O Brasil é um país com grande potencial florestal. Mas, só mais recentemente tem se preocupado em utilizar seus recursos florestais de forma mais ordenada. Até então, a produção florestal tinha como sua principal origem as florestas nativas e pouco se fez para que o recurso fosse manejado de forma sustentável. Mesmo assim, o setor florestal apresenta números significativos dentro da economia brasileira.
Fomentar a comercialização adequada de um número cada vez mais crescente de espécies e de produtos de madeira, incluindo atividades de melhoria da qualidade dos produtos comercializados, de controle de qualidade e de propaganda e marketing em geral, destacando-se o estudo e a promoção de espécies menos conhecidas nos mercados nacional e internacional, é tarefa decisória para o melhor aproveitamento dos recursos disponíveis na natureza.
Uma avaliação econômica considerando toda a cadeia produtiva, a partir da floresta, indicou que o aumento do número de espécies, com conseqüente aumento do volume retirado da floresta, reduz o custo de exploração e manejo, levando também a uma redução significativa nos investimentos em áreas florestais para implantação do manejo sustentado.
O uso sustentável e a valorização das florestas, como produtoras de bens e serviços ambientais, geradoras de emprego e renda, constituem a forma mais apropriada de promover a sua sustentabilidade e a proteção desse patrimônio. Seguindo a tendência de desenvolvimento sustentável, preservação e uso racional dos recursos naturais, o mercado de madeira para usos interiores, principalmente o moveleiro vem sendo suprido por madeiras plantadas, principalmente o pinus e o eucalipto, além de espécies florestais nativas alternativas.
No caso de substituição de madeiras escassas por espécies novas e no processo de seleção da madeira mais adequada a cada tipo de uso, surge, freqüentemente, o problema da sua identificação e avaliação das características tecnológicas. Este é o passo inicial para que se possa estudar o potencial madeireiro e, paralelamente, conduzir pesquisas tecnológicas para um aproveitamento racional deste potencial.
A caracterização tecnológica das madeiras alternativas produz dados essenciais que incentivam a introdução destas espécies na indústria madeireira, oferecendo alternativas àquelas espécies cujas reservas estejam se exaurindo. Essa introdução irá possibilitar a colocação no mercado um volume adicional de matéria-prima a preço mais competitivo e reduzirá a exploração seletiva e o desperdício proveniente das diversas formas de desmatamento praticadas. A caracterização das propriedades tecnológicas de espécies alternativas como a madeira de melancieira (Alexa grandiflora) e de acapú (Vuoacapoua americana), viabiliza a substituição de outras de uso consagrado que, em alguns casos, já se encontram em fase de esgotamento, por esta espécie alternativa, podendo apresentar potencial tecnológico equivalente, além de maior disponibilidade e menor custo.
Materiais e Métodos
A pesquisa foi desenvolvida na Universidade de Brasília (UnB) e no LPF/SFB. As espécies estudadas foram a melancieira (Alexa grandiflora Ducke) e o acapú (Vuoacapoua americana Aubl.), oriundas da floresta Amazônica. Em uma indústria madeireira do Distrito Federal, coletou-se três pranchas, ao acaso, de cada espécie. As pranchas obtidas possuíam as seguintes dimensões: 4,0cm de espessura x 10,0cm de largura x 250cm de comprimento. Este material foi identificado anatomicamente para certificação das espécies.
Para os ensaios das propriedades físicas, mecânicas, trabalhabilidade e colorimetria, as amostras foram confeccionadas na marcenaria da UnB. Inicialmente foram retiradas as amostras de colorimetria de cada prancha e com o restante foram cortadas peças de dimensões 2 x 2cm (espessura e largura) para confeccionar os corpos de provas para os testes físicos e mecânicos. As sobras foram aproveitadas para os testes de trabalhabilidade, onde foi aplicado um questionário junto aos profissionais da madeira, para avaliar as dificuldades ou facilidades em se trabalhar com as espécies.
