O fogo nos ecossistemas florestais pode ser entendido como o resultado da união do oxigênio presente no ar, com o carbono existente no material lenhoso, o qual é iniciado por uma fonte de ignição ou mesmo por uma alta temperatura ambiente. Este processo está associado a presença de fatores climáticos favoráveis tais como umidade relativa, precipitação pluviométrica, temperatura e vento. O fogo pode ser originado de um incêndio ou de uma queima controlada. O primeiro caracteriza-se pela casualidade, ou seja, é um evento imprevisível no qual uma área é afetada sem nenhum objetivo. A queima controlada é a utilização do fogo como uma técnica, tendo portanto um objetivo como por exemplo, a diminuição de material combustível, melhorias de PH do solo, limpeza da área, dentre outras. Essa técnica, embora não se conheça muito de seus efeitos, é ainda bastante utilizada, principalmente no setor agrícola.
Os efeitos do fogo nos solos podem ser analisados mediante ao estudo dos aspectos físicos, químicos e biológicos. Dentre as mudanças que ocorrem no aspecto físico podemos citar a variação de temperatura e umidade, alterações da estrutura e porosidade do solo, etc. No meio químico ocorre alterações do PH do solo, volatilização dos elementos químicos presente na biomassa, mineralização da matéria orgânica, dente outras. No aspecto biológico podemos observar mudanças na dinâmica populacional da fauna do solo, que inclusive, levam às alterações das propriedades físicas e químicas do recurso edáfico.
Será evidenciado abaixo os efeitos ambientais do fogo no solo, dirigindo no entanto esforços para compreensão das alterações físicas, químicas e biológicas decorrentes desse processo no meio florestal.
A remoção da serapilheira é um dos processos mais perceptíveis do fogo nos ecossistemas florestais. Esta situação expõe o solo mineral diretamente ao impacto das gotas de chuvas, levando portanto a perda da estrutura das camadas superficiais. Essa desestruturação pode ser ainda mais crítica quando se tem excesso de material combustível, pois, nesses casos, o fogo acaba atingindo temperaturas mais elevadas o que pode acarretar a fusão desses solos. Essa situação, embora de difícil ocorrência, é mais propicia em florestas de idades mais avançadas já que as mesmas apresentam maiores quantidades de restos vegetais depositados sobre o solo, ou seja, de material combustível.
A destruição da camada orgânica causada pelo fogo expõe o solo às intempéries provocando assim modificações nas suas propriedades físicas, principalmente no que se refere a porosidade e penetrabilidade de água, tornando-os mais susceptível aos processos erosivos. Em conseqüência do fogo ocorre também a produção de cinzas que causam entupimento dos macroporos afetando desta forma a porosidade do solo. Assim, ocorre uma redução da taxa de infiltração e um aumento do escorrimento superficial o que potencializa ainda mais os riscos de erosão. Os processos erosivos acabam proporcionando perdas consideráveis de nutrientes principalmente em virtude da remoção de grande parte das cinzas. Em áreas florestais de topografia mais acidentadas esses processos de carreamento de cinzas são mais evidentes, gerando portanto efeitos mais agravantes.
Uma outra forma de perda dos elementos minerais ocorre pelo transporte das cinzas através de uma coluna de convecção de calor. Esse processo pode representar perdas significativas em solos florestais já que o estoque de biomassa nesses ecossistemas geralmente são mais expressivos o que propicia a ocorrência de fogo de alta intensidade, trazendo por conseqüências maiores perdas. Um outro aspecto importante que deve ser considerado é o efeito do fogo na umidade do solo. A morte da cobertura vegetal pelo fogo pode levar a redução de perdas de umidade por transpiração e interceptação, o que poderia proporcionar um aumento da umidade do solo, dependendo dos efeitos sobre a matéria orgânica, já que esta, quando drasticamente afetada, pode levar a uma redução significativa da umidade. Em solos de textura grosseira esses problemas são mais agravantes pois estes apresentam maior susceptibilidade às perdas por evaporação.
