O iniciou dos trabalhos com o melhoramento genético do cedro australiano iniciaram em 2006, através da empresa Bela Vista Florestal, de Campo Belo (MG). O uso da espécie já era promissor, principalmente devido ao bom potencial de crescimento e a resistência contra a broca dos ponteiro Hypsipyla grandella, responsável por inviabilizar o uso das meliáceas brasileiras (cedro e o mogno) em reflorestamentos. Após 7 anos de intensa pesquisa, chegaram ao mercado os primeiros cultivares de alta produtividade (clones) da espécie. Trabalho inédito com a espécie no Brasil, além do desenvolvimento de materiais genéticos superiores trouxe também inúmeros ganhos para a cultura em diversas áreas interdisciplinares, fundamentais para o cultivo e para o sucesso dos produtores.
Entre as inúmeras razões para apostar no melhoramento da Toona ciliata var. australis, as principais foram a disponibilidade de uma base genética ampla e acessível na Austrália, e a falta de qualidade do material genético existente no mercado brasileiro. Tanto o produtor de mudas como o produtor de madeira ficavam presos à má qualidade das sementes, responsáveis por gerar populações de plantas heterogêneas sob vários aspectos, dificultando o manejo e aumentando o risco de insucesso. A falta de conhecimento técnico e de profissionais treinados também contribuiu para agravar o quadro. Como toda nova cultura, as dificuldades iniciais superavam o potencial da espécie.
Atualmente o panorama é outro: polos de pesquisa surgiram em universidades estaduais e federais; informações sobre nutrição, correção de solo, manejo florestal, pragas e doenças estão disponíveis, e o principal, foram desenvolvidos materiais genéticos superiores em produtividade, resistência à pragas e doenças, com inúmeros ganhos no manejo e adaptados a diversas regiões bioclimáticas. Dentro desta perspectiva, a cultura se destaca e se consolida como uma das principais espécies alternativas para produção de madeira para serraria originada de reflorestamentos.
O desenvolvimento de cultivares é fundamental para qualquer cultura. Sem ele, não podem ser transpostas as barreiras da produtividade, resistência e adaptação. A obtenção de materiais genéticos superiores e o domínio das técnicas de clonagem são objetivos básicos. Outra importante premissa foi que a pesquisa deveria abranger também outros aspectos da cultura, que serviriam como alicerce para os clones desenvolvidos, e que estas informações deveriam estar disponíveis a todos. Através do apoio da Universidade Federal de Lavras (UFLA), foram criadas linhas de pesquisa nas áreas de nutrição de plantas, pragas e doenças, manejo florestal, tecnologia e qualidade da madeira. O pesquisador Sebastião Carlos da Silva Rosado, da UFLA, acompanhou o desenvolvimento dos materiais genéticos desenvolvidos pela BV Florestal.
A fim de ampliar a base genética da espécie, a BV Florestal importou da Austrália em 2006 sementes de 100 matrizes (progênies). Vindas basicamente de 16 locais (procedências) ao longo de quase 3000 km da costa leste do continente, as progênies estavam em regiões com precipitação entre 900 e 2500 mm de chuva, e altitudes entre 40 (beira mar) e 1100 m. As sementes foram utilizadas para produzir em 2007 as mudas usadas nos testes genéticos seguintes.
Seguindo os conceitos do melhoramento genético clássico, foram instalados 2 testes de procedência/progênie em Minas Gerais, nos municípios de Campo Belo e João Pinheiro no ano de 2008, com a finalidade de testar quais procedências, progênies e plantas eram superiores nestas regiões e quais mantinham maior estabilidade. Ainda hoje são estudados com rigor científico os parâmetros genéticos obtidos do crescimento hipsométrico e diamétrico, incidência de doenças e pragas, entre outras características desejáveis para os cutivares. Foram selecionados 39 materiais que convergiam dentre as características estudadas para a etapa seguinte.
Foto 1: Progênie superior a esquerda e inferior a direita
Os testes multiclonais foram instalados em blocos casualizados em Minas Gerais nas cidades de Campo Belo, Jequitaí, Piumhi e João Pinheiro (sítios distintos) com o objetivo de selecionar dentre os 39, quais materiais atendiam melhor a diferentes ambientes e às características testadas. Foram selecionados 12 materiais que seguiram para a fase de plantios pilotos (talhões com os clones individualizados). Dessa forma foi realizada a validação da seleção e foram obtidos 6 materiais genéticos que se tornaram os cultivares ou clones de primeira geração, conhecida por BV 1000.
Os estudos sobre hibridação das progênies de cedro australiano já se iniciaram e em breve cruzamentos específicos de materiais com características distintas darão origem à 2ª geração de clones a entrar no mercado.
Materiais genéticos
Enquanto o material de semente apresenta incremento médio anual (IMA) de 12 m3/ha/ano, grande heterogeneidade de formas, alturas e diâmetros, assim como suscetibilidade a pragas e doenças, o material clonal se destacou em rusticidade e produtividade. Os clones da linha BV 1000 apresentam forma florestal mais adequada, grande homogeneidade de altura e diâmetro, resistência ao psilídeo branco e ao fungo filácora, e resistência moderada à escaldadura de caule. O grande incremento diamétrico e o rápido arranque das plantas no primeiro ano se traduzem em uma produtividade muito superior ao material de semente, com IMA médio entre os clones de 28 m3/ha/ano, sendo que o clone BV 1321 apresentou IMA de 37 m3/ha/ano, segundo inventário realizado aos 2,2 anos de idade, com casca e excluindo o toco.
