabelecimentos de agricultura familiar. É importante pensar que, na medida em que esse novo produto se transformar num grande negócio, o mercado tenderá a excluir os produtores menos competitivos.



Biomassa

Um dos postulados agronômicos básicos afirma que a energia de biomassa é fruto da combinação de três recursos naturais: luz, calor e umidade. Como sabemos, os dois primeiros têm a mesma fonte, o sol. É também notório que a luz solar atinge a Terra com maior intensidade nas regiões tropicais (entre os trópicos de Câncer e de Capricórnio, situados 30º ao norte e 30º ao sul da linha do Equador, respectivamente), onde são registradas as maiores taxas de luminosidade e as mais elevadas temperaturas médias anuais.

Dentro desse faixa tropical existem quatro grandes blocos continentais de terras. O maior deles é o continente africano, que apresenta sérias restrições quanto à disponibilidade de recursos hídricos. Essa restrição também aparece em boa parte do território australiano, o menor dos blocos que, adicionalmente, tem a maior parte do território abaixo da região tropical. Os outros dois blocos são a porção sul do continente asiático e uma parcela considerável da América Latina.

Em relação ao continente asiático, embora predomine o clima tropical úmido, é a região que concentra a maior densidade populacional do mundo. Logo, além de haver o choque entre a produção de energia de biomassa e a segurança alimentar, o aumento da renda per-capita desses países deverá estimular o aumento do consumo local de energia, resultando em menores excedentes exportáveis. Com isso, a América Latina pode ser vista como a região com maior potencial para a produção e exportação de energia renovável, seja o álcool ou o biodiesel. E, naturalmente, dentro da América Latina, está o Brasil, congregando uma expressiva parcela dessas terras.

Ressalte-se que a maior parte das terras brasileiras encontra-se acima do Trópico de Capricórnio, tendo uma alta taxa de luminosidade média anual. Adicionalmente, com exceção do sertão nordestino, a regularidade das chuvas é outro fator extremamente positivo para o desenvolvimento da agricultura, inclusive lavouras de ciclo mais longo, como a cana-de-açúcar, cujo cultivo é impraticável em regiões sujeitas a geadas e nevascas.

Conjugado com essa privilegiada combinação de solo e climas está um altíssimo padrão tecnológico, que vem permitindo permitiu elevado crescimento na produção agrícola, com incrementos apenas marginais na área plantada. Da mesma forma, tem havido uma verdadeira revolução no manejo da pecuária de corte, especialmente nos Estados das regiões Sudeste e Centro-Oeste, permitindo a liberação de áreas de pastagens para a exploração agrícola.

Os números da última safra apontam para uma área plantada de aproximadamente 63 milhões de hectares, sendo 43 milhões de hectares de lavouras anuais, 15 milhões de hectares de lavouras permanentes e 5 milhões de hectares de reflorestamento, especialmente para as indústrias de papel e celulose e siderúrgica (carvão vegetal). A essa área já explorada pela agricultura soma-se um potencial de aproximadamente 150 milhões de hectares, sendo 90 milhões de hectares referentes a novas fronteiras agrícolas e 60 milhões referentes a terras de pastagens que podem ser convertidas para a exploração agrícola no curto prazo (essas terras montam 220 milhões de hectares).

Significa dizer que o Brasil explora menos de um terço da sua área agricultável, constituindo a maior fronteira para a expansão agrícola em todo o mundo. Adicionalmente, o manejo sustentável da floresta amazônica, onde existem aproximadamente 100 variedades de palmáceas já catalogadas, poderá permitir forte incremento na produção de óleos vegetais, em regime de extrativismo, que de forma a suprir a demanda regional por óleo diesel, especialmente como combustível para geradores de eletricidade.

