Madeira é um material construtivo versátil e competitivo no Brasil, País de forte vocação florestal. Pode-se agregar valor com emprego deste material em diversos setores, sendo um dos mais promissores o da construção civil. Hoje, aspectos como durabilidade, desempenho e custo continuam indispensáveis a qualquer análise de custo/benefício; porém, um novo fator vem crescendo no mercado: o ecológico inerente a cada matéria-prima. Este é um movimento mundial e certamente irreversível, que decorre da ampliação da consciência dos consumidores para a escassez e finitude dos recursos naturais do planeta. Porém, existem barreiras importantes a serem transpostas para que a madeira, especialmente a que é cultivada e tratada, ganhe espaço consistente no mercado brasileiro da construção. Uma das grandes barreiras é a falta de informação ou, pior, a desinformação.
A desinformação ainda ronda a madeira e representa um entrave importante ao seu uso pleno na construção civil. Exemplos da desinformação começam na própria formação de quem vai projetar e construir edificações, nas faculdades de engenharia e de arquitetura. No currículo escolar faltam, muitas vezes, disciplinas de cálculo estrutural de madeiras. Disciplinas de biodeterioração e preservação, para que as madeiras adquiram resistência aos organismos xilófagos como cupins, brocas e fungos são ainda mais remotas.
A preservação de madeiras ajuda a diminuir a pressão sobre florestas nativas. Ela permite o uso de madeiras cultivadas em reflorestamentos, como o eucalipto, que após tratamento adequado adquire durabilidade equivalente, em alguns casos até superior, à das melhores madeiras de lei. Estudos do Ipef, o Instituto de Pesquisas e Estudos Florestais da USP, apontam enorme potencial das florestas plantadas em São Paulo, Minas, Bahia, Espírito Santo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul para diminuir as derrubadas na floresta amazônica. Segundo o Ipef, hoje a indústria florestal brasileira planta, diariamente, cerca de 500 mil árvores de ciclo curto (crescimento rápido).
Florestas naturais, como a amazônica, merecem cuidados especiais de manejo sustentado para permanecerem florestas em todas as suas dimensões. Se não pelos argumentos dos ambientalistas, ao menos pelas evidências empresariais apontadas pela Embrapa: “desmatamentos naquela região para atividades econômicas dão retorno que não ultrapassa os 4%, enquanto o manejo florestal competente daria pelo menos 33%”.
Pesquisas recentes conduzidas por instituições de grande credibilidade como o Inpe, o Inpa e a Nasa, apontam uma capacidade incomparável da floresta amazônica para o seqüestro de carbono da atmosfera, da ordem de 900 milhões de toneladas anuais, sem falar na biodiversidade que ela abriga. A proposta dos preservadores é criar “pulmões” alternativos e dinâmicos, representados por florestas plantadas, verdadeiras “fábricas limpas” de madeira. Elas ajudarão a diminuir a pressão sobre espécies da floresta tropical, ao criar uma importante alternativa que é recurso natural renovável de ciclo curto: a madeira cultivada.
Para crescer, as árvores dependem de oxigênio e hidrogênio retirados da água, além da luz solar que lhes fornece energia para sintetizar grandes quantidades de dióxido de carbono retirado da atmosfera. Há centenas de milhares de anos, quando o estoque de carbono na biosfera terrestre estava em equilíbrio, grandes florestas de árvores adultas com suas taxas naturais de morte e reposição desempenhavam o papel de pulmão. Hoje, com o crescimento acelerado da atividade econômica e a queima crescente de combustíveis fósseis, as taxas de carbono livres na atmosfera cresceram em ritmo assustador. Especialmente pelo fato do dióxido de carbono ser considerado um dos maiores responsáveis pelo aquecimento do planeta, conhecido como efeito estufa, que ameaça a vida no planeta.
Ao contrário do que muita gente ainda pensa, o uso da madeira representa uma agressão muito menor ao ambiente do que outros materiais construtivos. É a única matéria-prima disponível para a construção de fato renovável. Além disso, ela representa um meio eficaz para se enfrentar o efeito estufa. Colher uma floresta cultivada no ponto ideal significa recolher madeira, ou dióxido de carbono na forma sólida. O uso que se dará a esta madeira será decisivo para o ambiente. Hamish Kimmins, professor de ecologia florestal da Universidade de British Columbia, defende usos de longa duração para a madeira colhida. Construir estruturas de casas e móveis significa manter por muitas décadas o carbono estocado e com possibilidades de reciclagem do material. Enquanto isso, nova floresta plantada em crescimento continua a seqüestrar de maneira acelerada taxas crescentes de dióxido de carbono da atmosfera e o ciclo se repete. Tratada com preservativos, essa madeira ganha uma vida útil excepcional e poderá permanecer estocada na forma de bens duráveis por um período ainda maior. Ultrapassa os 65 anos no caso das moradias. Para Kimmins, colher a madeira serrada faz da floresta cultivada um fosso de carbono permanente e ainda mais eficiente.
