Num país de dimensão continental como o Brasil é inconcebível que o sistema de transporte de passageiros e, principalmente, de cargas desconsidere o transporte ferroviário.A precariedade das estradas e as enormes distâncias a serem vencidas são desafios daqueles que precisam cruzar os quadrantes do País, sem terem outra alternativa de transporte. Até a metade do século XX, existiam muitas estradas de ferro e o transporte ferroviário tinha considerável importância no sistema viário do País. Na segunda metade do século XX, tais estradas foram abandonadas, sobrecarregando sobremaneira o transporte rodoviário.
Os primeiros dormentes para o leito dos trilhos foram feitos de blocos de pedra, em 1820, quando foram utilizados nos trilhos de várias ferrovias americanas. Devido a problemas de rigidez e inabilidade de segurar a bitola, esses dormentes foram logo abandonados. Na mesma época, uma linha de Boston experimentou a colocação de dormentes de madeira, que provou ser um sucesso, sendo, copiado pelas demais ferrovias. Os primeiros dormentes eram de carvalho, pinho, cedro, castanheira, cipreste e muitas outras madeiras. A abundância dessa matéria-prima, localizada sempre próxima às ferrovias, não preocupou os empresários de então sobre a sua durabilidade. Com o passar dos anos, houve um aumento no consumo de madeira, levando à necessidade de se pensar em prolongar a vida útil, bem como utilizar certas madeiras consideradas macias.
Inicialmente, os dormentes não possuíam um padrão e cada ferrovia tinha uma especificação. Os primeiros dormentes eram quase sempre roliços, pois eram confeccionados a machado e, na sua grande maioria, lavrados nas suas duas faces. No Brasil, devido à existência de inúmeras madeiras duras, onde somente se utilizava o cerne, dava-se a preferência para os dormentes de essências nobres, como maçaranduba, aroeira, faveiro, ipê, jacarandá etc. Em face do escasseamento dessas espécies, partiu-se para a madeira de florestas plantadas, como o eucalipto.
Há muito tempo, a utilização da madeira de eucalipto como dormente é realizada com sucesso em vários países, como Austrália, Portugal, França Estados Unidos, Inglaterra, Canadá, Argentina e Uruguai. Na Austrália, as madeiras de Eucalyptus marginata e Eucalyptus diversicolor são consideradas inigualáveis e insubstituíveis para o uso em leito ferroviário. Tais madeiras apresentam uma vida útil comprovada de trinta anos, sem nenhum tratamento preservativo industrial. Os primeiros dormentes de madeira de eucalipto usados, em larga escala, no Brasil, foram na Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, em 1907, quando a firma americana MAY, JACKY e RANDOLPH importou 80.000 dormentes da Austrália. Tal importação foi considerada um gesto absurdo, pois desconsiderou uma das regiões mais ricas em madeiras nativas do planeta.
Principais características tecnológicas desejáveis para dormentes
Massa específica – a massa específica reflete bem a contextura das fibras, conferindo à madeira a resistência aos efeitos mecânicos. É sabido que a maior causa de degradação dos dormentes e o seu desgaste mecânico e não o seu apodrecimento. A tabela 1 apresenta dados de uma pesquisa realizada pela American Woods Preservers Association e comprova que uma porcentagem mínima de dormentes foi substituída por problemas de apodrecimento.
É sabido que os dormentes, ao sofrerem a ação de pesadas cargas, estarão sujeitos a severos desgastes nas zonas de entalhe, pelo patim dos trilhos. Algumas espécies, como Eucalyptus citriodora, E. creba, E. maculata, E. paniculata, E. siderophoia, E. botryoides, E. camaldulensis, E. rostrata, E. tereticornis, E. sideroxylon, pelos altos valores de massa específica já se mostraram aptas para a produção de dormentes. Tais espécies, além da elevada durabilidade natural, apresentam elevados valores de resistência mecânica, sendo indicadas para dormentes em ferrovias com elevada densidade de tráfego.
