A Convenção do Clima foi estabelecida para tratar o problema do aquecimento global de maneira formal entre os governos dos mais de 200 países signatários. Seu principal objetivo é a redução das emissões dos Gases Efeito Estufa (GEE) e a possibilidade de que atividades florestais promovam uma captura dos GEE pela fotossíntese das plantas, que retiram o CO2 da atmosfera e o transforma em biomassa florestal. Esta é uma das poucas alternativas eficientes para retirar o CO2 da atmosfera, ao mesmo tempo em que é a única que não demanda energia armazenada, pois utiliza a luz solar para fazê-lo.
Em 1997, na reunião COP-3, ocorrida no Japão, foi criado o Protocolo de Quioto, que propõe compromissos legais aos países industrializados de redução de emissões dos GEE. Foram propostos também mecanismos que permitem a estes países buscarem auxílio para atingi-los, ou seja, um sistema de troca caso um país consiga superar suas metas e outro não (Joint Implementation e Emissions Trade). Além disso, uma derivação foi criada para que países não industrializados pudessem oferecer projetos que comprovassem reduções de emissões líquidas ou até mesmo de seqüestro de carbono, ambos com evidências de adicionalidades por meio de um processo de certificação independente (Mecanismo de Desenvolvimento Limpo – MDL). Criou-se o "mercado de carbono", cuja commodity será negociada por Certificados de Redução de Emissões (CRE) previstos no MDL.
A questão florestal causa polêmica, pois dá a ilusão de que todo CO2 fixado pelas plantas possa valer para esse mercado emergente. O assunto é bem mais complexo do que o simples fato das plantas verdes retirarem o carbono da atmosfera e o transformar em madeira. Trata-se de um sistema de transação internacional que requer uma sistematização sólida, com regulamentações internacionais e específicas em cada país participante, além de um arcabouço científico e econômico claro.
Durante a reunião COP6 de Haia, ocorrida em novembro deste ano, os EUA trouxeram os seus números controversos sobre o crescimento de suas florestas tentando utilizar o crescimento florestal no país como alternativa à redução que se faz necessária para atingir seus compromissos. No inventário nacional de emissões os EUA incluíram o crescimento florestal como absorção líquida dos GEE ocorridas no país, em contraponto às emissões líquidas ocorridas com o uso de combustíveis fósseis. A projeção desses dois componentes transforma os EUA num país com enorme crédito de emissões de GEE, e não mais como o principal emissor mundial que é.
Os EUA, como país do Anexo 1, pode utilizar os mecanismos de Joint Implementation e Emissions Trading, que não necessitam da comprovação da adicionalidade, pois são baseados nos inventários nacionais. Assim, a proposta dos EUA pode ser entendida como uma distorção dos preceitos da Convenção dado que a maior parte do crescimento florestal utilizado na sua contabilidade não é decorrente de ação direta do homem, pois já ocorreria naturalmente. Caberia aos negociadores contrapor tal proposta por meio da necessidade de um requisito de adicionalidade. Com isso, a proposta americana cairia por terra.
O Brasil, por sua vez, tem defendido uma controversa posição de não aceitar as florestas nativas "em pé" para projetos de MDL. Com isso, fracionou um importante grupo de ação nas Américas, e obscureceu o assunto sem a menor utilidade prática.
No âmbito das florestas implantadas, o governo brasileiro tem defendido e aceitado as atividades florestais para o MDL. Entretanto, percebe-se que as atividades florestais comerciais, como as plantações de eucalipto e pinus, oferecem pouca elegibilidade em relação aos critérios de adicionalidade que são previstos no Protocolo de Quioto. Deve-se, portanto, buscar alternativas, tanto para otimizar os ordenamentos florestais e maximizar o seqüestro de carbono além da produção florestal, como também procurar as alternativas das propriedades florestais que possam oferecer adicionalidades, como recuperação de áreas degradadas, anexando novas áreas, e também adotando novas tecnologias que ainda são inviáveis, mas que com recursos adicionais do mercado de carbono possam tornar-se viáveis.
Devemos perguntar: a Convenção do Clima e o Protocolo de Quioto serão um "cabresto" do setor privado mundial, ou uma nova visão de existência no planeta? Se os países (governos, ONGs, sociedade, etc.) tomarem a posição de cabresto, podemos apostar que estaremos vendo mais e mais reuniões do tipo das COPs com pouco resultado prático e um possível esvaziamento do Protocolo de Quioto, dificultando a implementação da Convenção do Clima.
* Warwick Manfrinato (warwick@cena.usp.br) e Marcelo Theoto Rocha (matrocha@esalq.usp.br) são engenheiros agrônomos e pesquisadores do NEPEMA/CEPEA. Manfrinato é mestrando no Centro de Energia Nuclear na Agricultura (CENA) e Rocha é Mestre em Economia Aplicada e Doutorando da ESALQ/USP.< |