Entre 2008 e 2011, uma seqüência de projetos de apoio aos APLs do setor madeireiro e moveleiro, de Arapongas e Telêmaco Borba e de municípios com baixo IDH do Sul e Sudoeste do Paraná foram idealizados e desenvolvidos por docentes dos departamentos de Arquitetura e Urbanismo, de Estruturas e de Construção Civil da UEL, em parceria com o SENAI de Arapongas, PR. Destes, destaca-se um projeto de pesquisa - Procedimentos para o incremento da qualidade do mobiliário fabricados à base de produtos de madeira para as indústrias dos APLs de Arapongas e Francisco Beltrão, Paraná - e um projeto de extensão tecnológica empresarial - Melhoria da qualidade da madeira para micro e pequenas empresas moveleiras do Paraná. O objetivo principal foi desenvolver equipamentos e procedimentos que permitissem agregar valor a madeira serrada processada por pequenos produtores e ao mesmo tempo adicionar vantagens competitivas aos consumidores deste insumo, como aumento de produtividade, diminuição do tempo do ciclo de fabricação de produtos a base de madeira, redução de perdas e menor comprometimento financeiro com estocagem de materiais. A elaboração do projeto e execução de um protótipo de câmara com desumidificação para secagem de madeira, acessível a pequenas empresas deste setor, está inserida nesta seqüência de projetos.
Os investimentos da cadeia dos produtos sólidos de madeira de reflorestamento, visando ao uso múltiplo de florestas plantadas, têm efeitos alavancadores sobre o emprego na produção moveleira e construção civil, setores intensivos em mão-de-obra. É relevante observar que o segmento de madeira serrada, compensados, painéis de madeira industrializada e móveis foi o terceiro maior consumidor de madeira em tora em 2009, com significativos 24,6 % da produção nacional.
Porém, enquanto a madeira serrada destinada à exportação para fabricação de mobiliário ou para uso em componentes da construção civil é classificada e seca a teores de umidade pré-determinados, de modo geral, a prática da secagem controlada da madeira para uso no mercado interno ainda é pouco difundida, pouco utilizada e nem sempre é exigida pelo mercado consumidor.
A classificação e a secagem controlada são etapas importantes para o controle de qualidade no processo de fabricação do mobiliário e de componentes para a construção civil a base de madeira serrada. Se assumidas pelo produtor desta, permitiriam ao fabricante de móveis a redução do tempo de giro do capital e de devoluções ou reposições em função de desempenho inadequado de componentes – qualidade controlada. Porém, para que este produtor possa desenvolver estas atividades e agregar valor à madeira serrada, a exigência de matéria prima de qualidade definida e superior deveria partir do fabricante de móveis ou do construtor, isto é, do consumidor do produto final. A decisão de secar ou não a madeira é pautada principalmente pela intenção de reduzir o custo final do produto industrializado e este deve ser avaliado dentro de um contexto mais amplo.
A necessidade de fornecer informações com ênfase na etapa de secagem levou ao desenvolvimento, execução e ensaios de operação de um protótipo de câmara com desumidificação para secagem artificial de madeira.
MATERIAL E MÉTODOS
A câmara com desumidificação para secagem artificial de madeira com controle digital foi construída com dimensões internas da câmara de 2,32m x 2,50m x 4,62m (largura x altura x profundidade). Fechamento interno das paredes em chapas de Compensado Naval espessura 15 mm e fechamento externo em chapas de OSB com espessura de 15 mm, impermeabilizados com resina poliéster ortofitálica. O isolamento entre as placas foi composto por placas de poliestireno expandido com espessura de 5 cm e densidade: 11 a 13 Kg/m3. A capacidade de carga máxima é de até 7 m3 de madeira serrada.
O sistema microprocessado utilizado para controle da câmara é do fabricante Digisystem Indústria de Sistemas Eletrônicos Ltda., modelo CRG 08 KD/HT. Possui dois sensores eletrônicos digitais de temperatura interna e quatro medidores eletrônicos digitais de umidade da madeira. Possui saída/entrada USB para comunicação com microcomputador PC, para aquisição de dados.
O sistema de aquecimento é composto por um conjunto trifásico de resistências, de 3 KW/ 220 Volts, 3.000 W, desenvolvido para o aquecimento da câmara de secagem. Este sistema possui um comando digital individual adicional com isolação galvânica, isoladores de porcelana, e conectores de porcelana.
A umidade é garantida por um Sistema de Vaporização de Água: um tanque com alimentação externa, e aquecimento por resistência elétrica com comando digital individual adicional, isolado galvanicamente.
A umidade é reduzida pelo Sistema de Retirada de Umidade: um compressor com comando digital, com sistema evaporador vertical construído em tubo de cobre e condensador de 1HP.
