Estimativas recentes apontam para uma tendência de aumento da demanda mundial de produtos florestais para energia, celulose e papel, e madeira sólida e seus derivados. Ainda, os programas governamentais brasileiros, como o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), com ênfase na infraestrutura e construção civil, aumentam a demanda nacional por madeira e aquecem o mercado madeireiro nacional.
Através de um estudo do Serviço Florestal Brasileiro e IPAM se analisa como atender estrategicamente à demanda por madeira proveniente de manejo florestal em florestas nativas brasileiras, com foco na Amazônia, e, ao mesmo tempo, preservar as funções ecológicas desses ecossistemas, com benefícios locais e globais. As florestas, mesmo aquelas voltadas à produção de madeira, exercem importante papel na manutenção do regime regional de chuvas e do clima global, uma vez que emitem grande volume de água para a atmosfera e representam um significativo estoque de carbono.
A demanda média de madeira em tora proveniente de florestas nativas foi estimada, conservadoramente, em 21 milhões de m3/ano, necessitando, para isso, de uma área de 36 milhões de hectares em um ciclo de 30 anos.
O aumento de ações de fiscalização e controle, os problemas fundiários recorrentes na região Amazônica e as recentes oportunidades legais de concessão florestal em áreas públicas indicam forte tendência de declínio da madeira originada de áreas particulares e aumento do manejo florestal em áreas públicas. No entanto, atualmente, as unidades de conservação na categoria de uso sustentável com potencial para a produção florestal (cerca de 11 milhões ha) não possuem a área total necessária para arcar com a demanda de madeira proveniente de florestas nativas. Nesse contexto, os milhões de hectares de florestas públicas ainda não destinadas pelos governos federal e estaduais assumem importância estratégica para evitar um desabastecimento do mercado florestal de forma legalizada. A possibilidade de estas florestas serem incluídas em uma economia florestal, além de contribuir para a conservação do papel ecológico desses ecossistemas, produziria emprego e renda, minimizaria a grilagem, a ilegalidade e a consequente degradação de tais florestas, hoje sem governança efetiva por parte do Estado.
Ainda, como resultado positivo, a destinação evitaria a emissão de 1,5 bilhão de toneladas de CO2 (ou 1,5 Gton CO2) até 2020, resultantes do desmatamento previsto até aquele ano nas florestas públicas ainda sem uma destinação. A destinação dessas florestas, portanto, poderia representar a ação mais rápida, de baixo custo e contundente para que o país cumpra suas metas de redução de emissões de gases de efeito estufa estabelecidas na lei que rege a Política Nacional de Mudança Climática.
O desenvolvimento de uma economia florestal de nativas requer, ainda, um conjunto de ações sinérgicas. É preciso fomentar a profissionalização e modernização da indústria relacionada às florestas nativas, captar investidores, fornecer instrumentos de incentivos econômicos, viabilizar infraestrutura de escoamento de produção, entre outros. Institucionalmente, é importante que a sociedade visualize claramente os órgãos estaduais e federais que atuam na gestão produtiva das florestas, preenchendo lacunas de competências e minimizando burocracias em prol do fomento ao empreendedorismo. Na esfera federal, em particular, o Serviço Florestal Brasileiro é o órgão com essa vocação e para tanto precisa ser fortalecido por meio de sua autarquização e aumento de competências.
Propiciar o acesso a fontes legais e sustentáveis é condição sine qua non para o desenvolvimento de uma economia florestal pujante, com benefícios sociais, em sintonia com a evolução do mercado e com os esforços de conservação florestal e climático em larga escala. Para tanto, decisões estratégicas precisam ser feitas imediatamente pelo governo brasileiro com o intuito de possibilitar a existência de áreas florestais que supram a demanda do mercado de madeira e valorizem as florestas, incentivando sua manutenção e os serviços ecológicos por elas prestados.
