Uma das fases imprescindíveis para a transformação da madeira em produto acabado é a secagem. Esta fase do processamento, através da redução do teor de umidade até um valor final próximo da umidade de equilíbrio média no local onde a peça será utilizada, tem como objetivo melhorar a qualidade do material. Dentre os diversos métodos, a secagem convencional tem destaque porque permite reduzir o tempo da secagem com considerável controle sobre os defeitos. Dentre os parâmetros controláveis na secagem convencional está o sentido do fluxo, a velocidade, a temperatura e a umidade relativa do ar. A sequência destes dois últimos parâmetros em função da umidade da madeira é chamada de programa de secagem do tipo umidade-temperatura.
Na definição do programa de secagem, busca-se o equilíbrio entre as taxas de secagem, relacionadas com a produtividade do sistema, com a intensidade dos defeitos de secagem e com a redução no custo da madeira. Entre os fatores que influenciam nas taxas de secagem e na qualidade da madeira seca está a massa específica, a espessura da peça, o teor de umidade inicial, a proporção de cerne e de alburno e a propensão à formação de defeitos, relacionadas com as características químicas, anatômicas e com a retratibilidade. Um programa de secagem não é capaz de considerar todos estes aspectos, mas busca levar em conta os mais significativos. Foram correlacionadas propriedades físicas e características anatômicas com a taxa de secagem e a formação de defeitos, obtendo correlações elevadas e significativas com a massa específica.
Entre os métodos utilizados para a definição de programas de secagem se destaca o que se baseia na determinação da temperatura de bulbo seco e da depressão psicrométrica inicial a partir da massa específica. Outro método partindo da massa específica básica para a definição dos códigos das tabelas de temperatura, depressão psicrométrica e umidade para a primeira mudança na depressão psicrométrica do Dry Kiln Operator’s Manual. Entre as vantagens desses métodos estão à simplicidade e a facilidade na obtenção de uma única variável independente, a massa específica básica.
Entretanto o comportamento da madeira durante a secagem, especialmente a formação de defeitos, não é totalmente explicado pela relação com a massa específica. Dessa forma, há outras metodologias para definição de programas de secagem. A avaliação de pequenas amostras durante a secagem drástica foi utilizada como metodologia para a definição de programas de secagem. O método leva em consideração aspectos importantes e influentes na retirada de água da madeira, como os efeitos das características físicas da madeira na intensidade de defeitos e nas taxas de perda de umidade. Existem também alguns aspectos negativos como a necessidade de medições periódicas, longo tempo de experimentação, variável de acordo com cada espécie e eventuais dificuldades operacionais, embora todo esse processo seja necessário para obter um programa de secagem adequado à madeira em questão.
Dentre as diversas espécies madeireiras no país, as espécies jatobá (Hymenaea spp), cumaru (Dipteryx odorata) e muiracatiara (Astronium lecointei Ducke) foram selecionadas pelas características desejáveis da madeira para a fabricação de pisos e pelas dificuldades encontradas na secagem convencional, especialmente os longos tempos de secagem.
O Jatobá (Hymenaea spp) é encontrado em quase todas as matas nativas do país. Apresenta cerne e alburno distintos pela cor, cerne variando do castanho-amarelado ao castanho-avermelhado, alburno branco-amarelado; cheiro e gosto imperceptíveis, densidade alta, dura ao corte; grã regular a irregular; textura média; superfície pouco lustrosa. As espécies de Hymenaea spp são consideradas altamente resistentes aos térmitas e fungos de podridão branca e parda. A massa específica aparente a 15% de umidade é de 960 kg/m³.
O Cumaru (Dipteryx odorata (Aublet.) Willd) ocorre em toda a Floresta Amazônica, da Venezuela ao Estado do Mato Grosso. Apresenta cerne e alburno distintos pela cor, cerne castanho-claro-amarelado; brilho moderado; cheiro e gosto imperceptíveis, densidade alta; dura ao corte; grã revessa; textura fina a média, aspecto fibroso atenuado; superfície pouco lustrosa. O cerne apresenta alta resistência ao ataque de organismos xilófagos e massa específica aparente a 15% de umidade de 1.090 kg/m³.
