Os países desenvolvidos estão enfrentando dois desafios que causam impacto nos diversos setores da economia, cujos reflexos já se fazem sentir de forma acentuada em nosso País. Tais desafios dizem respeito à competitividade nos setores industriais e de serviços, e à questão ambiental.
A necessidade de se evoluir para a execução de produtos e serviços competitivos tem sido realçada no Brasil, tanto pela formação dos grandes blocos econômicos na Europa e na América do Norte, que afetam as exportações brasileiras, como também pela crescente exposição do nosso mercado interno à competição internacional.
Os elementos centrais da competitividade são a qualidade e a produtividade. Produzir com qualidade significa gerar produtos e serviços de acordo com as especificações e totalmente orientados para as necessidades dos clientes.
Na exposição de motivos do Programa Brasileiro da Qualidade e Produtividade, lançado pelo governo federal em 1990, afirmou-se que a preocupação com a qualidade ainda era incipiente em nosso País e que as perdas por falta de qualidade poderiam atingir até 40% do produto industrial. Essas perdas acarretam produtos mais caros, e eqüivalem a dezenas de bilhões de dólares, podendo alcançar cifras ainda mais dramáticas na área de serviços.
Estima-se que na construção civil os desperdícios com materiais cheguem a 20% do total necessário para a execução da obra, estando a madeira entre esses materiais.
O outro desafio está relacionado à mudança no enfoque das questões relacionadas ao desenvolvimento das nações. A crescente consciência dos efeitos ambientais provocados por um desenvolvimento que antagoniza progresso e ambiente, gerou a necessidade de busca de uma forma alternativa, onde o desenvolvimento se processe de forma adequada ao ambiente, atendendo às necessidades atuais sem comprometer o futuro.
É nesse contexto que a cadeia produtiva da construção civil se insere, refletindo de forma importante em um de seus componentes: a madeira serrada.
Construção civil
A madeira possui diversas propriedades, que a tornam muito atraente frente a outros materiais. Dentre essas, são comumente citados, o baixo consumo de energia para seu processamento, a alta resistência específica, as boas características de isolamento térmico e elétrico, além de ser um material muito fácil de ser trabalhado manualmente ou por máquinas.
O aspecto, no entanto, que distingue a madeira dos demais materiais é a sua renovabilidade, consubstanciada na possibilidade crescente de viabilização técnico-econômica da produção sustentada das florestas nativas (manejo florestal) e nas modernas técnicas silviculturais empregadas nos reflorestamentos, que permitem alterar a qualidade da matéria-prima de acordo com o uso final desejado.
O fato da madeira ser o resultado do crescimento de um ser vivo, implica em variações das suas características em função do meio ambiente em que a árvore se desenvolve. A esta variabilidade acrescenta-se que a madeira é produzida por diferentes espécies de árvores, cada qual com características anatômicas, físicas e mecânicas próprias.
A madeira é um material higroscópico, sendo que várias de suas propriedades são afetadas pelo teor de umidade presente. Sua natureza biológica, submete-a aos diversos mecanismos de deterioração existentes na natureza. A essas características negativas acrescenta-se sua susceptibilidade ao fogo. Essas desvantagens da madeira podem ser eliminadas ou, ao menos, minimizadas, bastando para tal o emprego de tecnologias já disponíveis e de uso consagrado nos países desenvolvidos.
No entanto, o desconhecimento das propriedades da madeira por muitos de seus usuários e a insistência em métodos de construção antiquados, são as maiores causas de desempenho insatisfatório da madeira frente a outros materiais.
Essa situação, aliada à tradição herdada dos colonizadores espanhóis e portugueses geraram na América Latina, um preconceito generalizado em relação ao uso mais intensivo da madeira na construção civil de edificações.
A madeira é empregada na construção civil habitacional, de forma temporária, na instalação do canteiro de obras, nos andaimes, nos escoramentos e nas fôrmas. De forma definitiva, é utilizada nas esquadrias, nas estruturas de cobertura, nos forros e nos pisos.
Consumo relativo (%) de produtos de madeira, de acordo com o grau de processamento, nos setores de revenda e engenharia.
Essa tendência é diferente nos países desenvolvidos, onde os painéis têm participação mais significativa e onde os produtos tradicionais, como os painéis compensados, estão sendo substituídos por produtos mais desenvolvidos, como o OSB, que são menos restritivos quanto a qualidade da forma da tora.