A circulação de ar forçada pelo Sistema de Ventilação composto por 12 pequenos ventiladores de 1/25 Hp, com diâmetro 25cm e com pás de alumínio.
O conjunto possui isolação galvânica digital com o módulo de comando de potência em estado sólido de 40 ampéres, proteção por disjuntores e fusíveis para as potências correspondentes e indicadores luminosos das operações correspondentes.
Além dos testes com o equipamento e dispositivos sem carga de madeira serrada, foram realizados três ciclos completos de secagem de madeira de Pinus spp com espessura de 30 mm. Para os três ciclos de secagem ensaiados foram usadas peças de 150 x 30 x 2000 mm. A madeira foi cedida por um pequeno fabricante de móveis de madeira maciça (camas e beliches). Este fabricante adquiria toras, realizava o desdobro e a secagem natural em pátio da própria fábrica, porém, não conseguia obter lotes com teor de umidade da madeira desejado razoavelmente homogêneo em um tempo menor do que 60 dias. Isto exigia um estoque maior e, conseqüentemente, uma área de pátio disponível maior.
Os lotes ensaiados foram transportados até o laboratório de estruturas pelo referido fabricante. Durante o carregamento da câmara, foram retirados corpos de prova para o cálculo do teor de umidade (TU) das peças de madeira em função da relação entre o peso úmido (Pu) e o peso seco (Ps), conforme Equação 1. Os corpos de prova foram pesados e secos em estufa elétrica a 103±2o C até atingirem um novo peso constante.
Na aferição do TU foram consideradas separadamente as peças de corte tangencial e de corte radial (Tabelas 1, 2 e 3). Os teores de umidade dos lotes/ ciclos apresentavam uma grande variação em função de uma pré-secagem dependente das condições climáticas no período. Cada lote, individualmente, também apresentava grande variabilidade de teor de umidade das peças, principalmente entre as de corte tangencial e as de corte radial, em função da ausência de classificação e separação por ocasião do desdobro.
Os ciclos de secagem 01 e 02 eram de 4,32 m3 e o lote do ciclo 03 de 7,02 m3. Nos ciclos 01 e 03 o teor de umidade inicial da madeira era próximo de 40% para peças de corte tangencial e próximo ou superior a 100% para peças de corte radial. O lote utilizado no ciclo 02 foi enviado em um período de baixa umidade relativa na região e o teor de umidade inicial do lote era próximo do PSF (ponto de saturação das fibras), em torno de 30%.
Em todos os ciclos aqueceu-se gradativamente o interior da câmara, mantendo a umidade relativa próxima de 85%, até que o lote de madeira atingisse uma temperatura pouco acima de 45o C. Após o aquecimento, mantida a temperatura, o desumidificador foi acionado e a umidade da câmara e, conseqüentemente, o TU da madeira foi reduzido inicialmente até o PSF (ponto de saturação das fibras) e em seguida até o desejado em função sua aplicação final em móveis. Buscou-se evitar a saída irregular da água contida na madeira antes do aquecimento homogêneo do lote e, desta maneira, minimizar os defeitos de secagem - rachaduras, empenamentos, etc.
A programação que gerenciou os dispositivos da câmara em cada ciclo de secagem (Tabela 4) foi dividida em até 7 fases que podem ser agrupadas em três etapas principais: fases iniciais de aquecimento e homogeneização das condições da câmara e do lote (fases 0 e 1 ou 0, 1 e 2), fases intermediarias ou de pré-secagem (fase 2 ou 3) e fases de secagem (fases 3 a 6 ou 4 a 7). Para cada uma das fases foi especificada uma faixa delimitadora em horas ou em condições de variação do TU da madeira, além das condições de UR dentro da câmara. Por exemplo: no ciclo de secagem 01 (Tabela 4) as fase 0 e 1 indicam uma faixa com duração em horas (--/00%U + 11 Horas e --/00%U + 8 Horas), 11 horas na fase 0 e 8 horas na fase 01, com o sistema de vaporização ligado (Banho on/off = 9/0) para manter a UR alta enquanto o sistema de aquecimento elevava a temperatura de bulbo seco até o valor solicitado (Ps = 40oC para a fase 0 e 45oC para a fase 1). Atingido o período delimitado de horas automaticamente vigoravam os comandos da fase seguinte. No mesmo exemplo, Tabela 4, as fases 2 a 6 têm sua faixa delimitada pela variação do TU da madeira. Na fase 2, a temperatura (Ps) da câmara aumentou de 45 para 50oC e a mudança de fase ocorreu apenas quando a madeira, partindo do estado verde, atingiu o TU de 30%, não havendo limite de horas para que isto ocorresse (fase 2 – faixa = Vd – 30%U + 00 Horas). A partir do PSF a temperatura foi aumentada para facilitar a retirada da água de adesão (fases 3 a 6).