Nessa mesma região amazônica, existem estudos indicando que há aproximadamente 3 milhões de hectares já desmatados, nas imediações das cidades, que podem ser incorporados ao cultivo da palma. Abre-se a possibilidade do desenvolvimento de uma lavoura permanente, intensiva em mão-de-obra, com alto rendimento de óleo por hectare. O pleno aproveitamento desse potencial permitiria uma produção superior a 15 milhões de toneladas de óleo vegetal, representando quase a metade do nosso consumo atual de óleo diesel.

A grande diversidade de opções, especialmente a palma na Região Norte, a soja, o girassol e o amendoim nas Regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, além da mamona, que embora seja a melhor alternativa para o semi-árido nordestino, apresenta-se como alternativa para as demais regiões do país, deixam a certeza de que o biodiesel tem condições de não apenas ocupar um papel de destaque em nossa matriz energética, como também se transformar em novo produto de nossa pauta de exportações.

O biodiesel

Hoje, quase trinta anos após o início da implementação do Programa Nacional do Álcool, responsável por uma verdadeira revolução no complexo agroindustrial sucroalcooleiro, estamos diante de uma nova empreitada, que poderá assumir dimensões até maiores do que as assumidas por aquele programa: um programa nacional para a produção de biodiesel. A incorporação do diesel vegetal à matriz energética, seja em misturas (discute-se algo entre 5 e 20% numa fase inicial), ou o biodiesel puro (conhecido como B-100), começa a se transformar em realidade.

Os estudos preliminares já apontam para grandes vantagens da mistura do biodiesel ao diesel de petróleo. Do ponto de vista ambiental, o produto renovável contribui para uma sensível redução nas emissões de poluentes, especialmente os óxidos de enxofre, uma vez que a maior viscosidade do óleo vegetal permite o natural aumento da lubricidade dos motores. Esse adjetivo é ainda mais evidente quando se trata do biodiesel de mamona, embora represente obstáculo à mistura em proporções mais elevadas (superiores a 20%).

Em relação aos aspectos econômicos, os custos de produção do biodiesel a partir de matérias-primas como o girassol, a palma ou a mamona, estão situados em patamares muito próximos aos atuais preços internacionais para o óleo diesel derivado de petróleo. O próprio regime tributário, conferindo vantagens ao combustível renovável, pode compensar eventuais diferenças de custos, especialmente em situação de flutuação dos preços .

Uma observação importante diz respeito ao fato de os preços internacionais dos óleos vegetais virem se mantendo em patamares muito superiores aos dos combustíveis, embora seus custos de produção sejam competitivos. Logo, dependendo de como se dará o processo de produção do biodiesel, o parâmetro mais relevante para se chegar ao seu preço é o custo de oportunidade da utilização das matérias-primas. Esse custo de oportunidade, por exemplo, sugere pouca competitividade da soja, cujos preços atuais absorveram os efeitos da queda na atual safra americana.

Desta forma, o programa deve ser pensado respeitando as peculiaridades regionais. Em localidades distantes das refinarias de petróleo, por exemplo, o biodiesel pode apresentar custos bastante atraentes. É o caso do norte do Mato Grosso, onde a própria carência de infra-estrutura de transportes, encarecendo tanto a chegada do combustível fóssil, quanto o escoamento da produção agrícola, pode permitir a viabilização de níveis mais elevados de mistura, inclusive a partir do óleo de soja.

Esse potencial é ainda mais evidente na região amazônica, seja para abastecer os barcos ou os geradores de eletricidade. Em muitas comunidades, mais distantes dos rios navegáveis, o custo de transporte chega a ser superior ao próprio valor do óleo diesel. Com isso, se o objetivo é a redução da dependência em relação ao combustível fóssil, o programa deve ser desenhado para respeitar todas essas especificidades.

Exclusão social: o resultado da expansão desordenada

O maior desafio do atual Governo na agricultura, sem dúvidas, é dar curso a um efetivo programa de reparo ao processo de expulsão por que vem passando um maciço contingente de agricultores e trabalhadores rurais nas últimas décadas. O êxito nessa empreitada está condicionado a uma boa compreensão de como se deu o processo e, acima de tudo, ao respeito a alguns princípios fundamentais que determinam o atual padrão de exploração econômica dos estabelecimentos rurais, baseado na agricultura tecnificada. É dentro desse contexto que o programa de biodiesel deve ser pensado como vetor de inclusão social.

