MENU
Certificação
Editorial
Estruturas
Eucalipto
Feiras
Madeira Tropical
Meio Ambiente
Mercado
Móveis e Tecnologia
Portos e Tecnologia
Teca
Usinagem
E mais...
Anunciantes
 
 
 

REVISTA DA MADEIRA - EDIÇÃO N°64 - MAIO DE 2002

Usinagem

Usinagem, material de corte e desgaste do gume

Sempre no objetivo de melhorar a produtividade, uma empresa tem a necessidade ou o dever de melhorar a qualidade de seus produtos, de aumentar a produção ou, ainda, os dois ao mesmo tempo.

Nos propomos, neste artigo, a entender como acontece o fenômeno do desgaste de uma ferramenta, ou de forma mais precisa, do desgaste do material de corte dos gumes de uma ferramenta, a fim de escolher a ferramenta mais adaptada à necessidade, no melhor custo global.

O termo “material de corte” designa a matéria que constitui o dente e/ou o gume. As duas propriedades esperadas dos materiais de corte são a aptidão ao corte e a conservação dessa aptidão durante a maior distância de usinagem possível, que podemos chamar resistência ao desgaste.

A aptidão ao corte define a qualidade da peça usinada. Por isso, a aresta de corte (o gume) deve ser feita com ângulos otimizados, dependente do material de corte e do sentido de corte, a fim de obter um estado de superfície desejado e com excelente precisão.

O material de corte deve possuir pelo menos três qualidades de alta performance :

- a dureza mais elevada possível a fim de resistir aos atritos : resistência à abrasão,

- uma tenacidade elevada (não fragilidade), uma boa resiliência para resistir aos choques particularmente repetitivos durante a usinagem : resistência à fadiga,

- uma estrutura metálica suficiente para não se lascar por inclusões, naturais ou não, encontradas na madeira ou seus derivados : resistência à erosão.

Portanto, essas três características são contraditórias porque quanto mais um material é duro, mais ele é quebradiço, por isso, os fabricantes de ferramentas devem propor o material de corte mais adaptada à necessidade.

Além dessas três características, a resistência ao desgaste do material de corte deve ser mantida :

- durante a elevação de temperatura gerada pela própria usinagem, ou seja, possuir uma boa dureza a quente : resistência à abrasão combinada com a resistência à erosão,

- com a acidez ou quaisquer produtos químicos contidos na madeira ou seus derivados : resistência à corrosão.



Considerando todas essas características, vários materiais de corte podem convir, mas, na indústria madeireira, são reunidos em somente duas famílias : as ligas e os materiais sinterizados.

As ligas

Uma liga é um material obtido a partir da fusão, no mínimo, dois elementos básicos da classificação química. O aço, o primeiro material de corte industrial, é uma liga de ferro e de carbono onde a porcentagem de ferro é bem superior aquela dos outros elementos. Cada tipo de aço se caracteriza por uma dureza, geralmente expressa em HRC (Rockwell), e uma temperatura de corte máxima de uso determinada pela dureza a quente. Quanto maior a porcentagem de carbono, tanto mais duro (e quebradiço) é o aço. A relativamente baixa resistência ao desgaste de um aço conduz, primeiramente à realização de tratamento térmico mais ou menos profundo (tempera, revenimento, etc. ...) ou tratamento superficial (nitruração, cementação, cromisação, etc. ...). A segunda fase da evolução da resistência ao desgaste foi a criação de aços ligados por adjunção de outros elementos de ligas (Cromo, molibdênio, vanádio, níquel, etc. ...). Existem três ligas encontradas na indústria madeireira.

a - Aço altamente ligado (HLS) : Encontra-se, neste aço, até 12 % de elementos de liga. Dependendo das proporções e das ligas escolhidas, as propriedades do aço são adaptadas em função da necessidade. A título indicativo, o molibdênio reduz a fragilidade após o revenimento, o manganês diminui a condutibilidade térmica, o tungstênio aumenta a resistência ao desgaste, etc... Mas para manter uma dureza acima de 50 HRC (alcançando no máximo 60 HRC), não se deve ultrapassar a temperatura de 350 ºC durante o corte.