O objetivo das fases iniciais - fases 0 e 1 o fases 0 a 2 - foi aumentar a temperatura do ambiente interno da câmara e homogeneizar a temperatura no lote de madeira. Isto foi realizado com o Sistema de aquecimento (resistências elétricas) e com o Sistema de movimentação do ar (ventiladores). A capacidade do ar de absorver umidade cresce com o aumento de temperatura. Se necessário, era inserido vapor d’água de maneira controlada na câmara para evitar que houvesse redução de umidade nas peças de madeira antes da homogeneização de temperatura. A Ur (umidade relativa) do ambiente foi mantida próxima de 85%.
Na fase intermediária ou de pré-secagem - fase 2 ou fase 3 - ocorreu a retirada da água livre. Para isso procurou-se manter a temperatura e promover a retirada de umidade e/ou a renovação do ar saturado da câmara por outro mais seco. Isto foi realizado com o acionamento do sistema de desumidificação (que condensa a umidade do ar e escoa o líquido para fora da câmara) e pelos “dampers” (janelas para renovação do ar). A redução de umidade foi constante, em movimento capilar do interior para a superfície da madeira até o PSF (ponto de saturação das fibras), quando a umidade média da madeira (Um) obtida pela média aritmética das umidades observadas nos medidores elétricos (neste caso: U1, U2, U3 e U4) é em torno de 30%. A partir desta fase não pode ser inserido na câmara ar úmido ou produzido vapor que não seja o retirado da superfície da madeira.
Na fase de secagem – fase 3 ou fase 4 em diante - ainda ocorreu a retirada da água livre restante, mas também iniciou a retirada da água de adesão ou higroscópica. A importância da convecção proporcionada pelo movimento do ar forçado pelos ventiladores começou a ter relevância menor que a transferência de calor por condução promovida pela diferença de temperatura e pelo gradiente de umidade entre as camadas internas e a superfície da madeira e entre esta e a camada de ar da câmara de secagem. Nesta fase promoveu-se um aumento gradativo da temperatura a cada redução de 8% na Um da madeira.
Após a conclusão de cada ciclo, durante a retirada da madeira da câmara, mediu-se o teor de umidade em diversas peças em todo o volume da carga de madeira. A medição foi realizada com medidor elétrico digital de agulhas, com o objetivo de averiguar a variação e distribuição dos distintos teores de umidade.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os três ciclos de secagem representaram uma seqüência de aperfeiçoamentos no uso do equipamento e na compreensão do processo de secagem para esta câmara. Embora com a mesma espécie e dimensões (Pinus spp com espessura de 30 mm), os lotes apresentavam teores de umidade inicial da madeira significativamente distintos (Tabelas 1, 2 e 3).
Os resultados dos ciclos 01 e 02 foram satisfatórios. As peças apresentaram poucos defeitos de secagem (rachaduras, torções, etc.).
No ciclo 03 as peças também apresentaram poucos defeitos oriundos da secagem, porém parte das peças do lote (em torno de 20%) não secou adequadamente, ficando com umidade final muito acima de 15%.
A umidade média (Um) do conjunto de leituras dos medidores elétricos (U1, U2, U3 e U4) para o ciclo 03, lote próximo da capacidade máxima da câmara, não foi representativa do real estado do lote como um todo. A umidade média (Um) final nos medidores era de 10,5% e a real, averiguada a partir das medições no momento da retirada da madeira, estava próxima de 18%. Neste ciclo, com a carga máxima, as peças da região central superior não secaram adequadamente. A posição dos medidores de umidade elétricos adotada para todos os ciclos deve ser revista, bem como a possibilidade de redirecionar a circulação do ar dentro da câmara para homogeneizar o processo de secagem.
Nos ciclos 01 e 02, a carga de madeira é semelhante e o teor de umidade inicial da madeira significativamente distinto. Considerando a diferença da duração entre os dois ciclos, pode-se dizer que uma pré-secagem natural ou em pré-secador para um teor de umidade próximo do PSF (30%) reduziria o tempo de secagem do ciclo 01 em mais de 100 horas, representando otimização de tempo e consumo de energia.
A câmara foi concebida com sistema de proteção aos seus dispositivos, dos quais se destacam um termostato que desliga o equipamento quando a temperatura interna ultrapassa um limite predeterminado e uma chave de proteção que obriga o religamento manual por um operador do sistema após queda de energia. No caso dos três ciclos realizados o termostato foi regulado para o limite de 68 oC.