No Brasil, a madeira serrada é o produto mais utilizado e os painéis, por serem produtos com maior valor agregado, já são em boa parte normalizados. Entretanto, alguns problemas, pesquisados pela ABPM, foram constatados junto as revendas, entre eles:
alto custo do frete rodoviário, 23,4%;
inconstância de preços das mercadorias, com distorções bastante acentuadas, 17,0%;
falta de regularidade nas entregas, principalmente por parte dos produtores da Amazônia, 10,6%;
falta de fornecedores idôneos, 9,6%;
falta de qualidade, tanto da madeira fornecida pela Amazônia (serragem e acondicionamento ruins), como da Região Sul (péssimo desempenho do pinus), 8,6%.
Já no segmento engenharia (construção civil), foram observados os seguintes problemas:
falta de padronização, quanto a qualidade, bitolas, comprimentos etc., 23,5%;
irregularidade nas entregas, afetando o cronograma das obras, 17,6%;
alto custo e irregularidade do transporte rodoviário, além dos problemas de descarga, 13,7%;
preços altos e inconstantes, com prazos apertados para pagamento, 13,7%;
falta de fornecedores idôneos, 9,8%.
Da análise desses resultados pode-se concluir que enquanto no setor de revenda (intermediário) os problemas estão relacionados às questões comerciais e de logística, no setor de engenharia (consumidor) o principal problema é a qualidade das peças.
Características da madeira
Ao utilizar madeira o usuário deve especificar e verificar na inspeção de recebimento os seguintes itens que podem afetar o bom desempenho da madeira em um determinado uso:
espécie de madeira;
dimensões;
teor de umidade;
defeitos naturais e de processamento.
Espécie de madeira
As propriedades básicas da madeira variam muito entre as espécies de madeira. Se tomarmos a densidade de massa aparente a 15% de teor de umidade, como um indicador dessas propriedades, temos a madeira de balsa (Ochroma lagopus) com 200 kg/m3 e a de aroeira (Astronium urundeuva) com 1100 kg/m3, ou seja, materiais com propriedades físicas e mecânica totalmente distintas.
Portanto, na escolha da madeira correta para um determinado uso, deve-se considerar quais são as propriedades e os respectivos níveis requeridos para que a madeira possa ter um desempenho satisfatório.Esse procedimento é primordial principalmente em países tropicais onde a exuberância do número de espécies de madeiras existentes na floresta é uma das expressões da sua biodiversidade.Soma-se a essa questão, a mudança das fontes de suprimento dos principais centros demandantes de madeira serrada, localizados nas Regiões Sul e Sudeste.
Essas mudanças têm provocado a substituição do pinho-do-paraná (Araucaria angustifolia) e da peroba-rosa (Aspidosperma polyneuron), espécies tradicionalmente utilizadas pelo setor, por outras madeiras desconhecidas dos usuários e, às vezes, inadequadas ao uso pretendido.
Como exemplo da diversidade de espécies amazônicas, podemos citar os dados do Projeto Radambrasil para o ambiente denominado "sub-região ecológica dos baixos platôs da amazônia" onde foram encontradas 202 espécies com porte comercial, perfazendo um volume médio por hectare de 106 m3 e uma freqüência média de 63,39 árvores por hectare.
Essa amplitude e variedade de espécies de madeira existente na floresta amazônica dificulta as atividades de exploração florestal sustentada e mesmo uma comercialização mais intensa de todo potencial madeireiro da floresta.
Identificação de madeiras (nomes populares)
A identificação de madeiras por práticas populares é realizada levando em conta somente as características sensoriais. Por serem variáveis e também devido às semelhanças das mesmas em diferentes madeiras, essas características, em muitos casos, não levam à identificação correta da madeira. Exemplo disso, é a análise dos resultados de identificação de madeiras amazônicas realizada pelo IBDF, hoje IBAMA, em 1985, onde se verificou, que muitas madeiras foram identificadas erroneamente, por produtores ou consumidores, pelo fato delas apresentarem cor e densidade de massa semelhantes.
O nome popular das madeiras é reconhecidamente um dos itens importantes na sua comercialização. A utilização de vários nomes para uma dada madeira, como a existência de várias madeiras sendo comercializadas sob um mesmo nome, têm contribuído, ao lado de outros fatores, de forma negativa para uma utilização mais intensa das madeiras amazônicas.
Espécies de madeiras identificadas em estrutura de cobertura de casas em dois conjuntos populares localizados no interior do estado de São Paulo.
Identificação botânica de madeiras
A identificação científica de uma árvore é realizada considerando principalmente os seus órgãos reprodutores (flores e frutos), como também outras características morfológicas da árvore (casca, folhas etc.).A identificação de uma árvore depende, portanto, da disponibilidade dessas características morfológicas. Ocorre que a presença dos órgãos reprodutores da árvore é efêmera, o que dificulta, por exemplo, a sua identificação nos trabalhos de inventário florestal
No processo de extração e de transformação da árvore em madeira serrada, obviamente, as características morfológicas do vegetal, necessárias para a identificação, são eliminadas.