A análise do processo de evolução da agricultura brasileira nas últimas décadas merece uma atenção especial e uma comparação com a agricultura americana pode ser muito útil. Embora sejam países de dimensões continentais, com uma área agricultável total muito parecida, é fácil constatar grande diferença entre os impactos do progresso técnico, especialmente a mecanização da atividade agrícola, sobre a estrutura fundiária e sobre as relações sociais de produção na agricultura desses dois países.

Enquanto nos Estados Unidos a fronteira agrícola já havia sido aberta no final do século XIX, no Brasil, o processo de interiorização começou apenas na segunda metade do século passado. Diferentemente daqui, a estrutura fundiária americana já estava consolidada quando houve a intensificação do processo de mecanização na agricultura, a partir dos anos de 1960. Com isso, houve apenas um processo marginal de acomodação, decorrente do novo padrão tecnológico.

No Brasil, por outro lado, até os anos de 1950 a fronteira agrícola era limitada a uma faixa de aproximadamente 500 quilômetros do litoral, desde o Rio Grande do Sul até o Estado do Ceará. A maior penetração no interior se concentrava no norte de São Paulo e Triângulo Mineiro, além do semi-árido nordestino. O processo de incorporação do novo padrão tecnológico ocorreu paralelamente ao processo de interiorização da agricultura.

Daí uma curiosidade que precisa ser estudada com maior rigor científico: grande parte das terras localizadas nessa faixa próxima ao litoral é caracterizada pelo relevo montanhoso, o que ofereceu forte restrição à incorporação da mecanização. As exceções estavam nos estados do Rio Grande do Sul, Paraná e São Paulo, por onde se difundiu essa agricultura em grande escala.

A revolução tecnológica na agricultura começou justamente por ocasião do processo de substituição de importações, que promoveu rápida concentração industrial em São Paulo, atraindo populações que ficaram ociosas no interior do estado para a ocupação dos postos de trabalho gerados na capital e região metropolitana. Nos dois Estados do Sul, porém, a ociosidade da força de trabalho familiar, resultante da mecanização das atividades nos estabelecimentos rurais, impulsionou um grande fluxo migratório para o norte, abrindo as fronteiras nos estados do antigo Mato Grosso e Goiás.

Uma outra importante região de terras planas é o semi-árido nordestino. Entretanto, as adversidades climáticas sempre fizeram da atividade agrícola um investimento de risco, inibindo a estruturação de grandes empreendimentos. Em função disso, nessa região predominou o padrão de exploração baseado nos estabelecimentos de agricultura familiar e em culturas mais resistentes ao clima hostil.

A maior parte dessa área tradicionalmente ocupada pela agricultura, no entanto, tinha na topografia um fator restritivo à absorção do novo padrão tecnológico. A abertura das novas fronteiras, com custos de produção significativamente menores, trouxe sensível redução nos preços de equilíbrio e a inviabilização econômica de grande parcela desses estabelecimentos tradicionais. A exceção talvez tenha sido a cotonicultura do nordeste, quase dizimada anos mais tarde pelo bicudo, porém antes da expansão da cultura no Centro-Oeste.

A interiorização da agricultura foi acompanhada por um crônico processo de estagnação econômica de boa parte de uma faixa que vai desde a Zona da Mata Mineira e os Estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo até a Zona da Mata Nordestina. Daí é interessante observar que nessas regiões que não tiveram contato com o novo padrão de produção, a alternativa da população foi migrar para os centros urbanos. A ausência de um processo de aprendizado pode explicar a inexpressiva participação de migrantes dessas áreas na ocupação das novas fronteiras agrícolas.

