A historia é mestra da vida – uma lição que, apesar de simples, complica-se com as conotações retóricas a respeito do tema. Para a juventude, inovação é atualidade, enquanto o passado representa uma idade sem qualquer conexão sincera com a realidade. Os arroubos inovadores têm de ser compreendidos, assim como aceitos os conselhos dos mais velhos.
Dessa forma a certificação chega às florestas brasileiras, um mix de sociedade moderna com os traços dos antigos preceitos mercadológicos. Os recursos naturais são, como o foram, o objeto final das aspirações, tanto dos contemporâneos florestais como dos renascentistas industriais. A sobriedade das economias estabelecidas compete por terrenos cada vez mais estreitos.
São sobre a sustentação da matéria-prima, capital (tecnologia) e mão-de-obra que podem ser construídos os sistemas produtivos. No passado, uma Europa em expansão – que definitivamente não era o continente de hoje, mas sim alguns paises isolados – investiu em naves capazes de capacitar a exploração das riquezas escondidas nas Américas. A produção mundial de ouro e prata da época retrata o resultado da iniciativa, enquanto as conseqüências para a população local foram a destruição.
A evolução da produção mundial de metais preciosos da época esta diretamente relacionada com as navegações. A historia não conta as casas de trocas que ficaram com a riqueza, mas mostra os marinheiros que desbravaram os mares e destruíram as civilizações existentes em nome da geração de renda no Norte.
A mesma discreta mas evidente participação dos negociantes europeus que financiavam as viagens se confunde com a aparente inexistência de registros sobre os indivíduos que tornaram possível o seu acesso aos mesmos recursos.
Nos dias atuais, o quadro do crescimento populacional vem sido escrito por uma redução gradual da área útil de cada cidadão global. Os 2ha de espaço que temos no planeta são distribuídos da seguinte forma:
As áreas correspondentes a madeiras estão concentradas nos paises tradicionalmente produtores, com destaque para o Canadá e a Europa, enquanto as florestas intocadas são principalmente as tropicais. Os motivos porque estas estão consideradas dessa ultima forma dizem respeito, antes de fatos, a propaganda, que repete o que Marco Antonio, na Roma antiga, reconhecia como estratégia política: repetir uma mentira continuamente, fazendo com que pareça verdade.
Essas florestas “intocadas”, de fato não foram tocadas pelos “descobridores” de forma intensiva, motivo pelo qual tem sido forcado seu reconhecimento como patrimônio da humanidade, acreditando que apenas a historia desses povos tem alguma relevância.
O mais antigo fragmento de esqueleto humano até agora encontrado nas Américas, um crânio de cerca de 11000 anos de idade, apelidado de Luzia, saiu das entranhas da Lagoa Santa, em Minas Gerais (FAPESP, 2003). O achado reforça as teorias de que o povoamento do continente fortaleceu-se por volta de 14000 anos atrás.
Diferentes civilizações já fizeram uso e proliferaram dentro do horizonte da Amazônia enquanto floresta, as sociedades modernas estão apenas voltando seus olhos para um palco que tem tido uma intensa atividade humana através dos séculos, não por acaso esses registros estão nos limites da ultima glaciação no nosso planeta.
Modernamente os mecanismos de gerenciamento dos recursos florestais tem adquirido nuances de diversos organismos, que pleiteiam a direção dos acontecimentos no enredo nativo tropical, com destaque para os não-governamentais e suas pressões que geraram termos como eco-ditadura e eco-imperialismo.
É nesse sentido, o de reconhecimento das influencias sobre a realidade dos recursos naturais, que a identidade dos brasileiros com as florestas tem de ser melhor expressada, sob pena de assumir um papel secundário no desenvolvimento dos capítulos ensejados pela atividade do setor.
FSC
Pelo mundo afora o Forest Stewardship Council tem buscado estabelecer-se como principal responsável pelas atividades voltadas para o uso de florestas, tendo focado seus olhares para os trópicos, lembrando da necessidade de garantir os mercados para os senhores do Norte.