Nos estudos anatômicos de identificação de madeiras são utilizadas duas abordagens distintas, a macroscópica e a microscópica. Na identificação macroscópica são observadas características que requerem pouco ou nenhum aumento. Tais características são reunidas em dois grupos: as sensoriais e as anatômicas.
As características sensoriais englobam: cor, brilho, odor, gosto, grã, textura, densidade, dureza e desenhos. As características anatômicas, como camadas de crescimento, tipos de parênquima, poros (vasos) e raios; são observadas à vista desarmada ou com auxílio de uma lupa de 10 vezes de aumento. Em conjunto, as observações dessas características permitem identificar muitas das espécies comercializadas no País.
Grupamento de espécie
A existência da variabilidade de madeiras descrita acima torna impraticável a promoção e a comercialização abrangente de todas essas espécies, sobretudo naqueles mercados abastecidos tradicionalmente por poucas espécies de madeira.
Tais circunstâncias sugerem uma abordagem para redução da heterogeneidade das madeiras, através do grupamento ou reunião das mesmas em categorias de propriedades comuns.
Grupamentos ou classificação das madeiras através de suas propriedades, tais como: densidade de massa, estabilidade dimensional, resistência mecânica, durabilidade natural, cor, comportamento no tratamento preservativo, no processamento mecânico e na secagem; ou ainda, através de características, como: uso final, grupos de uso final, graus de comercialização etc., já foram elaborados por diversos autores.
A multiplicidade de sistemas de grupamento se de um lado revela que o conceito de grupamento já é amplamente aceito, de outro lado mostra a necessidade de padronização dos procedimentos.
No mercado brasileiro o grupamento já é praticado, porém de forma não técnica e com desconhecimento por parte do usuário final. Estudo realizado pelo antigo IBDF, ao buscar explicações para os freqüentes enganos de identificação de madeiras amazônicas no comércio, propôs que a cor e a densidade estariam provocando esses enganos e servindo como base para grupamentos, tais como: madeiras avermelhadas e pesadas (jatobá, muiracatiara, angelim-vermelho etc.), avermelhadas e leves (mogno, cedro, quaruba, cedrinho etc.), amareladas (pau-amarelo, tatajuba, guariúba e muirajuba) e brancas (açacu, parapará, amapá etc.)
Este autor ao analisar as madeiras empregadas na construção civil na cidade de São Paulo, constatou que sob o nome de cedrinho estão sendo comercializadas 15 diferentes espécies de madeira (amazônicas e de reflorestamento), que em comum tinham, além desse nome, o fim a que eram destinadas: uso temporário nas obras.
O lado positivo dessa verificação é a constatação da aplicação prática do conceito de grupamento de espécies por uso final (várias espécies sendo aplicadas num determinado uso) e a aceitação, portanto, de outras espécies de madeira não tradicionais.
Porém, a forma como este processo está se desenvolvendo, baseado na escolha das espécies pela tentativa-e-erro e sem, pelo menos aparentemente, o conhecimento do consumidor é inapropriada e poderá aumentar o preconceito em relação a madeira como material de construção.
Marco importante foi alcançado pela tecnologia de produtos florestais brasileira com o advento da norma NBR 7190 "Projeto de estruturas de madeiras" da Associação Brasileira de Normas Técnicas - ABNT e que substituiu a NBR 6230 com profundas alterações na metodologia e procedimentos de ensaios.
Na nova Norma forma estabelecidas três classes de resistência - C 20, C25 e C 30 - para as madeiras de coníferas (pinus e pinho-do-paraná, p. ex.) e quatro classes - C 20, C 30, C 40 e C 40 - para as madeiras de dicotiledôneas (peroba-rosa, ipê, jatobá, p. ex.).
No estabelecimento dessas classes foram consideradas propriedades físicas (densidade de massa básica e aparente), de resistência (compressão paralela às fibras e cisalhamento) e de rigidez (módulo de elasticidade).
A utilização de classes de resistência elimina a necessidade da identificação botânica da madeira, pois num projeto estrutural desenvolvido de acordo com essa norma bastará a verificação da alocação das propriedades de resistência de um lote de peças de madeira à classe de resistência especificada no projeto.
É importante salientar que a necessidade da identificação da espécie foi suprimida no que diz respeito à resistência mecânica, mas ainda é necessária quando se considera a necessidade de se empregar madeiras naturalmente resistentes ou permeáveis às soluções preservantes em função da classe de risco de deterioração biológica a que a madeira estará exposta (item 10.7 da Norma).
Biólogo Geraldo José Zenid
Divisão de Produtos Florestais
Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo S.A. -I PT
Fevereiro/2002
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