As propriedades físicas ensaiadas foram a densidade básica e as retratibilidades radial, tangencial e volumétrica. Foram confeccionadas 15 amostras com dimensões 2 x 2 x 10cm de cada prancha e para cada espécie. Os ensaios de densidade básica de retratibilidades seguiram, as recomendações das normas COPANT 461 e COPANT 30:1-005 , respectivamente. Para o ensaio mecânico de flexão estática utilizou-se 15 corpos de prova de 2cm x 2cm x 30cm. Estas amostras foram mantidas em sala de climatização para atingirem a umidade de 12%. Os corpos de prova foram ensaiados segundo as a norma COPANT 30:1:006 . Através do ensaio de flexão estática foram obtidos o módulo de elasticidade (MOE) e o módulo de ruptura (MOR). Este teste foi realizado em uma máquina universal de testes INSTRON, célula de carga 2000Kgf, com vão de 28cm e velocidade de 1,3mm/min.
Colorimetria:
O ensaio de colorimetria foi realizado obedecendo a metodologia de acordo com o sistema CIE L*a*b* . Foram utilizados três corpos de provas (um de cada prancha) de cada espécie, com as dimensões 5,5 x 6,5 x 10cm, fazendo-se uma varredura, totalizando cinqüenta medidas: vinte e cinco na face tangencial e vinte e cinco na face radial, para cada amostra. Para determinação dos parâmetros colorimétricos foi utilizado um espectrofotômetro Datacolor Microflash 200d conectado a um microcomputador, com iluminante D65 e ângulo de 10°. Os parâmetros avaliados foram a claridade (L*) e as coordenadas vermelho (+a*), verde (-a*), amarelo (+b*) e azul (-b*). O valor da saturação da cor (C) e do ângulo de tinta (h*) foram calculados pelas seguintes equações:
A caracterização das cores das madeiras estudadas utilizando os parâmetros cromáticos foi designada por meio de uma tabela de cor. As comparações foram feitas em dois sentidos de cada amostra (tangencial e radial). Ainda foram feitas comparações da cor da madeira com outras espécies com dados retirados da literatura. Os valores obtidos das propriedades físicas e dos parâmetros colorimétricos foram avaliados a partir de cálculos estatísticos, análise de variância, e pelo teste Tukey.
Trabalhabilidade:
Os testes de trabalhabilidade foram realizados junto à marcenaria da Universidade de Brasília. As amostras de madeira utilizadas eram provenientes de sobras dos corpos de prova feitos para os testes físicos e colorimetria. Estas amostras foram trabalhadas em vários equipamentos (serra circular, desengrosso, desempeno, tupia, furadeira de mesa e manual, lixa fita e manual, formão manual e plaina manual) e receberam material de acabamento (seladora e verniz). Foi elaborado um questionário no qual foi aplicado junto aos profissionais da indústria moveleira (marceneiro) para acompanhar o trabalho.
Resultados
Os valores das propriedades físicas e mecânicas da madeira de acapú e da melancieira assim como as análises colorimétricas e de trabalhabilidade encontram-se descritos a seguir.
Valores médios das propriedades físicas e mecânicas da madeira de acapú e da melancieira comparada com outras espécies.
A madeira de acapú e de melancieira apresentam densidades básicas de 0,770 g/cm³ e 0,660 g/cm³, respectivamente. Segundo IBAMA as madeiras que apresentarem densidade básica superior a 0,630 g/cm³ e inferior a 0,720 g/cm³ são consideradas de peso médio. No caso da densidade ser superior a 0,720 g/cm³, a madeira é classificada como pesada. Ao se comparar as outras espécies da Tabela 2, verifica¬-se que a densidade da madeira de acapú é idêntica a da sucupira. Enquanto que a densidade básica da melancieira é superior às do tauari e do mogno. Na fabricação de objetos de uso interiores, como móveis, por exemplo, resultará em peças mais pesadas quando fabricados com madeira maciça de acapú. Talvez a fabricação de móveis, com painéis de madeiras, tendo essa madeira na forma maciça, fazendo parte como “detalhes”, poderá ser uma solução. Por outro lado a madeira de melancieira parece não trazer problemas quanto a este quesito, podendo ser usada normalmente como peças de móveis.