2) Dureza – Como a madeira trabalha em contato direto com a ferragem dos trilhos ou de blocos de apoio ou com as pedras de lastre, é conveniente que a madeira utilizada para a fabricação de dormentes tenha uma dureza Janka variando entre 645 a 1.108 kg/cm2. As madeiras de eucalipto anteriormente citadas apresentam uma dureza média de 871 kg/cm2, com um valor médio para essa propriedade muito superior aos encontrados na maioria das madeiras nativas.
3) Resistência ao arrancamento de pregos - é sabido que as composições ferroviárias em movimento exercem consideráveis pressões laterais e verticais sobre os trilhos, em função de seu peso e do efeito da força centrífuga, que é consideravelmente aumentada nas curvas. Considera-se, pois, uma característica extremamente importante para um dormente segurar bem os pregos e tirefões para evitar que o afrouxamento dos mesmos enfraqueça o sistema de fixação. Nos testes realizados no IPT, em São Paulo, as espécies Eucalyptus paniculata, E. siderophloia e E. citriodora apresentaram valores de resistência ao arrancamento de pregos superior aos valores encontrados nas espécies nativas usualmente utilizadas na produção de dormentes.
4) Resistência à flexão estática - todas as espécies de eucalipto citadas anteriormente apresentaram valores de limite de resistência à flexão estática superiores às espécies nativas usadas para dormentes, como angico-vermelho, peroba-rosa, pequiá etc.
5) Módulo de elasticidade – quanto ao módulo de elasticidade à compressão e à flexão, as espécies Eucalyptus paniculata, E. siderophloia, E. maculata, E. citriodora, E. botryoides apresentaram valores superiores aos encontrados nas espécies nativas, como angico-vermelho, peroba-rosa, pequiá etc.
6)Flexão dinâmica (choque) -como as solicitações das cargas rolantes se apresentam sob a forma de choques sucessivos e de intensidade variável, a flexão dinâmica ou choque se torna um índice muito importante para a previsão do comportamento do material na linha férrea. Os valores apresentados pelas espécies de eucaliptos mencionadas anteriormente são superiores aos encontrados nas espécies nativas, como angico-vermelho, peroba-rosa, pequiá e todas as madeiras consideradas “de lei”.
7) Fendilhamento -o fendilhamento é uma das características mais importantes na qualidade da madeira para dormente. As rachaduras e o fendilhamento provocam o afrouxamento dos pregos ou tirefões, exigindo-se furar novamente a peça e, conseqüentemente, causando o enfraquecimento do sistema de fixação. Algumas espécies de eucalipto, como Eucalyptus grandis e E. saligna, apresentam uma tendência de fendilhamento na seção radial, rachando em duas partes e inviabilizando a utilização posterior do dormente, embora ele pudesse apresentar perfeitas condições de sanidade. Dentre as espécies testadas pelo IPT, as espécies Eucalyptus citriodora, E. maculata. E. siderophloia e E. paniculata mostraram-se altamente resistentes ao fendilhamento e dispensaram quaisquer outros tratamentos para evitar o problema de rachaduras; em contrapartida, as espécies Eucalyptus tereticornis, E. rostrata e E. botryoides apresentara,m leve e moderada tendência ao fendilhamento e exigiram a aplicação de conectores anti-rachantes (“gang-nail”) ou cintamento (cinta externa).
Tipos de dormentes
Normalmente se utilizam 1.600 dormentes por quilômetro de linha férrea. Os dormentes são classificados de várias maneiras, em função de suas dimensões:
Dormentes de 1a – retirados de madeira de 30 cm de diâmetro
Dormentes de 2a – retirados de madeira de 20 cm de diâmetro
Dormentes de 3a – retirados de madeira de 18 cm de diâmetro
Basicamente existem quatro tipos de dormentes:
a) Dormente roliço – é o tipo de dormente que é utilizado na sua forma mais natural e os cortes horizontes são feitos apenas nos pontos de pregação. As costaneiras ficam integrais na madeira. É a forma mais primitiva de dormente.
b) Dormente semi-roliço – é o tipo de dormente que apresenta apenas a parte superior serrada, onde se fixarão os grampos.
c) Dormente de duas faces – é o tipo de dormente que apresenta duas faces serradas e duas faces abauladas. As faces serradas ficam nas partes superior e inferior do leito da ferrovia e servem para apoio e fixação dos pregos.
d) Dormente prismático – é o tipo de dormente em que as quatro faces são serradas e a peça é quadrada. É a forma mais aprimorada de dormente.