Segundo a filosofia do esquema, os consumidores estão interessados em sistemas de manejo que integrem a preocupação social com o crescimento econômico, enquanto garantam a preservação do ambiente. Defendem vigorosamente sua auto-sustentacao como verdadeiros estandartes dos anseios desses consumidores.
É verdade que a certificação florestal produz, senão benefícios, uma atenção maior para as questões sociais e força a adoção de sistemas de manejo que concorram para a continuidade da atividade florestal, contudo, não é verdade que o manejo sustentado das florestas nativas seja uma realidade sob os auspícios dos seus princípios e critérios. Ao contrário, sua proliferação atenta contra o fortalecimento da atividade nos trópicos.
No passado o Brasil foi dividido em capitanias e cedido a comandantes responsáveis pela sua exploração. No presente, a capitulação da eleição dos mesmos representantes dos interesses econômicos dos paises centrais baseia-se na emissão do certificado FSC.
A instituição tem objetivos definidos, 10 milhões de ha no Brasil, 1 milhão de ha nas Guyanas e assim por diante. Ações notadamente voltadas para definir uma área para domínio mercadológico.
A formação de grupos de compradores entre os simpatizantes do esquema tem traços das atividades escusas realizadas no passado para garantir o acesso aos metais preciosos, modernamente revestidas da roupagem propagandistas financiada por uma rede de organizações que atuam indiretamente na construção dessa nova onda colonialista; a imposição cultural contudo é a mesma dos tempos primordiais.
Assim, os interesses na produção das florestas nativas brasileiras tem sido emoldurados pela interpretação que as economias desenvolvidas fazem da capacidade de utilização dos recursos florestais segundo suas idéias sobre o tema, concorrendo para a marginalização dos atores nativos e resgatando as armas para calar a sua voz.
É por isso que os madeireiros brasileiros tem sido vitimas de ações policiais e outras inter-institucionais destinadas a coibir o seu “mau” uso das florestas nacionais, terminando por determinar a prisão dos que insistem em imaginar que podem gerar riquezas a partir da sua utilização sem submeter-se as normas e regulamentos difundidos pela adoção das “melhores praticas” de manejo.
A verdade é que não há a menor possibilidade de alimentar a indústria moderna com sistemas de colheita florestal que busquem a manutenção de um status de estoque florestal igual ao que apresentado na antiguidade.
Seria o equivalente, na cultura agrícola, a buscar sistemas de colheita de milho que não “destruíssem” as plantas, deixando que sua reprodução natural garantisse a “regeneração natural” das espigas retiradas. Isso sem contar com o fato de que as “espigas” nativas não tinham mais do que 6 ou 7 grãos.
Não é possível alimentar a humanidade com esses preceitos, também não é possível que as florestas tropicais possam adequadamente suprir a sociedade moderna em se buscando sua manutenção como unidades produtivas de 10mil anos de idade.
Esses fatos não interessam aos sistemas de certificação, que antes tem de garantir os mercados para os melhor adaptados produtores do Norte. O subsidio investido na agricultura daqueles paises é direto e já tornou-se uma ameaça para a continuidade da globalização, enquanto no setor florestal esses subsídios tomam outra forma, aproveitando da juventude dos movimentos ambientalistas para fazer do setor nativo tropical uma atividade pouco lucrativa, possibilitando a manutenção das populações florestais centrais, ou será que não são nativas as florestas exploradas no Canadá e Europa?
Cerflor
Pouco interessados nesses temas, os ambientalistas tem uma forte tendência a acreditar que as florestas nativas devem ser conservadas sob qualquer custo, colocando-se como representantes, por sua vez, de uma sociedade alarmada pelo perigo de se explorar florestas nativas brasileiras, aparentemente diferentes das demais.