A estagnação econômica dessa região tornou-se visível a partir do aumento do desemprego e da redução do nível de exploração dos estabelecimentos rurais, dando suporte para o fortalecimento dos movimentos em defesa da reforma agrária. Entretanto, o latifúndio improdutivo e o desemprego no meio rural foram apenas conseqüências de um rápido processo de incorporação de novas áreas, mais apropriadas à agricultura em larga escala, numa situação paradoxal ao que a teoria econômica clássica poderia sugerir .

Esse processo foi corroborado pela miopia das autoridades governamentais, que apenas computavam o ritmo de crescimento da produção agrícola, sem atentar para um verdadeiro estado de convulsão social que estava se instalando. Os dados estatísticos, coletados pelo IBGE, apenas registravam transformações, como o acelerado processo de urbanização, sem permitir o estabelecimento de uma relação de causalidade e, muito menos, o dimensionamento de suas implicações.

É dentro desse contexto, em que o processo de exclusão do meio rural teve como uma das causas a incorporação de um grande contingente de terras, muito mais apropriadas ao novo padrão tecnológico, e onde menos de um terço dessas terras agricultáveis já está sendo racionalmente explorada, que deve ser pensada a busca de alternativas para as regiões estagnadas.

Biodiesel: uma alternativa com restrições

Um dos fatores de propulsão de um programa nacional para a produção de biodiesel é o fato dele se apresentar como importante vetor de inclusão social, especialmente porque estudos preliminares sugerem a viabilidade econômica da produção da mamona em pequenas propriedades, justamente na região mais carente de oportunidades de investimentos: o semi-árido nordestino.

Por ser uma lavoura pouco exigente em relação a solo e clima, pode permitir a incorporação de um grande número de estabelecimentos de agricultura familiar naquela região, a custos de implantação relativamente baixos. Adicionalmente, o plantio consorciado com o feijão pode gerar uma renda complementar que, além de assegurar a viabilização econômica dos empreendimentos, permitirá sensível redução no custo de produção do combustível.

Juntamente com a mamona, um conjunto de outras olíferas, que podem ser cultivadas eficientemente pela agricultura familiar, como as palmáceas e produtos menos tradicionais como o nabo forrageiro e o pinhão manso, vem trazendo expectativas muito otimistas, não apenas em relação ao potencial para a produção do biodiesel como também em relação à participação da agricultura familiar nesse novo negócio.

Entretanto, algumas restrições precisam ser observadas. A maior delas diz respeito ao fato de que em se tornando um bom de negócio, a produção de biodiesel deve atrair grandes investimentos. Logo, os estabelecimentos de agricultura familiar precisam estar suficientemente estruturados para suportar um ambiente de competição. A própria experiência do Proalcool, onde fracassaram os projetos de implantação de microdestilarias, precisa ser melhor estudada.

Outro fator a ser considerado é que embora haja a necessidade de produzir alternativas econômicas para as regiões em processo de estagnação, ainda há uma grande extensão de terras a serem incorporadas à agricultura nas novas fronteiras agrícolas. Essas terras oferecem condições de competitividade mais favoráveis. Logo, por mais legítimo e necessário, o propósito de promover a recuperação de regiões como o semi-árido terá como obstáculo a maior atratividade de outras regiões.

É importante salientar que um programa de biodiesel deve estar calcado num tripé de sustentabilidade: econômica, social e ambiental. Se, do ponto de vista ambiental, os benefícios são evidentes, o mesmo não pode ser dito em relação aos aspectos econômicos e sociais. Daí pode resultar que o privilégio à competitividade econômica, de modo a evitar a majoração nos custos de transportes, pode restringir o potencial de inclusão social.

Do outro lado, uma maior capilaridade da base produtiva agrícola, inclusive com especial enfoque nas regiões carentes de oportunidades de investimentos, pode representar a necessidade de políticas compensatórias, como os subsídios diretos à produção ou a renúncia fiscal. Nesse caso, haverá perdas líquidas de receitas para os Governos Federal e Estaduais.

