Vários estudiosos do setor vem chamando a atenção para o fato de que a pecuária é grande causadora do desmatamento da Amazônia enquanto apenas a indústria madeireira é acusada. O assunto tem sido tema de debates em eventos dirigidos ao setor florestal e agora esta tese ficou comprovada. Um estudo do Banco Mundial (Bird) indica que gado e não madeira impulsionou devastação nos anos 90.
A pesquisa do Bird aponta que o desmatamento registrado nos anos 90 na Amazônia Legal foi impulsionado pela pecuária de corte de média e grande escalas, praticada principalmente na chamada fronteira consolidada ou região oriental. É o que defende o relatório "Causas do Desmatamento da Amazônia Brasileira", do economista do Bird Sérgio Margulis, especialista em ambiente. Apontada como "altamente rentável" para os produtores se comparada a outras regiões, devido à disponibilidade de terra barata e a condições geoecológicas favoráveis, a pecuária leva, além do desflorestamento, à abertura de estradas. A construção dessas rodovias também aumenta a devastação, mostrando que o processo de ocupação da Amazônia se tornou autônomo, apesar da redução de incentivos públicos. Nas décadas de 70 e 80, a expansão econômica havia sido induzida por políticas governamentais.
Somente no biênio 2001-2002, a área devastada na Amazônia foi a segunda maior em 15 anos. No último período (2001-2002) foram 25.476 km² desmatados, representando um aumento de 40% em relação ao período anterior.
A expansão do desmatamento levou o governo federal a criar uma comissão interministerial para discutir medidas de contenção do problema. Técnicos que assessoram o grupo também devem apresentar um trabalho oficial que aponte os motivos desse crescimento. O governo planeja destinar R$ 20 milhões em operações de fiscalização.
O trabalho do Bird, divulgado recentemente e encaminhado ao governo federal, sugere que o foco das políticas públicas na Amazônia seja deslocado de madeireiros para pecuaristas, que teriam peso maior no desmatamento.
Para Margulis, "a viabilidade financeira da pecuária implica que o processo dos desmatamentos não gera apenas perdas. Ainda que os ganhos privados sejam menores que os custos sociais e ambientais, a renda gerada é significativa e financeiramente sustentável".
Porém, segundo o estudo, isso não significa que as políticas públicas devam apoiar a lucratividade e a viabilidade privada da pecuária. Para isso, seria necessária uma análise de custos e benefícios sociais e ambientais da pecuária e dos desmatamentos.
A secretária de Coordenação da Amazônia do Ministério do Meio Ambiente (MMA), Mary Allegretti, disse que estudos como o do Bird ajudam o governo a entender as causas e quem ganha com o desmatamento. "A lucratividade da pecuária na região aparece no final do processo. Após um acúmulo de serviços prestados por pequenos produtores, que, progressivamente, abrem caminho para a pecuária."
Para Adalberto Veríssimo, do Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia), o trabalho é importante porque chama a atenção para as regiões em que a pecuária gera riqueza na Amazônia. "Mas é preciso lembrar que o resultado se refere a área restrita e de produtores específicos, com acesso à tecnologia." Segundo Veríssimo, a especulação de terras e a falta de ordenamento do governo na região também devem ser apontados como causas do desmatamento.
Fiscalização forjada
Os pesquisadores do Projeto Genoma sustentam que a evolução do desmatamento continua associada à abertura de campos de pastagem, mas cresce a relação da derrubada de florestas com a expansão da soja, cujo retorno financeiro já estaria compensando o investimento da derrubada da floresta, mesmo em tempos de recessão econômica. O Projeto Genoma é uma rede de pesquisa ambiental da Amazônia que envolve, desde 2001, sete institutos do Ministério da Ciência e Tecnologia, entre os quais o museu paraense Emílio Goeldi. Os pesquisadores ligados ao Projeto constataram que alguns grupos forjam a fiscalização por satélite.
As áreas mais atingidas pelo “desmatamento ecológico” ficam na região da Terra do Meio, área de oito milhões de hectares no Pará, entre os rios Tapajós e Xingu. Entre as cidades com mais focos estão São Félix do Xingu, Tucumã e Redenção.
A coordenadora de pesquisa do Museu Emílio Goeldi, Ima Vieira, divulgou a informação que cerca de um ano após desmatar ilegalmente, normalmente com tratores de esteira, os invasores plantam capim, jogam a semente e transformam em pastagem. Só no terceiro ano a área é “enxergada” pelo satélite, mas aparece como desmatamento em área produtiva (o que não é considerado destruição da mata primária). Como não vê a queima e nem a fumaça, o satélite só descobre a área muito tempo depois, já como pastagem. Esta é uma das formas que os pecuaristas encontram para driblar a fiscalização por satélite.
O avanço do desmatamento na Amazônia, que em 2002 atingiu taxas só superadas pelos números de 1995 (ano em que ocorreu o maior desmatamento registrado no país), destruiu uma tese sustentada há uma década pelo movimento ambiental: de que a derrubada das florestas é mais intensa nos períodos de crescimento econômico, quando há dinheiro circulando.
Mas, a recessão do ano passado não evitou que o desmatamento atingisse patamares elevados. Os especialistas, na busca de explicações, apontam dois motivos: a campanha eleitoral (os órgãos de fiscalização teriam paralisado as atividades, esperando o próximo governo) e a soja, que tornou as terras amazônicas mais rentáveis para a agricultura do que para a pecuária.
Para os técnicos da organização não-governamental Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), essa combinação de fatores econômicos e políticos serve de alerta para os que apostam apenas na reação dos órgãos ambientais.
O problema é mais complexo e exige soluções de mais de um ministério. A soja está se fortalecendo em Mato Grosso porque é um produto de exportação, enquanto a pecuária perdeu a força no exterior por causa do antigo mal da vaca louca. Historicamente, segundo o Ipam, o desmatamento sempre ocorria pelo mesmo motivo, a conversão da floresta em pastos, mas o quadro mudou. O investimento, no passado e ainda hoje, era em pastagens. Mas surgiram novos fatores. A soja se estabeleceu em pastagens abandonadas. Sempre foi caro derrubar florestas. Em termos econômicos, é possível que, para alguns grupos, esteja sendo vantagem derrubar a mata para plantar.
Os pesquisadores não descartam, contudo, a influência do fator político na taxa de desmatamento. Para eles, até o elogiado sistema de licenciamento de propriedades rurais criado pelo governo de Mato Grosso foi afetado pelo processo. Com o uso de satélites (as imagens eram cruzadas com as autorizações para desmate), o programa conseguiu reduzir as taxas no estado em 2001. Mas os estudiosos afirmam que os resultados em 2002 deixaram a desejar:
No primeiro ano houveram bons resultados na redução do desmatamento. Mas, no ano passado houve pressão dos pecuaristas contra. Alegaram que estava retardando o programa de expansão da soja, além disso, era época de pré-eleição. Essa pressão teria se somado à incerteza das instituições públicas de fiscalização sobre o futuro governo e ao comportamento do próprio produtor. Os grandes pecuaristas resolveram se antecipar ao possível cancelamento das licenças de derrubada da mata.
O desmatamento na Amazônia está concentrado numa faixa que se estende pelo sul da região, do Maranhão até Rondônia. Essa faixa, denominada de Arco do Desmatamento, inclui Tocantins, Maranhão, Pará, Mato Grosso e Rondônia. A extensão total do arco é de 1,6 milhão de quilômetros quadrados, entre florestas e cerrados. No setor amazônico do arco, 38% já tinham sido desmatados em 2000, mas possivelmente o índice hoje é maior. Setembro/2003
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