Sem saber exatamente aonde esta a diferença, a evidencia da existência de uma biodiversidade enorme concentrada no seu seio parece indicar decisivamente os motivos para a luta contra o avanço da atividade florestal nacional.
Em se examinando os fatos científicos, existia, há alguns milhões de anos, 99% mais diversidade biológica do que ocorre atualmente, uma clara demonstração de que a competição e adaptação faz com que a sociedade termine por existir da forma como a conhecemos.
As florestas tropicais indicam, pela sua alta biodiversidade, uma situação atípica para a sociedade moderna, aonde evidentemente o processo evolutivo tem sido atrasado.
Também as pesquisas sobre o seqüestro de carbono atmosférico, em conseqüência do chamado “efeito-estufa”, trazem novas inferências sobre a propriedade que o tempo tem em destituir a onipresença de sofismas com um aroma desprezível de fraude.
No início do segundo quarto do século XIX, um dono de pensão alemão, investigador por natureza, plantou uma espécie arbórea em um tonel de vinho antigo, tomando o cuidado de medir o peso da terra que ali existia. Essa simples abordagem deu origem as modernas acepções da fotossíntese, e da capacidade dos vegetais em produzir massa partindo da absorção do CO² em presença da luz.
Hoje em dia, com o aumento da concentração do gás no ar atmosférico, a realidade da competição no reino vegetal denota a capacidade superior dos indivíduos lenhosos – arvores – contra os demais membros do ecossistema. O resultado disso é que a perda de biodiversidade é uma conseqüência natural do quadro atual da natureza global, significando que as arvores ganham na corrida por espaço e luz, retirando do cenário as espécies menos capacitadas.
Mais do que obviamente existe uma tendência natural de aumento da produção de madeira dentro das florestas, o que determina um novo padrão para o manejo, requisitando sejam retirados volumes maiores desse excesso de carbono absorvido. É preciso que o público seja alertado para o fato de que a madeira é um material renovável e que a sua ampla utilização contribui para o balanço entre a produção e emissão de gases na sociedade.
Uma tentativa de garantir a propriedade nacional sobre a emissão de selos garantidores de procedimentos semelhantes aos adotados pelo FSC, o CERFLOR tem a relevância de fazer-se notar como representante legítimo dos anseios de soberania sobre o uso dos recursos nacionais.
Em que pese a importância de se reclamar a inclusão de atores nacionais no contexto mercadológico mundial, a falta de mecanismos que promovam o amplo uso de tecnologia em busca da adequação das florestas nativas as sociedades modernas é evidente.
A industria florestal nativa parecer ser a única no mundo capaz de ignorar a necessidade de investir em tecnologia para melhorar a produção primaria, enquanto aceita como inovação a construção de maquinário ou de softwares de controle.
O CERFLOR é representante legitimo dos anseios nacionais, contudo parece ser mais alguém correndo atrás de uma iniciativa que aconteceu enquanto permanecia deitado em seu leito esplendido do que uma efetiva consideração sobre a identidade nacional com as florestas nativas.
Um selo brasileiro precisa também certificar ao mundo que o Brasil entende seu papel como ator no palco do setor florestal, absorvendo todas as nuances tecnológicas que essa atuação exige e colocando-se a frente de qualquer ação voltada para a interpelação de suas áreas nativas.
Para garantir a atividade florestal como reflexo da identidade nacional com seu patrimônio nativo, a tecnologia precisa garantir a melhoria da rentabilidade dos sítios enquanto possibilita uma nova configuração e arquitetura florestal, adequada a um pais que quer participar ativamente da comunidade global.
O melhoramento e a engenharia genética estão de fato na fronteira cientifica do manejo adequado das florestas nativas; sua ampla aceitação e difusão como instrumento de vinculação entre a sociedade brasileira contemporânea e suas florestas vai propiciar o terreno adequado para a sustentação de um desenvolvimento econômico com respeito a atividade florestal como símbolo da nossa nação.