A Muiracatiara (Astronium lecointei Ducke) ocorre na Floresta Amazônica brasileira; apresenta cerne e alburno distintos pela cor, cerne variável do bege-rosado ao castanho-escuro-avermelhado, com estrias mais escuras; brilho moderado; cheiro e gosto imperceptíveis; densidade alta; dura ao corte; grã irregular; textura média. A madeira de muiracatiara é muito durável, não sendo atacada por insetos ou cupins de madeira seca, apresenta massa específica aparente a 15% de 970 kg/m³.
O objetivo deste trabalho foi comparar programas de secagem elaborados a partir da massa específica com programas de secagem elaborados a partir de informações obtidas na secagem drástica.
MÉTODOS
O método da secagem drástica se baseia no princípio de que pequenas amostras de madeira, quando expostas aos efeitos de secagem drástica em estufa a 100°C, proporcionam um comportamento semelhante na secagem convencional.
Para aplicação deste método foram utilizadas 14, 10 e 12 amostras de cumaru, jatobá e muiracatiara, respectivamente, sendo que todas apresentavam 10 mm de espessura, 50 mm de largura e 100 mm de comprimento. As amostras das três espécies foram mantidas em estufa a 100°C até alcançarem um teor de umidade inferior a 5%. Durante este período foram pesadas com intervalos de 1 hora e medidos os defeitos como comprimento e largura de rachaduras, utilizando paquímetro e calibrador de folga. A magnitude das rachaduras foi transformada em escore.
Um dos método se baseia na massa específica básica como parâmetro para a definição da temperatura e depressão psicrométrica inicial. As temperaturas de bulbo seco são mantidas constantes até que a madeira alcance 30% de umidade, em seguida são elevadas a uma taxa de 5,6°C para cada 5% de redução no teor de umidade. A depressão psicrométrica é calculada em função da umidade da madeira e da depressão psicrométrica inicial.
Os programas de secagem foram comparados com fontes bibliográficas, quando disponíveis, sendo que os parâmetros utilizados como referências foram a temperatura de bulbo seco e o potencial de secagem, em cada uma das fases. As umidades de equilíbrio foram calculadas com as equações.
Como características físicas da madeira das espécies utilizadas a madeira de cumaru apresentou massa específica que permite enquadrá-la, de acordo com os critérios estabelecidos por Durlo , como muito pesada
Tabela 1. Propriedades físicas da madeira, sendo ρ=massa específica básica; Umáx= umidade máxima; Ui= umidade inicial; x= média; CV= coeficiente de variação.
A madeira de jatobá e de muiracatiara podem ser enquadradas como pesadas, segundo critérios apresentados por Durlo. Em relação à umidade inicial, o valor obtido neste trabalho é inferior ao apresentado por Simpson para as três espécies, sendo as maiores diferenças observadas para a muiracatiara e para o jatobá. Uma série de condicionantes influencia na umidade inicial, porém, destaca-se que o início da secagem drástica ocorreu com teores de umidade acima do ponto de saturação das fibras.
Nos resultados da secagem drástica os valores obtidos para o jatobá foram menores no tempo (T2) e maiores nas velocidades (V1 a V3) . Uma explicação pode ser a massa específica básica e o teor de umidade inicial, que foram menores neste trabalho. A massa específica apresenta relação inversa com as taxas de secagem. Como conseqüência, as temperaturas inicial e final e o potencial de secagem resultaram em valores superiores
Para o cumaru, os valores obtidos para temperatura inicial e potencial de secagem foram inferiores , no entanto, a temperatura final se mostrou mais elevada.
Os valores de potencial de secagem para muiracatiara ficaram dentro dos limites, de 2,0 a 2,5. Entretanto a temperatura inicial ficou abaixo e a temperatura final acima .
Massa específica básica
Para o cumaru, a temperatura inicial de 39°C e a depressão psicrométrica inicial de 1,9°C estão próximas aos valores obtidos neste trabalho, de 37°C e 1,9°C.
Os valores de temperatura inicial e depressão psicrométrica inicial obtidos para jatobá, de 42°C e 2,2°C foram idênticos aos apresentados para o Hymenaea oblongifolia.
Para a muiracatiara os parâmetros iniciais do programa de secagem, de 42°C para temperatura inicial e 2,2°C para depressão psicrométrica inicial, são mais drásticos que os obtidos neste trabalho, de 39°C e 1,9°C. Estas variações estão diretamente relacionadas às variações na massa específica.