Existe hoje uma falsa idéia de “modernidade” que prega a substituição dos componentes de madeira por similares de concreto ou metal. Argumentos, os mais variados, vão de um pseudo-vantajoso custo/benefício a um nebuloso apelo ambiental para poupar florestas. Mas a verdade é que poupar florestas nativas depende de outro tipo de floresta, a que produz espécies de ciclo curto – como o eucalipto – para produção de madeira preservada. É a única fábrica limpa em todo o mundo que consome carbono da atmosfera e devolve oxigênio puro como “poluente”.
Por outro lado, o consumo energético também é um fator importante de comparação. Para se produzir uma tonelada de alumínio, o consumo energético medido em quilos equivalentes de carvão (kg/EC) é de 4200,0 unidades. Na produção de plástico o consumo é de 1800,0 kg/EC, para o aço 1000,0 kg/EC, para cimento 260,0 kg/EC, para concreto 26,0 kg/EC e para a madeira apenas 0,8 kg/EC.
Madeira tratada industrialmente em autoclaves, nas usinas de preservação, é moderna. incorpora tecnologia avançada. Sua produção é normatizada e obedece às legislações ambientais e de segurança. Trata-se de um recurso natural 100% renovável, ao contrário de seus concorrentes. Além do crescente mercado da construção civil, madeira preservada também é empregada com sucesso na construção de galpões, porteiras, currais, dormentes, postes para eletrificação e telefonia rural.
Há muito espaço para a madeira tratada no Brasil, que hoje produz em média 500 mil metros cúbicos por ano. É pouco, levando-se em conta seu potencial e comparando-o a outra nação de alto potencial madeireiro, como os Estados Unidos, que produzem anualmente 17 milhões de metros cúbicos. Desse total, 75% vão para a construção civil. No caso brasileiro, 62% vão para a produção de mourões, 30% para postes, 5% para dormentes e apenas 3% para a construção civil.
Madeira tratada: material inteligente para construção
"Categorias de Riscos" é o título de uma tabela que permite o uso inteligente de madeiras na construção civil. Trata-se de ferramenta eficaz que racionaliza o uso da madeira,
Permite definição prévia das condições de risco a que a madeira ficará exposta. Pode-se especificar tratamento adequado para cada situação, com base na normatização das categorias consagradas pela AWPA (American Wood Preservers’ Association), Book of Standards 2001.
O sistema foi criado especialmente para as madeiras de reflorestamento. No caso das madeiras de lei, deve-se conhecer seu grau de resistência natural ao apodrecimento a aos ataques de insetos. Além disso, é necessário pesquisar se ela pode ser tratada. Caso esteja em ambiente abrigado e sem contato com o solo, pode-se eventualmente dispensar o tratamento. Os tipos de preservativo e de processo para o tratamento da madeira devem ser escolhidos em função da situação de uso a que ela estará exposta. Madeira em contato com o solo estará numa situação bem mais crítica do que, por exemplo, um vigamento de telhado sem presença importante de umidade.
A AWPA – American Wood Preservers’ Association – baseou-se num estudo amplo sobre as situações de risco a que as madeiras estarão expostas numa construção, na área rural ou em transportes. A cada situação corresponde uma recomendação de tratamento. Prescreve-se o tipo de preservativo a ser utilizado, quantidade e processo ideais. É um importante aliado de construtores. No Brasil, a ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas – através da NBR 7190 normatizou “Projetos de estruturas de madeira”. No anexo “D”, a norma contempla “Situações de risco de biodeterioração”. É um avanço, mas ainda insuficiente. O exemplo da AWPA ainda é o mais completo.
A partir das normas estabelecidas pela AWPA e pela ABNT, pode-se definir margens seguras para o tratamento industrial de madeiras. Ele é feito nas usinas de preservação em equipamento chamado autoclave. O equipamento produz de maneira alternada vácuo e pressão, permitindo que o preservativo químico penetre profundamente e de maneira homogênea nas fibras da madeira.
Flavio Carlos Geraldo Presidente da ABPM – Associação Brasileira de Preservadores de Madeira
Setembro/2003 |