Mercado
Vistos dessa forma, os mecanismos de certificação não são mais do que meros instrumentos de disputa mercadológica, sem significância efetiva para a ciência florestal, devendo ser adotados com o cuidado de representarem esforços de propaganda antes de instrumentos de identificação entre cidadãos e atividade florestal.
A prisão de madeireiros por utilização inadequada dos recursos florestais diz respeito a restrição de liberdade que não condizem com a realidade do setor. Se não existem mecanismos reais que garantam a manutenção das florestas nativas ao longo do tempo, ao contrário, os esquemas atuais parecem indicar sua efetiva destruição com o aumento populacional, agredir os empreendedores com ferramentas institucionais de coibição de atividade termina por atrasar ainda mais o desenvolvimento tecnológico, com prejuízos econômicos evidentes.
Embora exista alguma razão para se acreditar que a corrupção no setor florestal é uma realidade, ela não é absolutamente algo isolado no contexto nacional, que tem destaque internacional em seus altos índices de mau uso institucional. O que aparece como diferencial no caso florestal é que os presos são os donos das empresas, enquanto nos demais casos de corrupção a verdade sempre parece denunciar membros da máquina governamental como culpados: foi assim nas secretarias cariocas, na policia rodovia federal, com os juizes e em tantos e inúmeros outros casos.
Se quer realmente modificar a aparente perda de área florestal na Amazônia, o país tem de aceitar com tranqüilidade os esforços ambientalistas e ouvir os testemunhos históricos da luta por nossos recursos naturais, lembrando de que é a tecnologia que tem feito avançar a humanidade.
O fato de que os madeireiros podem efetivamente fazer uso das florestas como instrumento de crescimento econômico precisa despertar no nosso governo o interesse pelo desenvolvimento tecnológico do setor, de forma a torná-lo mais competitivo e lucrativo, antes de buscar lançar mão de policia para coibir a atividade.
Os povos e empresários florestais estão lutando por justiça no cenário das imposições que cerceiam sua competitividade, ao invés de receberem o apoio necessário a sua evolução e com eles da economia nacional, estão sendo retirados do palco. A ditadura verde esta fazendo prisioneiros os que lutam contra uma natureza hostil, enquanto conforta interesses da propaganda.
Antes de serem punidos, os madeireiros deveriam ser recompensados por indicar uma capacidade produtiva maior do que a estimada pelos organismos governamentais. Alguém consegue imaginar, por exemplo, um agricultor norte-americano ser preso porque tinha previsto uma colheita de 50 sacas de soja por ha, mas na verdade acabou com 55 sacas?
É uma vergonha nacional o fato de que o Brasil luta contra a realidade produtiva das empresas nacionais, baseando sua atuação antes do que nos fatos científicos em apelos da propaganda internacional. Se um madeireiro tinha previsto retirar 600m³ de ipê de uma determinada área e conseguiu ao invés disso 800m³ de ipê, o governo deveria aplaudir a capacidade produtiva e investigar suas razões para adequar o quadro produtivo.
As instituições estão antes voltadas para reduzir a capacidade produtiva buscando adequar prescrições gerais que não condizem com a própria evidente diversidade na Floresta Amazônica. A falta, novamente, de uma identidade do produtor florestal com o País é a maior responsável pela sua pouca representatividade na hora de tomar esse tipo de decisão.
O Brasil precisa de um órgão que promova o uso das florestas nacionais e sua entrada em mercados globais adequadamente, uma instituição que entenda, por exemplo, que 75% do que é comercializado, em termos de valor, no mercado mundial de produtos florestais fica com a Europa.
Os produtores florestais precisam de apoio tecnológico, de extensão, de infra-estrutura, de maquinário e de comercialização; o que tem sido oferecido são sistemas onerosos ou a cadeia.
Eder Zanetti. Eng Florestal, Msc. |