Diversos picos menores e um maior são observados nos gráficos do ciclo de secagem 01 e 02 (Figuras 1 e 2), destacados nas curvas que representam a umidade relativa (Ur%) e a leitura da temperatura no termômetro de bulbo seco (S1). Os menores representam o resultado de interrupções para avaliação ou adequação do programa e processo de secagem em função das leituras e desempenho observados e o maior representa, nos dois primeiros ciclos, uma queda de energia ocorrida durante a madrugada, quando não havia um operador acompanhando o processo. Nos dois casos de queda de energia foi estimado um atraso de 24 horas no processo total em função da umidade readquirida e do tempo para reaquecimento do lote. O gráfico da Figura 3 representa o processo contínuo e previsível do ciclo 03 que transcorreu sem interrupções ou alterações.
Em um ambiente industrial o monitoramento e a reativação do sistema seriam feitos por um operário de turno noturno ou vigia, ou seria necessária a instalação de um dispositivo de aviso/alarme e reativação remota.
Poucos fornecedores de madeira serrada fazem uma classificação prévia para homogeneizar os lotes para comercialização. Portanto, a carga da câmara para os três ciclos foi planejada apenas quanto às dimensões das peças de madeira serrada e sua disposição horizontal, quanto à altura da carga e quanto à dimensão e distância dos espaçadores. Caso a secagem fosse realizada pela própria indústria de peças de madeira serrada, o planejamento da carga considerando também a orientação do corte e a classificação entre cerne e alburno reduziria o tempo de secagem de cada lote.
É importante considerar que a influência de substâncias químicas no ar condensado sobre a durabilidade e eficiência dos dispositivos e o uso quase exclusivo de energia elétrica são desvantagens dos secadores com desumidificadores em relação aos secadores convencionais (JANKOWSKY, 1995). Estas características implicam em alto custo operacional e devem ser estudadas e minimizadas.
Por outro lado, este tipo de câmara é mais eficiente do ponto de vista energético, pois a dissipação de energia para a substituição do ar úmido por ar seco é bem menor que nas estufas convencionais e permite o controle aprimorado do processo para madeiras de difícil secagem – aplicação prevista para os próximos ensaios. Estas são duas vantagens principais dos secadores com desumidificadores quando comparados aos secadores convencionais que devem ser garantidas.
CONCLUSÕES
De maneira geral o protótipo construído e especificamente suas partes/dispositivos atenderam aos propósitos da pesquisa. A câmara com sistema de desumidificação e com controlador digital para secagem artificial de madeira é tecnicamente viável e seca adequadamente peças de madeira serrada aos padrões recomendados por pesquisas e exigidos pelo mercado consumidor. Mas a pesquisa deve prosseguir, pois permitirá o aprimoramento do processo e a melhora do protótipo. A câmara e o sistema de desumidificação serão reconfigurados de modo a promover condições de temperatura, umidade relativa e ventilação, as mais homogêneas possíveis em todo o volume do secador (todas as partes da câmara de secagem e entre as pilhas de madeira) em cada momento determinado do processo.
A distribuição de calor através dos trocadores de calor ou sistema de aquecimento é relativamente homogênea em toda a extensão da câmara, porém sua distribuição no volume deve ser otimizada através do aperfeiçoamento do controle da circulação de ar.
A velocidade de circulação do ar deve ser uniformizada em toda a área transversal da pilha de madeira, pois influencia diretamente a homogeneidade de secagem de peças de mesma bitola e madeiras de mesma espécie e origem.
A velocidade do ar deve estar dentro de uma faixa adequada para a madeira em secagem e seu deslocamento deve ser otimizado e homogeneizado em todo o volume da câmara de secagem.
Devem-se ter cuidados com a vaporização acelerada da umidade superficial das madeiras no início do processo de secagem em alguns pontos da câmara. Uma opção seria atribuir ao sistema de ventilação distintas velocidades em distintas etapas do processo.
A renovação de ar, troca do ar úmido por ar seco após sua passagem pela câmara de desumidificação, deve ser aumentada e homogeneizada ao longo de todo o comprimento da câmara de secagem.
Pretende-se estudar fontes alternativas de calor/ energia, igualmente controláveis, para substituição parcial ou total à energia elétrica, reduzindo o custo operacional do sistema e possibilitando elevar o limite superior de temperatura de 50◦C quando necessário ou conveniente à demanda e à espécie de madeira.
Autores
Everaldo PLETZ1; Jorge Daniel de Melo MOURA2; 3 Marcos Carlos STRASS; 4 Emanuelle Graça RECCO; Cesar BALLAROTT
1 Professor do Departamento de Estruturas, UEL, pletz2000@yahoo.com/pletz@uel.br
2 Professor do Departamento de Arquitetura e Urbanismo, jordan@uel.br
3 Professor do Departamento de Construção Civil, UEL, marcos.strass@uel.br
4 Arquiteta e Urbanista, emanuellegracarecco@yahoo.com.br
5 Professor do Departamento de Estruturas, UEL, cballarotti@yahoo.com |