A madeira sempre foi o material mais utilizado para a construção das pontes brasileiras, ajudando na ocupação do território nacional ao encurtar caminhos sobre rios e riachos. Mas, ao longo dos anos, elas passaram por um processo de deterioração e substituição - muito em razão do uso de madeiras sem tratamento adequado -, cedendo lugar às estruturas de ferro e concreto.
Uma trajetória que começa a mudar com novas técnicas de construção e cuidados especiais apresentados pelos pesquisadores do Laboratório de Madeiras e Estruturas de Madeira (Lamem) da Escola de Engenharia de São Carlos da USP. Os novos sistemas construtivos combinam técnicas trazidas de outros países e matéria-prima originária de reflorestamento no Brasil, especialmente tratadas para enfrentar condições locais de umidade e ataque de insetos e de fungos.
Uma das vantagens também resgatadas e confirmadas pelos pesquisadores é o baixo custo dessas construções. Elas podem ser construídas pelo valor de R$ 300 a R$ 600 o metro quadrado, enquanto as pontes de concreto custam entre R$ 1 mil e R$ 1,4 mil. Foram usados o pinus e o eucalipto, tratados em condições locais de umidade e de temperatura.
As novas pontes de madeira suportam cargas idênticas às similares de concreto. Sete pontes foram construídas sob a supervisão dos pesquisadores, em algumas cidades do interior paulista, de Minas Gerais e de Goiás, com repasse de tecnologia aos engenheiros do Departamento de Estradas de Rodagem (DER) da Secretaria dos Transportes do Estado de São Paulo e aos engenheiros municipais por meio de cursos de atualização.
A primeira delas em meio urbano foi construída há dois anos, em São Carlos, sobre o córrego Monjolinho. A mais recente, em plena serra do Mar, no chamado Caminho do Mar, a primeira estrada ligando São Paulo à Baixada Santista.
O uso da madeira tem um caráter renovável, ao contrário do aço e do cimento, que demandam, inclusive, grandes quantidades de energia em sua produção. O cultivo de madeira de reflorestamento também serve ao seqüestro e armazenamento de carbono da atmosfera, que ocorre intensamente durante o crescimento da árvore até a idade adulta.
Os novos sistemas permitem a construção de pontes em vigas e em lâminas, ou ainda mistas, combinando madeira e uma cobertura de concreto. Todas podem ser utilizadas em cidades, estradas municipais, rodovias estaduais ou federais, inclusive nas de grande tráfego, sem restrição em termos de carga, porque são projetadas segundo as mesmas normas de ações e segurança das estruturas em geral da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).
Entre os novos sistemas, o de proteção (aplicação de tensões) é o mais aprimorado, com lâminas de madeira formando uma única placa, perpassada por barras rígidas de um aço especial ultra-resistente (técnica chamada de dywidag ), ou por cordoalhas, um conjunto de vários fios de aço também de alta resistência.
A técnica consiste em perfurar a madeira a cada metro para a inserção das barras ou fios de aço, que são tensionados e têm sua força controlada, garantindo que a placa de madeira ganhe rigidez transversal (de uma ponta a outra), e não apenas longitudinal (no sentido da largura da ponte).
Para preservar o conjunto, tanto as barras quanto os fios de aço são protegidos por uma bainha de proteção e revestidos com graxa, para evitar possíveis corrosões, provocadas pelo contato do aço com os produtos químicos utilizados no tratamento prévio da madeira.
Essa proteção química é fundamental para a longevidade das pontes. É feita com uma solução hidrossolúvel de sais de cobre, cromo e arsênico (CCA) e outra que utiliza boro no lugar do arsênico (CCB), livrando a madeira da ação de fungos e de insetos, preservando-a para um uso superior a 30 anos, contra apenas cinco anos de vida sem o tratamento.
Madeiras e concreto
Após o estudo das técnicas foram avaliadas, em São Carlos, três espécies de eucaliptos ( Eucaliptus grandis, E. citriodora e E. saligna ) e duas de pínus ( Pinus taeda e P. elliottii ) de reflorestamento e igualmente tratadas.
O pinus utilizado na América do Norte é mais denso e, por isso, naturalmente mais resistente que o brasileiro. Com o eucalipto acontece o contrário. Aqui ele é muito mais resistente. Embora, com o sistema de protesão, não haja necessidade de uma madeira de alta resistência, porque tanto o aço quanto o cabo transversal reforçam sua solidez.
Até o momento, a maioria das pontes construídas, como a do Caminho do Mar, é do tipo mista, em madeira e concreto, porque são mais facilmente edificadas e a um custo menor. Esse sistema utiliza peças roliças (toras de árvores tratadas) na parte inferior com conexões metálicas em barras de aço comum fincadas na madeira e imobilizadas pelo concreto, que recobre a estrutura e, posteriormente, recebe asfalto.
Outra possibilidade é a edificação de pontes com peças roliças tratadas, de alta resistência e baixo custo, e peças laminadas treliçadas, ligadas por parafusos, ou ainda com peças de madeira laminada colada, que utilizam um tipo de resina extremamente aderente.