Desse modo, deve-se buscar a compatibilização entre essas variáveis, de forma a assegurar a maximização do aproveitamento do potencial produtivo, especialmente considerando a possibilidade concreta da constituição de um mercado internacional para esse novo produto. Convém lembrar que se o semi-árido não consegue competir com regiões de maior regularidade climática, o biodiesel de mamona produzido naquela região, conforme estudos preliminares, pode chegar à Europa com custos bem inferiores aos preços praticados naquele continente.

O Brasil tem uma grande extensão de terras agricultáveis, combinada com diferentes padrões climáticos, o que lhe confere perfeitas condições para ser referência na produção e exportação de energia de biomassa. O êxito com o álcool leva à certeza de que o biodiesel também pode ser produzido competitivamente, especialmente considerando os patamares atuais de preço do petróleo. Entretanto, algumas restrições precisam ser respeitadas.

A primeira diz respeito à questão do uso racional do solo. É fundamental que um programa de produção e consumo de biocombustíveis seja sustentado por um tripé de equilíbrio entre a agricultura alimentar, a agricultura energética e o respeito ao meio ambiente. A incorporação de novas áreas e a reconversão de áreas tradicionais devem ser criteriosamente geridas, com foco no atendimento das diferentes demandas, mas preservando e respeitando a biodiversidade.

Dentro dessa perspectiva, vem um segundo aspecto fundamental. Ao imaginar que o biodiesel, em breve, se consolidará como um novo negócio, é preciso que sejam respeitados os limites à inserção de estabelecimentos rurais na atividade primária. A sobrevivência estará condicionada a determinado padrão mínimo de eficiência e competitividade, o que envolve não apenas o manejo adequado como também o respeito a variáveis de ordem técnica, especialmente a vocação produtiva de cada estabelecimento.

Com isso, tão importante quanto vislumbrar o programa de produção de biodiesel como um vetor de inclusão social é reconhecer que haverá limites técnicos para esse processo. Há que se considerar a hipótese de que esses limites sejam maiores, de modo que não será economicamente viável envolver na atividade o desejado contingente de estabelecimentos e, principalmente, de força de trabalho. A sustentabilidade dos projetos implica a obediência a essas restrições.

Por último, outro grande desafio, que extrapola o programa em si, diz respeito à necessidade de um processo de redistribuição de renda, aumentando o poder aquisitivo, especialmente das populações urbanas. Como sabemos, há um grande conjunto de países investindo na produção e consumo de biocombustíveis, com foco no cumprimento dos compromissos assumidos no âmbito do Protocolo de Kyoto.

Esse crescimento da demanda não alimentar tende a promover a recuperação dos preços das commodities agrícolas, cuja conseqüência direta é a elevação do custo da cesta básica. Considerado o atual padrão de rendimentos de grande parcela da nossa força de trabalho, especialmente aqueles em situação de desemprego ou subemprego, a esperada recuperação dos preços dos alimentos deverá ser acompanhada por um processo de recomposição das perdas salariais e realocação da força de trabalho.

Cabe salientar que, ao longo da última década, o problema da redução da participação da massa salarial em relação ao PIB só não assumiu dimensões maiores porque, paralelamente, também ocorreu um processo de redução nos preços relativos das commodities agrícolas e, consequentemente, da cesta básica. Com o esperado aumento da demanda, especialmente pelas matérias-primas energéticas, esse processo tende a se reverter.

Enfim, os desafios são grandes, mas as oportunidades também o são. Com certeza, em se tratando de volumes de produção, a agricultura tem perfeitas condições para oferecer rápidas respostas à demanda. Entretanto, como o propósito do programa de biodiesel é buscar a sustentabilidade econômica, social e ambiental, o processo deve ser conduzido de forma a respeitar as restrições acima mencionadas.



José Nilton de Souza Vieira