b - Aço rápido (HSS) : O termo “rápido” caracteriza um aço para corte rápido. Ou seja, um aço que guarda a dureza com aumento da temperatura do gume durante a usinagem. Essa propriedade permite utilizar alta velocidade de corte, apreciável na indústria da madeira. Com temperaturas de até 500 ºC, a dureza se mantém acima de 50 HRC. Os melhores aços rápidos têm uma dureza de 65 HRC até 650 ºC !

c – Estelita (stellite) : Este material não é um aço porque é uma liga sem ferro (ou contém quantidade muito baixa). A composição básica da estelita é de 45 a 60 % de cobalto, 25 a 35 % de cromo, 10 a 15 % de tungstênio e 1 a 4 % de carbono. Esta liga tem uma dureza a frio um pouco inferior aos aços rápidos de alta liga, portanto conserva esta dureza a temperaturas mais elevadas, acima de 700 ºC. A estelita fez a sua aparição, quase exclusivamente nas serrarias. As características da estelita proporcionam uma conservação da aptidão ao corte dois a três vezes mais do que os aços rápidos.





Os materiais sinterizados

Nessa segunda família, ao contrário da primeira, não existe fusão dos elementos químicos. Os materiais sinterizados se obtêm por moagem micrométrica do material escolhido e unido a um agente aglutinante por forte compressão (1000 a 1500 daN/cm²) e temperatura elevada mas sempre inferior ao ponto de fusão. Na indústria da madeira, se encontram dois tipos de matérias sinterizados : o metal duro (HM) e o diamante policristalino (PKD).

a - Metal duro (HM) : Mesmo se o termo “metal duro” é um tanto ou quanto confuso, é este termo técnico que deve ser usado para definir este material sinterizado, o mais utilizado atualmente na indústria madeireira. No Brasil, o metal duro é chamado de “widia”, em razão do primeiro nome comercial aparecido no mercado. Tratando-se de uma marca, a palavra “widia” não deve ser usada.

O metal duro se obtém a partir de uma carbonetação do tungstênio com o carbono ambos na forma de pó (processo realizado com forte compressão, com alta temperatura e sob hidrogênio). O carboneto de tungstênio obtido sofre mais uma operação similar, mas desta vez, com o agente aglutinante, o cobalto. As proporções dos dois elementos (além do carbono) influenciam fortemente as características físico-mecânicas deste aglomerado. Quanto mais a proporção de cobalto é baixa (em torno de 3 %), melhor será a dureza do metal duro ao encontro da tenacidade (da não fragilidade) figura 1. No entanto, os metais duros são sempre frágeis quanto mais duros. Isto, nos permite entender que o ângulo de cunha (?) das ferramentas com aresta cortante em metal duro deve ser superior a aquelas com aresta em aço (pelo menos superior a 60 º).

Além disso, existe uma escala na estrutura dos metais duros, ou seja, em relação à fineza das partículas moídas. A estrutura micro-grã apresenta melhor qualidade de corte – figura 2. Lembrando que a qualidade de corte gerada por uma aresta cortante de metal duro, nova ou frescamente afiada, é sempre inferior à aquela de uma em aço rápido. O gume se arredonda levemente após os primeiros metros de usinagem em razão da fragilidade da ponta, mas guarda, depois um perfil mais constante durante várias centenas de metros. Esta qualidade pode, no entanto, ser melhorada pelo uso do metal duro com essa granulometria micro-grã, cada vez mais utilizada na Europa.

A alta tecnicidade deste produto, assim como a importante contração (20 %) gerada pela tecnologia de obtenção, contribui à elevação do preço de custo dos metais duros em comparação, mais uma vez, aos aços rápidos. Em compensação, a resistência ao desgaste dos metais duros é de 10 a 15 vezes maior àquela dos aços rápidos.

b - Diamante (PKD) : O diamante sintético ou policristalino (ao contrário do diamante natural monocristalino) é um material sinterizado que dispõe também de grades diferentes em função da granulometria das partículas. O tamanho médio das partículas de uma granulometria padrão é na faixa de 25 ?m. As partículas da granulometria fina têm em médio 10 ?m e, ainda, as de granulometria considerada extra-fina têm 2 ?m. Em regra geral e da mesma forma que para o metal duro, quanto mais fina é a granulometria, melhor é a qualidade de corte.