A temperatura é um outro aspecto físico de grande importância a ser considerado, podendo no entanto apresentar efeitos a curto e médio prazo. A curto prazo o fogo causa aumento da temperatura superficial do solo pela liberação de energia durante a combustão, podendo atingir inclusive 1000o C na superfície, com redução significativa nas camadas inferiores. Em solos florestais estas temperaturas são mais críticas dada ao excesso de material combustível (lenha, gravetos, folhas secas e vegetação de sub-bosque). A longo prazo, o escurecimento da superfície queimada irá proporcionar maior absorção da radiação solar. A menor temperatura nas camadas subsuperficiais durante o fogo ocorre pelo fato do solo apresentar baixa condutividade térmica, podendo haver variação em função de algumas características tais como textura e o grau de compactação. No que se refere a textura, estudos mostraram que numa queima de restos de exploração de florestas de coníferas a penetração de calor foi maior nos solos arenosos do que nos argilosos.
Quanto a compactação, não é difícil observar que quanto mais compacto maior é a proximidades das partículas e, portanto, maior será a condutividade. Esse processo pode ser bastante evidenciado dentro dos projetos florestais dado ao trânsito de máquinas pesadas nas áreas de corte. A lixiviação é um outro aspecto físico que sofre alteração após o fogo. Esse processo ocorre devido a redução da CTC que por sua vez é acarretada pela diminuição da matéria orgânica do solo. Assim, a redução da matéria orgânica pelo fogo reduz ainda mais a CTC do solo, tornando-os mais susceptíveis as perdas de bases e elementos químicos liberados pela queima do material vegetal. Portanto, várias mudanças nos aspectos físicos do solo podem ocorrer após o fogo, porém, a alteração dessas propriedades geralmente não ocorrem a não ser que o calor liberado no solo tenha sido severo .
Efeitos químicos
Além das alterações físicas, podem também ocorrer no solo algumas mudanças químicas após o fogo. O efeito químico mais imediato da queima é a liberação de elementos minerais. O fogo acelera a mineralização da matéria orgânica do solo, fazendo em poucos minutos um trabalho que em condições normais poderia levar meses ou até anos. O grande problema desse processo no entanto é a rápida liberação de nutrientes num curto espaço de tempo. Essa quantidade liberada é portanto muito superior a capacidade de assimilação das plantas, ocorrendo assim perdas por erosão (eólica e / ou hídrica), lixiviação ou percolação. Apesar dessa rápida mineralização proporcionar perdas de nutrientes, em determinados casos, ela pode ser desejável.
Alguns estudos mostram a vantagem do fogo na incorporação de material lenhoso dentro de solos florestais em ecossistemas frios ou secos. Portanto, nessas condições, a ocorrência do fogo de baixa intensidade, além de ser desejável, acaba sendo uma prática recomendável. A volatilização é um outro processo químico proporcionado pelo fogo. Estudos dos efeitos da queima de resíduos de florestas de eucalipto sobre as perdas de nutrientes do sitio mostraram que o fogo libera os nutrientes da biomassa de forma substancial, más uma proporção considerável desses nutrientes mineralizados é perdida por volatilização. Tais estudos indicam que essas perdas podem afetar a fertilidade do sítio ao longo de rotações sucessivas de plantações florestais com espécies de rápido crescimento.
Os elementos mais susceptíveis aos processos de volatilização são o nitrogênio (N) e o enxofre (S). O nitrogênio volatiliza - se em 200o C, sendo essa temperatura facilmente atingida em locais onde o material a ser queimado exceder 3370 kg / ha. Alguns autores relatam que cerca de 95 % do N presente na fitomassa da vegetação queimada volatiliza-se, retornando a atmosfera como gás. Mesmo quando a queima é controlada (baixa intensidade) a perda de N pode atingir mais de 100 Kg / ha. Foram observados em alguns estudos uma redução de 17% no teor de N em queima de baixa intensidade, contra 72% de redução em queima de alta intensidade.
A variação de PH do solo é um outro efeito químico proporcionado pelo fogo. Alguns estudos mostram que a liberação de bases durante a combustão dos resíduos vegetais promove uma elevação do PH do solo. Quando a matéria orgânica é queimada, as substâncias nela contida são liberadas em forma de óxidos que são depositados como cinzas na superfície do solo. Estas cinzas, geralmente ricas em óxidos solúveis de bases, se transformam em carbonatos capazes de neutralizar a acidez do solo. Em fim, esses efeitos químicos que ocorrem no solo após o fogo tais como variações de PH, CTC, bem como os processos de mineralização e volatilização, são de grande importância e merecem um estudo mais aprofundado haja vista que os mesmos apresentam uma relação direta com a fertilidade do solo.