A vantagem das laminadas coladas é a possibilidade de se construir vigas sem limitação de comprimento e com total controle do material, inclusive em extensões acima de 30 metros. Contudo, elas apresentam custos considerados altos, cerca de R$ 2 mil o metro cúbico, contra R$ 300 da madeira roliça tratada.
O Brasil lidera a tecnologia de desenvolvimento de estruturas de madeira na América do Sul. Além do Laboratório da USP de São Carlos, outros grupos também pesquisam o tema, na Universidade Estadual Paulista (Unesp), na Escola Politécnica da USP e na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a fim de formular uma norma brasileira específica para construções de pontes desse tipo.
A exposição direta das estruturas de madeira às intempéries tem colocado diversas pontes de estradas rurais e pequenas pontes para pedestres (pinguelas) em condições comprometedoras para os usuários. A utilização de estruturas mistas em concreto-madeira é apresentada como uma solução capaz de prolongar a vida útil das pontes em madeira, proporcionando também uma maior capacidade de carregamento dessas estruturas. Essa aplicação é também sugerida na execução de passagens de vias sobre canais e córregos, substituindo o tradicional sistema de galerias em tubos de concreto.
As estruturas mistas podem ser constituídas, de um modo geral, de concreto-madeira, concreto-aço ou aço-madeira. Um sistema de ligação entre os dois materiais deve ser utilizado para assegurar a transferência de esforços de cisalhamento horizontal, e também evitar o desprendimento vertical dos dois materiais. Esse sistema pode ser do tipo rígido ou semi-rígido (flexível).
No caso da ligação rígida, a qual pode ser obtida, por exemplo, pela aplicação de um adesivo epóxi na superfície de contato entre os dois materiais, os pequenos deslocamentos entre as peças são impedidos. Já o outro sistema pode ser obtido por conectores metálicos, como pregos e parafusos. O uso dos conectores metálicos representa grande facilidade de execução da ligação dos dois materiais e é mais econômico que o emprego de um adesivo epóxi.
O elemento de concreto que compõe a seção mista assegura a proteção da madeira contra a ação direta da umidade e a abrasão. A importância do sistema de ligação consiste no aumento da rigidez da seção, implicando num menor deslocamento vertical e maior capacidade de carregamento da estrutura, em relação à estrutura somente de madeira.
A indicação da madeira para se compor uma seção mista deve-se ao fato desse material ser um recurso natural e renovável, possibilitando assim a aplicação de espécies de reflorestamento, tais como o pinus. A madeira pode ser utilizada com seções brutas (toras), serradas e também seções de laminados colados. Outra vantagem consiste no fato da madeira ser um material de fácil trabalhabilidade.
As estruturas mistas em concreto-madeira são indicadas para diversas aplicações constituindo sistemas de forro, paredes e pisos para diversas modalidades de construção, tais como residências, comércios e indústrias. Recentemente, na Itália, esse tipo de estrutura tem sido empregada para restaurações de piso e forros de construções antigas. Atualmente, elementos pré-moldados em concreto-madeira são produzidos em escala industrial por diversos países, como Suécia, Noruega e Finlândia.
As pontes em madeira representam uma solução menos onerosa que as pontes em concreto. No entanto, a durabilidade da madeira nas construções quando aplicada sem um tratamento prévio e estando exposta aos fatores ambientais (umidade, oxigênio e temperatura) permitem o ataque biológico, e conseqüente redução da vida útil da estrutura. A utilização de uma laje de concreto sobre as peças de madeira da superestrutura pode prolongar em até três vezes a vida útil daquelas pontes. Todavia, é sempre recomendável o tratamento preservante da madeira contra ataques de insetos e microorganismos, principalmente das madeiras de reflorestamento como o pinus. As estruturas mistas em concreto-madeira representam uma solução viável na execução de pontes de pequenos vãos tanto nas vias rurais quanto nas vias urbanas, o que as torna um sistema construtivo de uso comum nos EUA, Canadá, Suíça e Austrália.
Principais problemas
Como resultado de uma inspeção realizada em algumas pontes de madeira de pequeno porte na área rural e pinguelas urbanas, foram levantados problemas que comprometem a utilização dessas estruturas. Tais problemas estão basicamente relacionados à biodeterioração da madeira, caracterizada pelo apodrecimento dos elementos estruturais. Tanto nas pontes quanto nas pinguelas aqui abordadas, geralmente, foram utilizadas como longarinas, em suas superestruturas, seções de madeira bruta (toras) não tratada. Os tabuleiros foram executados com peças de madeira serradas (pranchas), dispostas na direção perpendicular às longarinas, ou ainda na direção paralela às longarinas quando apoiadas sobre transversinas.
As peças de madeira do guarda-corpo de estruturas tipo pinguelas, em grau de suscetibilidade, geralmente são as primeiras a apresentar problemas de apodrecimento em razão das pequenas dimensões de suas seções transversais, e também devido à exposição direta das ligações com a superestrutura, fatores ambientais que propiciam o ataque por fungos.
