O sequenciamento completo do genoma do eucalipto, uma espécie de grande importância para a economia brasileira, base da indústria florestal de celulose, papel, aço e produtos de madeira, foi concluído
A rede internacional EUCAGEN (Eucalyptus Genome Network) iniciou o projeto em 200, liderado por cientistas de três países: Alexander Myburg da Universidade de Pretória (África do Sul); Dario Grattapaglia, da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia (Brasil), e Gerald Tuskan, do Joint Genome Institute (JGI), do Departamento de Energia dos Estados Unidos (DOE).
O estudo, que analisou o genoma de 640 milhões de pares de bases do eucalipto, contou com a participação de mais de 80 cientistas de 30 instituições em nove países. Do Brasil, além da liderança da Embrapa, fizeram também parte do projeto pesquisadores da Universidade Católica de Brasília, Universidade de Brasília, Universidade Federal de Viçosa, Universidade Federal do Rio de Janeiro e Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Este é o primeiro projeto co-liderado pelo Brasil que sequenciou inteiramente o genoma de uma planta, comprovando a capacidade científica do país em pesquisa genômica voltada para o melhoramento genético de espécies florestais - área na qual o Brasil é reconhecidamente líder mundial.
O projeto, que resultou no sequenciamento completo do genoma do eucalipto, foi aprovado em 2008 pela "usina" de sequenciamento de DNA, Joint Genome Institute (JGI), do Departamento de Energia dos Estados Unidos (DOE), a partir de um projeto submetido pela rede Eucagen, que concorreu com mais de 120 outros projetos na época.
O Brasil teve participação fundamental na idealização e sucesso do projeto. A árvore de eucalipto, cuja configuração genética passou a representar o chamado "genoma de referência", é da espécie Eucalyptus grandis - a espécie tropical mais plantada no Brasil. Esta árvore, batizada BRASUZ1, foi desenvolvida pelo programa de melhoramento genético da empresa Suzano, e selecionada pelos membros do projeto por possuir propriedades genéticas únicas que facilitaram o trabalho de bioinformática na montagem e interpretação do genoma.
Além disso, o Brasil contribuiu com dados de mapeamento genético e físico desenvolvidos entre 2002 e 2008 pelo projeto Genolyptus (Rede Brasileira de Pesquisa do Genoma de Eucalyptus), que aceleraram a montagem final do genoma. O Genolyptus, executado por sete universidades, a Embrapa e 14 empresas florestais, deu um salto importante na geração e integração de ferramentas moleculares no melhoramento do eucalipto no Brasil, além de ter criado a massa crítica que agora vai poder utilizar o conhecimento do genoma.
"Um dos grandes desafios para a geração sustentável de produtos da madeira e bioenergia no futuro é a compreensão das bases moleculares do crescimento e adaptabilidade de plantas perenes" explica Dario Grattapaglia, que foi o idealizador e coordenador da Rede Genolyptus.
Crescimento rápido
O eucalipto é uma árvore de crescimento rápido, ampla adaptabilidade aos mais diferentes ambientes e excelente madeira para vários fins industriais. É plantado em mais de 100 países tropicais e subtropicais e cumpre papel essencial para a produção sustentável de matéria prima para papel, celulose, energia e madeira sólida, contribuindo de forma decisiva para que as florestas nativas permaneçam intocadas para estas finalidades.
"Existem muitos mitos equivocados sobre o eucalipto. Na verdade, há uma tripla função altamente benéfica para o meio ambiente, que sequestra carbono da atmosfera e é fonte eficiente e sustentável de produção de biomassa lenhosa, além de contribuir para a recuperação de áreas degradadas. Hoje, 100% do papel e das centenas de produtos à base de fibra de celulose vêm de florestas plantadas. Além disso, o eucalipto é a base de uma ampla cadeia produtiva que emprega centenas de milhares de pessoas em todo o país e é fonte de renda em pequenas, médias e grandes propriedades rurais, sem exceção" afirma o pesquisador da Embrapa
A área cultivada com eucalipto no planeta é estimada em pouco mais de 20 milhões de hectares. É a árvore folhosa mais plantada no mundo, sendo que o Brasil cultiva cerca de cinco milhões de hectares e possui as maiores produtividades mundiais, derivadas de muita tecnologia silvicultural e genética superior inteiramente desenvolvidas no país. No Brasil, o eucalipto, como matéria-prima da indústria, é responsável por cerca de 2% do PIB e figura entre os principais produtos na pauta de exportação com uma contribuição de US$ 6 bilhões por ano e geração de mais de dois milhões de empregos diretos e indiretos.
A decodificação da sequência completa do genoma do eucalipto resultou na identificação de todos os 36 mil genes da árvore, quase o dobro dos que são encontrados no genoma humano. A sequência publicada na revista Nature já havia sido disponibilizada online pelo projeto EUCAGEN no banco mundial de genomas (GenBank) desde 2011, com o objetivo de acelerar centenas de projetos de pesquisa aplicada que já estavam em andamento.
"O genoma do eucalipto representa um verdadeiro manual de instruções para todos os projetos que visam compreender a base genética do seu rápido crescimento e sua inigualável capacidade de adaptação aos mais variados ambientes", ressalta Grattapaglia. Segundo ele, entender a base molecular da plasticidade do eucalipto é hoje um elemento chave para a sustentabilidade da indústria de base florestal frente às mudanças climáticas que tendem a aumentar a incidência de secas, geadas e grandes flutuações de temperatura.
Além de gerar a sequência do genoma da árvore BRASUZ1, o projeto também sequenciou e analisou o genoma de uma segunda espécie adaptada a climas temperados, o Eucalyptus globulus, e investigou como o genoma controla o crescimento da árvore, integrando os dados genômicos com dados de campo levantados em projetos desenvolvidos no Brasil pela Embrapa e empresas parceiras.
"Diferentemente do que se pensava até alguns anos atrás, nós descobrimos que não são apenas algumas dezenas ou mesmo centenas de genes individuais que controlam o crescimento e adaptabilidade do eucalipto, mas sim milhares de genes e segmentos genômicos de função ainda desconhecida distribuídos por todo o genoma, operando em conjunto de forma integrada", explica o pesquisador. Se, por um lado, essa descoberta aumenta a complexidade da pesquisa de genômica funcional que vai ocorrer nos próximos anos, por outro lado, revela a ampla diversidade genética ainda disponível no eucalipto para o melhoramento de sua produtividade e qualidade da madeira.
O Brasil, que tem se destacado no cenário mundial de melhoramento genético e pesquisa genômica aplicada do eucalipto, resultado de mais de 30 anos de estudos desenvolvidos por instituições públicas e privadas, está em uma posição privilegiada para aproveitar de forma objetiva e concreta a informação disponível no genoma do eucalipto. Além disso, o sequenciamento deste genoma é um passo determinante para que a ciência possa expandir seu conhecimento a respeito da evolução e da biologia adaptativa de plantas perenes, o maior repositório terrestre de carbono no planeta. |