Comparação entre métodos
Os programas de secagem foram montados de acordo com as recomendações contidas em Jankowsky e Simpson e apresentados nas Tabelas 3 a 5 na forma resumida.
Com relação à temperatura de bulbo seco prescrita para a secagem de cumaru, até 30% de umidade há diferença significativa entre os métodos . Entre 30 e 25% de umidade a temperatura não difere, o mesmo ocorre abaixo de 15% de umidade.
Com relação ao potencial de secagem, há diferença significativa em todas as fases. Com valores inferiores a 30% de umidade os potenciais de secagem dos programas elaborados com base na massa específica se elevam, diferenciando-se do programa elaborado a partir da secagem drástica, cujo potencial de secagem permanece constante .
Se recomendam programas de secagem em que o potencial de secagem decresce com o teor de umidade da madeira, o que também ocorre no programa de secagem elaborado a partir dos dados da secagem drástica.
Para o jatobá, até alcançar os 30% de umidade, os métodos não diferem significativamente com relação à temperatura de bulbo seco. Abaixo deste teor, a temperatura de bulbo seco obtida através da massa específica apresenta valores inferiores a secagem drástica, diferenciando-se em todas as fases subsequentes
.A mesma tendência observada para o cumaru no que se refere aos potenciais de secagem é encontrada no jatobá. O programa elaborado a partir da secagem drástica apresenta maiores e significativamente diferentes potenciais de secagem nas primeiras fases da secagem. Na faixa de 35% a 30% de umidade os métodos se sobrepõem, sendo que abaixo destes teores os métodos baseados na massa específica apresentam um acentuado aumento no potencial de secagem .
Da madeira das três espécies avaliadas neste trabalho, a de jatobá é a que dispõe de maior número de programas de secagem recomendados. A maioria dos programas inicia a secagem com a temperatura em torno de 40 e 45° C.
Até o teor de umidade de 30%, o programa de secagem elaborado para muiracatiara a partir de informações obtidas na secagem drástica apresentou temperatura de bulbo seco significativamente menor que a obtida no programa baseado na massa específica. Há uma sobreposição dos métodos entre 30 e 25% e entre 25 e 15% a situação se inverte, com temperaturas significativamente superiores para o programa elaborado através da secagem drástica. Abaixo de 15% de umidade os métodos voltam a se sobrepor.
Para a muiracatiara, o padrão de potenciais de secagem encontrado, significativamente maiores no início da secagem, para o programa elaborado através da secagem drástica se repetiu. Abaixo de 35% de umidade, os potenciais de secagem determinados pela massa específica básica tendem a aumentar e novamente diminuir ao fim da secagem, como observado também no jatobá .
Tabela 5. Programas de secagem para a madeira de muiracatiara, sendo TBS= temperatura de bulbo seco e PS= potencial de secagem.
O programa apresentado por Cirad apresenta apenas duas faixas de temperatura de bulbo seco, no início da secagem maior e no final menor que as calculadas pelos métodos analisados. O potencial de secagem recomendado é menor durante todo o processo de secagem.
CONCLUSÕES
Com relação à temperatura de bulbo seco, os métodos diferem significativamente na ampla maioria das fases dos programas elaborados para o cumaru e para a muiracatiara e apenas abaixo do ponto de saturação das fibras para o jatobá.
As temperaturas nas primeiras fases do programa de secagem elaborado através da secagem drástica foram significativamente menores e nas fases finais significativamente maiores ou sem diferença estatísticas quando comparadas àquelas dos programas de secagem elaborados a partir da massa específica.
Os potenciais de secagem calculados seguindo os diferentes métodos também apresentaram diferenças significativas. A metodologia da secagem drástica resultou em valores superiores nas fases iniciais da secagem e inferiores nas finais.
Os potenciais de secagem obtidos através da secagem drástica estão mais próximos aos recomendados pela maioria dos autores para as três espécies analisadas.
Autores: Jackson Roberto Eleotério, Engenheiro Florestal, Professor Doutor, Programa de Pós-Graduação em Engenharia Florestal. – FURB, Cláudia Mariana Kirchheim da Silva, Graduanda em Engenharia Florestal, Bolsista do PIBIC/CNPq, Centro de Ciências Tecnológicas, FURB |