POTENCIAL
Os cinco países com maior cobertura florestal são: Rússia, Brasil, Canadá, EUA e China (FAO, 2010). Ainda que ocupe o segundo lugar nessa classificação, o Brasil abriga a maior extensão de floresta tropical continua (FAO, 2010). Do total de florestas que cobrem atualmente o território nacional (524 milhões de hectares), 55% (290 milhões de ha) são públicas . Portanto, em regiões com extensa cobertura florestal, políticas públicas convergentes para o fortalecimento de uma economia florestal têm o poder de contribuir fortemente para a opção de crescimento sem degradação, com positivos resultados nos índices de qualidade socioeconômicos e ambientais.
Florestas Públicas Brasileiras (290 milhões ha) já destinadas ( ex. terras indígenas, unidades de conservação, assentamentos, áreas militares, etc) e aquelas ainda aguardando destinação (64 milhões ha).
Entretanto, no Brasil, a maior parte (70%) das emissões de gases de efeito estufa é proveniente da queima de biomassa decorrente de mudanças no uso da terra, sendo que mais da metade deste valor tem origem no desmatamento das florestas da Amazônia e nos incêndios florestais . Esse, entre outros, é um reflexo histórico de fortes incentivos agrícolas em detrimento à valorização do potencial florestal como principal atividade econômica regional.
O Brasil possui 10% de todo o carbono florestal do mundo (60 bilhões de toneladas de carbono, ou 60 Gton C). A redução do desmatamento, em especial na Amazônia, já seria uma forte contribuição brasileira à redução global das emissões. De fato, nos últimos anos, o Brasil fez avanços consideráveis na redução do desmatamento na região, por meio de políticas como o Plano Nacional de Combate ao Desmatamento da Amazônia (PPCDAM) e o Plano Nacional de Mudanças Climáticas. Adicionalmente, o país se comprometeu, voluntariamente, a reduzir o desmatamento em 80%. Uma redução de emissões de gases do efeito estufa entre 2006-2020 dessa proporção, seguindo metodologia do Fundo Amazônia, equivaleria a 5,7 Gton de CO2. Desde 2004, as ações de fiscalização, associadas a variações nos preços de commodities e a implementação de 24 milhões de hectares de áreas protegidas, reduziram o desmatamento em 77% .
No entanto, a manutenção deste patamar de redução no longo prazo só será possível em um cenário em que o desenvolvimento econômico também dependa das florestas em pé. Assim, não somente as ações de comando e controle, mas, principalmente, a garantia da sustentabilidade das atividades econômicas em longo prazo é que deverão garantir as extensas áreas com cobertura florestal, viabilizar a extinção do desmatamento, especialmente na Amazônia, e colocar o país mais próximo de uma economia de baixo carbono.
Nesse contexto, o manejo de florestas nativas é uma alternativa viável, sustentável e recomendável. No entanto, entre os quase 226 milhões de hectares de florestas sob domínio público já destinadas a algum tipo de uso, nota-se que pelo menos 78% pertencem a alguma categoria que limita o uso dos recursos florestais para fins de produção intensiva e comercialização .
Embora largos avanços tenham sido conquistados no setor de florestas plantadas, hoje reconhecidamente um setor de alta produtividade e tecnologia, progresso semelhante não ocorreu com o setor de florestas nativas, apesar de suas vastas extensões florestais. Os problemas como o acesso aos recursos florestais, empresas de baixa tecnologia, a falta de regularização fundiária, a desestruturação da cadeia produtiva, a mão de obra não especializada e as dificuldades de acesso a crédito ainda são recorrentes.
Para que o setor florestal possa ter, de fato, um papel relevante na economia do país, políticas assertivas e estruturantes são necessárias, em especial em relação às florestas nativas. Dada a tendência global de aumento de demanda por madeira e a importância das florestas públicas nesse contexto, este estudo aborda a questão sobre a oferta e o acesso aos recursos de florestas nativas e as medidas necessárias para que se assegure o abastecimento dos mercados, garantindo o desenvolvimento regional, a redução de pobreza e mantendo os benefícios ecológicos prestados por esses ecossistemas.
Produção Florestal
O Brasil é o segundo maior produtor mundial de madeira tropical e a Amazônia brasileira, que compreende uma área de cerca 500 milhões de ha, é a principal região fornecedora do país.