Propriedades do dormente:
O dormente deverá apresentar as seguintes propriedades:
a) Os dormentes deverão estar isentos de fendas, brocas, ardidos, nós cariados, reentrâncias e fraturas transversais;
b) As peças devem ser retilíneas e os topos cortados em esquadrias;
c) devem estar totalmente livres ou isentos de casca;
d) Devem estar isentos de tecido medular, no caso de dormentes prismáticos e semi-roliços;
e) Devem sofrer um período mínimo de secagem, aproximadamente, 90 dias;
f) Os topos devem estar protegidos com uma solução impermeabilizante;
g) Devem apresentar dimensões padronizadas:
. Comprimento 2,00 m
Largura ou diâmetro 0,24 m
. Altura 0,16 m
São considerados limites de tolerância às situações que apresentarem os dormentes variando:
Comprimento: variação no comprimento de 1,95 a 2,00 m.
Bitola - varia de acordo com o tipo de dormente:
- dormentes roliços – admite-se uma variação de 0,06 m (seis centímetros) para mais ou para menos; quanto ao diâmetro, a variação é de 18 a 30 cm.
- dormente de duas faces – admite-se uma variação de até 0,01 (um centímetro) na altura e uma variação máxima e mínima de 0,03 m (três centímetros) e 0,02 m (dois centímetros), respectivamente, na parte mais abaulada das faces laterais.
- dormente semi-roliços – admite-se uma diferença máxima de 0,02 (dois centímetros) na largura da base; na altura, a variação é de 0,03 (três centímetros) para mais e 0,01 (um centímetro) para menos, medindo-se no centro da base, baseando-se na espessura da peça na zona de pregação. Tolera-se para menos até 0,08 (oito centímetros) de altura na cabeceira do dormente.
- dormente prismáticos – admite-se uma variação de 0,015 m ( um centímetro e meio) para menos na largura e na altura.
c) Fendas – apresentam rachaduras no topo, no máximo de 0,005 m (cinco milímetros) de abertura até 0,25 m (25 centímetros) de comprimento. Os dormentes tipo roliços que apresentarem rachaduras de topo com, no máximo, 300 mm de retração e 10 mm de abertura terminal e/ou rachaduras de centro com menos de 300 mm de comprimento, 10 mm de abertura superficial e profundidade inferior à metade de espessura da peça; as rachaduras sucessivas cuja soma ultrapasse a terça parte do comprimento da peça eliminam as tolerâncias individuais de rachaduras de centro. Os dormentes eliminados por fendas poderão ser recuperados com o auxílio de dispositivo anti-rachante ( cintamento ou gang-nail)
d) Reentrâncias ou cavidades - apresentam reentrâncias ou cavidades de até 0,02 m (dois centímetros) de profundidade na zona de pregação e de até 0,04 ( quatro centímetros) na parte central do dormente.
e) Furos de insetos – apresentam ataque incipiente, furos de brocas, poucos e dispersos e orifícios, não ultrapassando 0,01 ( um centímetro) de diâmetro e não estejam em forma de anel.
f) Ardidos – não serão aceitos dormentes com tecido lenhoso ardido na parte do cerne, tolerando-se sinais de infestação nas camadas do alburno desde que não atinjam mais de 1 centímetro de profundidade.
g) Gretas – serão tolerados os que apresentarem pequenas gretas ou fendilhados em conseqüência da secagem.
h) Não poderão ser utilizados, sob hipótese alguma, os dormentes ocos e os que apresentarem brocas, saliências ou reentrâncias na zona de pregação.
Prof. José de Castro Silva
Prof. DEF/UFV
Agosto/2003 |