A característica mais surpreendente do diamante policristalino é sua excelente resistência ao desgaste que pode alcançar 200 vezes aquela do metal duro, ou seja, 2000 a 3000 vezes mais a aquela do aço rápido ! Em outras palavras, se uma ferramenta calçada de metal duro permite usinar 5 km de tábuas, uma ferramenta calçada de diamante policristalino vai poder, nas mesmas condições de corte, usinar 1,6 milhões de metros de tábuas sem afiação !

Em função do custo da matéria-prima e da tecnicidade de fabricação do diamante policristalino, o preço de custo de uma ferramenta calçada de diamante é muito elevado. Por outro lado, a diminuição considerável das paradas para troca de ferramentas, e mesmo com custo de afiação elevado, permite ao diamante ser, sem dúvida, competitivo. Guardando em mente que o diamante, por causa da sua altíssima dureza, é um material muito frágil, devemos reter, portanto, três particularidades do diamante a fim que elas não se tornem inconvenientes :

Qualquer choque, mesmo leve, principalmente durante as manipulações pelos operadores, é fatal. Devem ser mudados, de maneira drástica, os hábitos dos operadores e garantir um bom treinamento para os mesmos. Pelas mesmas razões de evitar choques, será necessário utilizar velocidades de corte superiores a 90 m/s.

A sensibilidade do diamante às vibrações que provocam fissuras da aresta cortante define o tipo de máquina onde as ferramentas ao diamante serão empregadas. É necessário dispor de máquina em excelente estado mecânico onde, por exemplo, os jogos de funcionamento são reduzidos ao mínimo possível.

A afiação, realizada por eletro-erosão, deve ser realizada unicamente por equipamento adaptado geralmente disponível somente no fabricante.

A título indicativo, é relativamente fácil reconhecer uma ferramenta calçada ao diamante. Os dentes de diamante, sempre soldados sobre o corpo da ferramenta, são realizados, em geral, a partir de pastilhas semicilíndricas e, em todos os casos, são bicomponentes. Em razão, mais uma vez, da extrema fragilidade do diamante, as arestas cortantes são compostas de um suporte em metal duro e somente coberto por uma fina camada de diamante.

O desgaste de uma aresta cortante pode ser medida de várias maneiras. A mais utilizada é a medição da diminuição do gume em direção a face de ataque SV?. Figura 3.

Em função da distância de usinagem, o desgaste do gume, caracterizada pela grandeza SVy, se efetua em três etapas, conforme figura 4. A etapa A corresponde ao arredondamento do gume logo após alguns metros de usinagem pelo fenômeno de erosão. A etapa C a etapa principal, onde o desgaste é relativamente estável devido, quase exclusivamente, à abrasão pode ser considerado constante no caso de uma aresta ao diamante. A etapa D onde o desgaste aumenta de maneira exponencial com a distância de usinagem por causa dos fenômenos combinados de fadiga, abrasão, erosão e, eventualmente, de corrosão.

Para manter uma qualidade da superfície desejada é imperativo parar usinagem antes de alcançar a etapa D. A fim de otimizar o custo de usinagem é necessário conhecer com precisão, para cada condição de corte, este limite entre as etapas C e D. Um desgaste excessivo irá requerer uma perda exponencial do material de corte na afiação e, conseqüentemente, da vida útil da ferramenta. Ao contrário, uma parada antecipada durante a etapa C limitará a distância de usinagem potencial e reduzirá também, mas em menor proporção, a vida útil da ferramenta.

Para completar o entendimento da otimização da usinagem, podemos representar a figura 5 o desgaste do gume SVy .

Na zona I, o desgaste é realizado por atrito e compressão do gume sobre a madeira sendo cortada com perda de dureza por aquecimento excessivo. Na zona III, desta vez, o desgaste é provocado principalmente pelos choques e esforços importantes ocasionando um desgaste erosivo. Para cada tipo de máquina e ferramenta, esta curva deve ser conhecida a fim de otimizar a qualidade e, conseqüentemente, o custo de usinagemArnaud Bonduelle

Professor do novo Curso de Engenharia Industrial Madeireira e

do Programa de Pós-graduação em Eng. Florestal,

UFPR, Curitiba-PR, arnaud@floresta.ufpr.br

Maio/2003