A maior parte da produção madeireira em tora (87%) destina-se ao mercado interno . Segundo os sistemas eletrônicos de transporte e comercialização de produtos florestais, entre eles o DOF-IBAMA, a maior parte dessa madeira tem origem na Amazônia e tem como destino o consumidor final (38 %), a construção civil (16 %) e a produção industrial (15%) . Pelo menos 36% da madeira ainda tem origem ilegal .
Desde 2005, o consumo mundial de madeira permanece estável, na ordem de 3,5 bilhões de m3 . No entanto, na Amazônia Legal, o consumo de madeira em tora decresceu de 28,3 milhões de m3 para 14,2 milhões de m3 entre 1998 a 2009 . A explicação para essa queda acentuada na produção pode ser atribuída às medidas de comando e controle, que levaram a redução do desmatamento ilegal, à substituição da madeira natural por similares sintéticos e à crise econômica internacional. Paralelamente, desde 2002, o preço da madeira serrada brasileira tem aumentado continuamente (9% a.a.) no comércio internacional. Atualmente, a origem dessa produção está nas áreas particulares, na madeira proveniente de desmatamento e na exploração ilegal.
As estimativas recentes apontam para uma tendência de aumento da demanda mundial de produtos florestais para energia, celulose e papel, madeira sólida e seus derivados. Nesse contexto, o Brasil pode ter vantagens competitivas para capturar novos mercados, uma vez que já é o terceiro país exportador de madeira serrada, possui uma enorme área florestal nativa e a possibilidade legal, por meio de concessões florestais, de acesso aos recursos em áreas públicas – as mais extensas. Além disso, os programas governamentais brasileiros para aquecimento da economia, com ênfase na infraestrutura e construção civil, aquecem o mercado madeireiro nacional, que já é o maior receptador da produção.
Para dar conta da demanda futura e se consolidar como um ator relevante no setor florestal, entre outras ações, é importante que o Brasil se prepare para identificar de onde virá a oferta de madeira e quais as condições e o contexto para que esta seja explorada de forma sustentável.
Embora o Brasil seja um país com clara vocação florestal, o setor florestal ainda é relativamente pouco atendido por incentivos políticos e econômicos se comparado, por exemplo, ao setor agropecuário. Em boa medida, o setor florestal brasileiro é, preponderantemente,representado pelas florestas plantadas, especialmente Pinus e eucalipto, embora estas ocupem apenas 7 milhões de ha (0,8% da área total do país). Em contrapartida, as florestas nativas, em especial as florestas públicas, correspondem a 34% da área total do país e recebem pouca atenção do poder público. Viabilizar economicamente o manejo da floresta natural diante das atividades econômicas hoje preponderantes (agricultura e pecuária), que ceifam a cobertura vegetal nativa, passa a depender cada vez mais de fortes incentivos econômicos e políticos.
As estimativas de madeira em tora oriundas de fontes ilegais na Amazônia estavam em torno de 36% (4,7 milhões de m3) em 2009, considerando os planos de manejo aprovados e autorizações de desmatamento . Com o aumento estimado da demanda por produtos florestais, incluindo os incentivos ao crescimento deflagrados por programas governamentais, este número poderá no mínimo dobrar – com consequências nefastas à integridade da cobertura florestal, se o acesso a fontes legais não for planejado antecipadamente. As ações de comando e controle necessárias para estancar esse desmatamento futuro poderão culminar em um sumidouro de recursos públicos sem eficácia duradoura.
A destinação de florestas públicas como floresta de produção poderá ser o caminho mais rápido para associar fontes legais de recursos madeireiros com conservação, incluindo os compromissos governamentais assumidos de redução de emissões de gases de efeito estufa.
Políticas públicas estruturantes para o setor de florestas nativas poderiam estimular novos investimentos, modernizar as empresas, gerar empregos e renda locais e acabar com o mercado ilegal de madeira.