Efeitos biológicos
O fogo no solo altera também a dinâmica populacional de microorganismos que nele vive. Em razão de sua alta porosidade o solo apresenta baixa condutividade térmica, proporcionando no momento da queima, maiores temperaturas apenas na interface solo - atmosfera. Tal fato explica, em parte, a sobrevivência de alguns microorganismos após o fogo. Estudos relacionados com os efeitos do fogo sobre os componentes bióticos revelaram que em queima de média intensidade apenas 57% das bactérias foram destruídas na camada de dois centímetros de profundidade. No caso dos incêndios subterrâneos, embora de difícil ocorrência, os danos aos microorganismos do solo são mais acentuados. A menor freqüência desses incêndios se explica em função da baixa oxigenação do solo nas camadas mais inferiores e de sua alta umidade. Assim, a baixa condutividade térmica do solo bem como os fatores que dificultam os incêndios subterrâneos, constituem em alguns aspectos que de certa forma contribuem para a sobrevivência de um certo número de microorganismos após o fogo.
Embora os efeitos do fogo seja atenuado nas camadas mais inferiores do solo, alguns autores relatam que a micro e mesofauna do horizonte orgânico são bastante susceptíveis a tal processo. Dessa forma, ocorre uma grande redução do número de indivíduos no solo após a queima. Porém, algumas condições proporcionadas pelo fogo podem favorecer a proliferação de microorganismos, tais como: redução da acidez, aumento da temperatura média do solo, diminuição da competição, aumento da disponibilidade de nutrientes e maior mobilidade dos propágulos. O fogo proporciona a liberação de uma grande quantidade de nutrientes para o solo, principalmente daqueles que são menos susceptíveis ao processo de volatilização como é o caso do cálcio. Esse elemento é encontrado em grandes proporções nas cascas de árvores de eucalipto, assim, a queima dos restos florestais de espécies desse gênero acaba disponibilizando grande quantidade desse mineral para o solo. Este nutriente apresenta inclusive um efeito favorável no crescimento de bactérias. Portanto, vários são os fatores que propiciam o crescimento de microorganismos no solo após o fogo.
Alguns pesquisadores afirmam que as elevações das concentrações de nitrato após a queima estão associados ao aumento das populações de bactérias nitrificadoras. Além dos microorganismos, existem também a mesofauna a qual desempenha um importante papel na permeabilização do solo e na decomposição dos restos vegetais. Nota-se no entanto que o fogo compromete a sobrevivência dos componentes bióticos do solo no momento da queima, porém a situação condicionada por esse processo pode vir a favorecer a proliferação desses organismos no futuro.
O fogo pode ser considerado um rápido decompositor, proporcionando em curto espaço de tempo, a mineralização da matéria orgânica do solo. Tal processo quando realizado pelos microorganismos do solo pode levar meses ou até anos. Assim, o fogo em conjunto com a vida microbiana pode constituir num mecanismo necessário ou até mesmo dominante na mineralização da biomassa morta do solo, principalmente nos ecossistemas frios e secos.
O fogo altera as propriedades químicas, físicas e biológicas do solo, sendo essa transformação diretamente proporcional a sua intensidade. As alterações físicas mencionadas diz respeito, principalmente, a estrutura, porosidade, umidade e temperatura do solo. Como foi relatado, para que essas mudanças possam ocorrer de forma a comprometer o componente edáfico, o calor liberado no solo tem que ser intenso. Dentre as alterações químicas, foram relatadas a variação de PH e da CTC do solo, o processo de volatilização e mineralização da matéria orgânica. Além da rápida mineralização, o fogo geralmente proporciona um incremento do PH do solo durante os primeiros anos após a queima, propiciando assim boas condições químicas para o crescimento das plantas. Os estudos dos processos químicos são portanto de grande importância visto que os mesmos apresentam uma profunda relação com a fertilidade do solo. No caso dos componentes bióticos, a sua redução pelo fogo acarretam alterações tanto nas propriedades físicas quanto nas propriedades químicas do solo. Enfim, a ação do fogo tanto na forma manejável quanto acidental acaba trazendo efeitos benéficos e maléficos, portanto pela pouca previsibilidade desses efeitos sua prática é ainda pouco recomendável .
Autores:
Luís Carlos de Freitas Mestrando em Ciência Florestal do Departamento de Engenharia Florestal da UFV;
Giovani Levi Sant'anna Doutorando em Ciência Florestal - UFV.
Março 2004 |