Foto 2: Clone 1321 a direita e material seminal a esquerda, ambos com 29 meses.
Com relação à adaptação, foram selecionados materiais para áreas antes consideradas impróprias para cultura, como áreas de menor fertilidade e precipitação, e sol intenso, como é o caso da região noroeste de Minas. Observa-se, no entanto, que não ocorrendo uma boa gestão dessas florestas, a produtividade será inferior comparativamente a áreas superiores, especialmente devido à diferença na precipitação.
Os materiais propagados através da clonagem por miniestaquia também apresentam características morfológicas bem distintas. Assim como nas florestas de eucalipto clonal existentes, é possível distinguir os diferentes materiais de cedro com clareza.
Manejo Florestal
Ocorreram inúmeros ganhos em manejo após o desenvolvimento dos materiais clonais. A quantidade de plantas/ha caiu pela metade (1666 para semente e 816 para clone) devido à uniformidade das plantas. Esta redução implica em redução de custos fixos e operações antes realizadas no material de semente. O arranjo atualmente sugerido para a cultura é o 3,5 x 3,5 m (L x E).
Os materiais selecionados apresentam maior volume de copa, permitindo o sombreamento rápido da área e reduzindo a mato-competição. O uso de herbicidas não seletivos tornou-se possível, devido à ausência de brotações recorrentes no fuste e ao grande arranque das plantas. Pesquisas realizadas pelo IFMG (Bambuí-MG) também mostraram o potencial das moléculas Haloxyfop e Oxifluorfen como herbicidas seletivos à cultura.
Foto 3: Uniformidade dos clones
Anteriormente um ponto delicado para a cultura, a desrama agora é simplificada devido à uniformidade das plantas e sua forma superior, sendo que alguns materiais apresentam desrama natural no primeiro ano. O processo de desrama da espécie também foi estabelecido, com informações sobre como, quanto, quando e onde remover os galhos.
Devido à uniformidade e a redução de plantas/ha, as operações de desbaste foram simplificadas, tornando-se quase sistemáticas. Apesar da espécie apresentar talhadia (rebrota), não é recomendado seu manejo por falta de estudos nesta área. Com a existência dos clones, novos estudos sobre silvicultura, biometria, inventários e prognose estão se iniciando.
Nutrição
Os estudos sobre nutrição contaram com o apoio do professor Antônio Eduardo Furtini Neto (UFLA) e colaboradores, que em quatro anos de trabalho conseguiram obter informações valiosas para a cultura.
Testes de elemento ausente para macro e micronutrientes permitiram determinar a importância e sintomas específicos de deficiência nutricional da espécie; a determinação de doses de NPK na fase de implantação mudou a perspectiva de cultivo do cedro, que antes era adubada como o eucalipto. A determinação da saturação por bases ideal para a espécie, a interação com o alumínio, além do correto uso de corretivos como calcário e gesso otimizaram a produtividade dos plantios expandindo a cultura para áreas de cultivo antes consideradas impróprias. Também observa-se a importância dos micro-organismos do solo na cultura, através de estudos com micorrizas.
Foto 4: Minijardim clonal de cedro australiano
A parte de produção de mudas também foi contemplada pelos professores Furtini e Adélia Pozza. A melhoria na nutrição e manejo em várias etapas de crescimento, além do desenvolvimento de uma solução nutritiva para minijardim clonal específica para espécie aumentaram muito a eficiência de produção no processo de clonagem.
Até recentemente admitia-se que o cedro australiano perde as folhas no inverno por ser uma espécie caducifólia, entretanto este comportamento não ocorre no material clonal antes dos 4 anos de idade. A seleção de materiais resistentes ao psilídeo branco (praga chave da espécie além das formigas cortadeiras), à ácaros e ao fungo Phyllachora balansae causador de manchas foliares no cedro australiano, trouxe como bônus materiais com copa perene nos 4 anos iniciais da cultura. Atualmente sabe-se que a queda de folhas em plantas jovens no material seminal se deve em boa parte pela ação combinada de pragas e doenças.
A epidemiologia do fungo Phyllachora balansae foi estudada em 2010 pelo professor Edson Pozza (Fitopatologia-UFLA) , permitindo a identificação do patógeno e métodos de controle químico.
Foto 5: Ocorrência do psilídeo branco em plantas de semente
O psilídeo branco, espécie de inseto ainda não identificada, é responsável por redução do crescimento das árvores, perda da copa, brotação excessiva e perda de dominância, causando muitos danos aos plantios de semente. Estudo do biólogo Eduardo Stehling mostrou que o uso de boro e zinco pode reduzir em média 20% da incidência do psilídeo nos plantios de cedro. É fundamental o uso de materiais genéticos resistentes à praga para uma boa produtividade.