Ademais, para a produção sustentável na Amazônia, é fundamental o oferecimento de segurança fundiária e de um ambiente estável de negócios em uma região reconhecida por seu caos fundiário e presença precária do Estado. Avanços estão em curso. Em 2006, o Brasil regulamentou o acesso privado aos recursos de florestas públicas por meio da concessão florestal . As áreas públicas destinadas oferecem a segurança fundiária necessária a empreendimentos de longo prazo. No final de 2011, um milhão de ha estava em processo de concessão florestal para produção florestal, fundamentalmente dentro de Flonas. No entanto, como mostrado aqui, essas unidades, mesmo que implementadas em sua totalidade, não são suficientes para atender à demanda atual de madeira.
Para garantir a sustentabilidade do mercado de florestas nativas brasileiras, é essencial que outras unidades de florestas públicas sejam, de fato, habilitadas à produção. Hoje, 64 milhões de ha de florestas públicas não destinadas estão susceptíveis à ocupação e ao uso irregular, justamente pela falta de destinação a algum uso. A grilagem de terra está nas bases de uma ocupação desordenada, da violência rural, da exploração ilegal de recursos naturais e da conversão das florestas em outros tipos de uso do solo. Assim, torna-se imperativo que se realize a destinação desses 25% das florestas públicas brasileiras.
Cerca de 15 milhões de ha de florestas sob a gestão federal poderiam ser destinadas à produção florestal com mínimo risco de conflitos com outros interesses, incluindo o social. De fato, esse montante é imprescindível para garantir o estoque de madeira para o mercado e estabilidade do setor em um futuro próximo. A destinação dessas áreas, além de contribuir para uma economia florestal, contribuiria para a redução de emissão de gases de efeito estufa. Considerando que a falta de destinação das florestas públicas poderá colocá-las em risco de desmatamento futuro, a estimativa é que, ao destiná-las, o potencial de emissão evitada de carbono gerado pelo desmatamento futuro seria de 1,5 GTon CO2 até 2020. Esse montante corresponderia a 25% da emissão a ser evitada via desmatamento até 2020, caso o Brasil cumprisse integralmente as suas metas de redução de desmatamento previstas na Política Nacional de Mudança Climática. Tal emissão evitada poderia ser financeiramente compensada ao país por mecanismos econômicos inovadores em um regime nacional de REDD (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação florestal) ou servir para captar doações para Fundos que realizam investimentos não reembolsáveis em ações de mitigação e adaptação de efeitos climáticos, prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento, e de promoção da conservação e do uso sustentável das florestas, como os já existentes Fundo Amazônia4 e Fundo Nacional sobre Mudança do Clima5.
Preparar o país para um papel relevante na economia florestal requer várias outras ações além do acesso aos estoques de recursos florestais. É preciso fomentar a profissionalização e modernização da indústria relacionada às florestas nativas, captar investidores, fornecer instrumentos de incentivos econômicos, viabilizar infraestrutura de escoamento de produção, entre outros. No campo institucional, o modelo de organizações múltiplas criado para administrar o setor florestal tem gerado um processo de competição concorrente pela sobreposição e lacunas de competências entre os órgãos. O estabelecimento de diretrizes claras sobre as metas para o setor, visualizado por meio de uma Política Nacional de Florestas, poderia unir esses órgãos em torno de um programa comum. Na esfera federal, o fortalecimento do Serviço Florestal Brasileiro como órgão executor das políticas florestais para a produção dariam um claro endereço florestal à sociedade brasileira.
A região Amazônica brasileira acumula adjetivos antagônicos, como uma das mais ricas em biodiversidade e uma das mais pobres economicamente. Incluir suas populações, algumas abaixo da linha de pobreza, em uma economia de base florestal é associar melhoria de renda com a clara vocação florestal da região.
Este é um momento em que decisões estratégicas do governo brasileiro poderão definir o estoque de madeira futura, a modernização do parque industrial da Amazônia e a possibilidade de inclusão social de populações residentes, com consequências positivas para a conservação florestal, a redução de emissões de gases de efeito estufa e a redução de pobreza.
Medidas estratégicas de curto prazo para sustentabilidade do mercado de madeira de florestas nativas:
Destinação de florestas públicas ainda não destinadas para uso florestal;
Inserção de UC de uso sustentável no mercado florestal;
Fomento à melhoria tecnológica das empresas/cooperativas de base florestal;
Gestão florestal na esfera pública com competências bem definidas e lacunas sanadas. |