Nos pilares de madeira não tratada e engastados diretamente no solo, mais especificamente na região de interface de contato com o ar, verifica-se uma drástica redução de suas seções transversais devido ao apodrecimento da madeira.
As pranchas que constituem o piso dessas pinguelas, devido à abrasão e ao intemperismo, também alcançam num curto tempo de uso um estado precário de conservação. A existência de frestas no tabuleiro permite a livre passagem de água de chuva, que alcança tanto as transversinas quanto as longarinas, ficando parte dela retida nas regiões de contato das peças, favorecendo assim a proliferação de fungos de podridão.
Nas pontes de madeira em estruturas rurais, o tabuleiro geralmente é executado sem um sistema capaz de proteger a madeira das ações de intempéries e/ou mecânicas. Sobre as pranchas do tabuleiro, em geral é utilizada apenas uma camada de solo, a qual visa a sua proteção contra o desgaste e também para reduzir os efeitos do impacto vertical sobre a ponte.
A camada de solo permite a percolação de água que alcança o tabuleiro e também as demais peças da superestrutura da ponte. A umidade retida no solo e na madeira é o principal fator do processo de apodrecimento das pranchas do tabuleiro e das longarinas, e também acarreta a oxidação dos elementos metálicos utilizados nas ligações das peças de madeira.
Nos córregos e canais, tanto nas áreas urbanas quanto nas rurais, são muito utilizadas as galerias com tubos de concreto, as quais representam uma solução simples e econômica em relação às pontes em concreto armado. Porém, esse tipo de construção é capaz de acarretar grandes problemas, principalmente nos períodos de chuva intensa.
A deposição de lixo e vegetações na entrada da galeria podem acarretar a obstrução total das seções dos tubos de concreto, ocasionando assim inundações das áreas a montante desse tipo de construção.
O expressivo acúmulo de água pode gerar um processo de erosão do paramento tanto do canal quanto da galeria, bem como o deslizamento da vegetação de proteção do talude. A saturação do aterro da estrada pode, além de desestabilizar sua base sobre o canal, também danificar o pavimento da via, ou ainda a destruição e o arrastamento do conjunto de obra: aterro, arrimo, tubos de concreto e pavimento.
Até o presente não existe no Brasil uma norma específica para o dimensionamento das estruturas mistas em concreto-madeira. Dessa maneira, o projetista deve nortear-se mediante indicações de normas internacionais para cada um dos materiais que constituem a seção do elemento estrutural.
A homogeneização da seção transversal é usual através do método da seção transformada. Nesse procedimento, determina-se a razão modular (nc), a qual representa uma relação entre o módulo de deformação longitudinal do concreto (Ec) e o módulo de elasticidade da madeira (Ew).
Na verificação dos estados limites de utilização e último da estrutura (tensões normais e tangenciais, deslocamentos verticais e ligação), quando utilizado um sistema de ligação flexível, deve-se considerar o efeito de redução da rigidez da seção. O parâmetro que quantifica quão flexível é o sistema de conexão, denominado de módulo de deslizamento, deve ser obtido por ensaios de corpos-de-prova.
Conhecidos os reais problemas relacionados à exposição da madeira às intempéries, busca-se então, indicar a aplicação de estruturas mistas na execução de pontes, passarelas e pinguelas, bem como nas restaurações daquelas construções em madeira parcialmente deterioradas que ainda se encontram em condições de utilização. Neste contexto, diversas pontes em madeira foram reformadas na Austrália, por exemplo, as quais, após receberem uma laje de concreto sobre seus tabuleiros, possuem uma maior capacidade de carregamento e é assegurada uma maior vida útil a essas estruturas.
A utilização de uma laje de concreto como tabuleiro de pontes e pinguelas representa uma solução para proteção contra a biodeterioração da madeira. Se, por um lado, o emprego da laje em concreto representa um aumento do peso próprio da estrutura da ponte existente, por outro lado, ao utilizar-se de um sistema de conexão entre a madeira e o concreto, obtém-se uma superestrutura com seções mais rígidas de maior capacidade de carga.
Em pinguelas, torna-se possível a eliminação de pilares, necessitando-se então de apenas encontros que são executados fora da calha do canal.
Para as estradas, sobre canais, o emprego de estruturas mistas em concreto-madeira representa uma forma de simples execução, e sem dúvida mais econômica que as pequenas pontes em concreto armado. Em relação ao sistema de galerias convencionalmente executado com tubos de concreto, pode-se destacar a vantagem da seção transversal do canal permanecer totalmente livre para o escoamento d'água, evitando-se assim os riscos expostos anteriormente.
Enfim, tendo em vista o grande número de pontes de madeira, principalmente nas áreas rurais, e passarelas nas áreas urbanas, e conhecido o estado de degradação do material quando exposto diretamente às intempéries, abre-se, deste modo, um grande potencial para a aplicação de estruturas mistas em concreto-madeira.
Autores: Julio Soriano (Fac. de Engenharia Agrícola da UNICAMP) e Prof. Nilson Tadeu Mascia (Fac. de Engenharia Civil da UNICAMP). |