Madeira
Até recentemente não havia sido realizado nenhum estudo sobre qualidade e tecnologia da madeira do cedro australiano no Brasil. A necessidade de conhecer a madeira, seus usos, características tecnológicas e peculiaridades fez com que a BV investisse nesse conhecimento para obter informações básicas sobre o produto final da floresta. Trabalhando com árvores jovens (5 anos) de plantios próprios, e com árvores de 18 anos não manejadas adquiridas em Venda Nova do Imigrante, ES, pesquisadores da UFLA conseguiram obter informações fundamentais.
Com o apoio do Prof. José Reinaldo Moreira da Silva (UFLA), foi realizado um estudo sobre superfícies usinadas em cedro australiano, indicando sua boa qualidade e aptidão para a confecção de produtos sólidos, além dos padrões técnicos necessários para se trabalhar com a madeira em marcenarias. Outro trabalho foi realizado para qualificação da superfície acabada de madeiras de Toona. Ciliata. O cedro mostrou aptidão ao uso de verniz a base de nitrocelulose, tendo comportamento muito semelhante ao das outras espécies no que diz respeito à aderência, espessura da camada seca, abrasividade e brilho, sendo o verniz classificado como semibrilho nesta madeira.
Foto 6: Desdobro de tora de cedro australiano de 18 anos
Estudos da densidade em testes genéticos mostraram que esta característica pode ser melhorada dentro da espécie, permitindo ganhos expressivos principalmente quando se considera a clonagem, segundo o Prof. Sebastião Rosado . Em outro estudo foram obtidas propriedades tecnológicas da madeira de cedro. Foi verificado que rachaduras superficiais, encurvamento e arqueamento apresentam baixa intensidade na madeira de 18 anos estudada. A densidade média obtida foi de 0,314 g/cm3 com contração volumétrica de 11%. As contrações tangenciais, radiais, longitudinais e volumétricas apresentaram valores compatíveis com o de outras espécies folhosas. A caracterização física da madeira apontou uso semelhante ao do cedro (Cedrela fissilis) e mogno brasileiro (Swietenia macrophylla), inclusive em seu aspecto, coloração e gram. Da mesma forma que as espécies brasileiras, a madeira do cedro australiano atende perfeitamente aos usos industriais, movelaria e construção civil, não sendo recomendada apenas para uso estrutural.
Um interessante estudo de caso de um sistema agroflorestal com 7 anos entre café irrigado e cedro australiano (Pirapora – MG) mostrou o potencial da espécie nestas condições. O trabalho ainda em fase de publicação estudou a volumetria e qualidade de toras do cedro irrigado, seu processamento primário, o rendimento, parâmetros pós-desdobro, contração e densidade. Em média foram obtidos 0,56 m3 de madeira serrada por árvore, com um rendimento de 49% em 9 metros de fuste e DAP de 48,7 cm, mostrando que as condições de cultivo aumentaram muito a produtividade. A densidade das árvores estudadas não foi afetada pela irrigação e a classificação das toras quanto a sua forma e superfície rolante foi considerada de classe superior. Com relação à qualidade das tábuas, estas apresentaram defeitos de leve intensidade.
Foto 7: Tábua de cedro australiano produzido em consórcio com café irrigado (7 anos)
Foram confeccionados diversos objetos de valor agregado com a madeira do cedro australiano obtida nos estudos. Cadeiras, bancos, bandejas, mesas, portas, janelas, forros, além de guarnições e outros produtos mostraram excelentes resultados, sendo muito semelhantes aos resultados obtidos com o cedro rosa brasileiro.
Estudos do processamento da madeira de cedro australiano foram realizados pelo professor Lourival Marin Mendes (UFLA) com a colaboração da Bela Vista Florestal. Em um trabalho publicado em 2011, a avaliação das propriedades físico-mecânicas de painéis compensados de cedro australiano mostrou que a madeira apresenta potencial para produção, atendendo as normas correspondentes para as propriedades mecânicas analisadas. O trabalho mostrou também que a inclusão de lâminas de Pinnus nos painéis exerce influência positiva nas propriedades físicas e mecânicas destes. Um trabalho realizado sobre as propriedades mecânicas de painéis cimento-madeira de cedro australiano publicado na revista Scientia Forestalis, indicaram viabilidade do uso de madeira de desbastes na confecção de painéis de boa qualidade, sendo os módulos de ruptura e elasticidade superiores aos valores mínimos exigidos pelo processo Bison Wood-Cement Board (1978).
Uma nova geração de materiais genéticos de cedro australiano está em desenvolvimento, buscando obter ainda mais rusticidade, resistência e produtividade. É muito importante lembrar que apenas o material genético não será responsável pelo êxito dos plantios. A combinação de sítios adequados, gestão, manejo e clones adaptados para a região, representam o segredo por trás de um empreendimento de sucesso. Na verdade, este rumo deve ser tomado não pela cultura, mas sim pelos interessados em desenvolvê-la.
Autor: Eduardo Stehling, Biólogo, Gestor do Programa de Melhoramento do Cedro Australiano, Pesquisador da Bela Vista Florestal. |