A classificação de madeiras pelo critério da retratibilidade volumétrica varia de fraca a forte. São consideradas madeiras de retratibilidade fraca as que possuem valores de 4 a 9% , entre 9 e 14% são consideradas médias e as que apresentam valores de 14 a 18% são madeiras que sofrem forte retratibilidade volumétrica. De acordo com essa informação a madeira de acapú apresenta forte retração volumétrica e a de melancieira média retratibilidade volumétrica. Cuidados especiais durante a secagem da espécie acapú (controle de temperaturas, umidade e ventilação) são recomendados para evitar possíveis defeitos.
Analisando o módulo de ruptura da madeira de acapu verifica-se um valor elevado, isso indica que é uma madeira que apresenta alta resistência a este tipo de solicitações. O valor do módulo de elasticidade também se apresenta alto, indicando que é uma madeira que sofre poucas deformações em resposta às forças externas. É uma madeira que apresenta uma alta rigidez, superior a sucupira. Esta característica potencializa a espécie para ser utilizada na construção civil. Esta propriedade também a credencia para utilizá-la em móveis ou peças mais robustas de interiores que exigem resistência à flexão como elemento de resistência.
Valores médios dos parâmetros colorimétricos das madeiras de acapu e de melancieira comprados com outras espécies.
A cor da madeira de acapu é caracterizada pela claridade Esta madeira é caracterizada como de coloração castanho amarronzado escuro. A madeira de melancieira é de cor amarela clara.
Fazendo-se uma comparação da cor das madeiras estudadas com outras espécies mais conhecidas, os valores dos parâmetros colorimétricos demonstram que a madeira de melancieira apresenta valores muito próximos ao da cerejeira, colocando esta espécie no grupo de madeiras claras. Já a madeira de acapú tem coloração mais próxima da madeira de ipê, colocando-a no grupo de madeiras escuras. Para as outras espécies, observa-se que os valores dos parâmetros são bem distintos, caracterizando as diferenças de coloração em relação às espécies estudadas.
Trabalhabilidade
O comportamento das madeiras de acapú e de melancieira em relação a máquinas, ferramentas e produtos de acabamento tiveram como finalidade disponibilizar um maior número de informações tecnológicas, melhorando a usinagem.
A madeira do acapu apresentou excelente desempenho na serra circular. Para os demais equipamentos como dessengrossadeira, furadeira de mesa, furadeira manual, lixa fita, lixa manual, plaina manual e desempeno apresentou bom desempenho, não desgastando os equipamentos facilmente. Entretanto a madeira produz um pó inerte que com o passar do tempo provoca irritação nasal no operador. A madeira gasta um pouco mais de lixa do que algumas espécies como o Mogno (Swietenia macrophylla), porém quando comparado ao Ipê (Tabebuia sp.) a madeira de acapu se mostra mais econômica. Esta espécie apresenta bom comportamento perante a seladora, sendo necessária apenas duas demãos para a finalização do acabamento. A média geral obtida pela aplicação do questionário para esta madeira perante aos equipamentos e material de acabamento foi de 8,5 , isto é, tem um comportamento muito bom perante a equipamentos e material de acabamento.
Ao se fazer a análise dos resultados de usinagem da madeira de melancieira perante os equipamentos serra circular, desengrosso, tupia, furadeira de mesa, lixa fita e plaina manual, esta apresentou um comportamento bom, segundo os profissionais da área (marceneiros) com uma nota média de 8. Esta espécie apresenta um pouco felpuda ao passar por maquinário e mais áspera, gastando um pouco mais de lixa e material de acabamento (seladora) que espécie anterior.
A madeira de acapu caracterizou-se por apresentar densidade básica alta, retratibilidade volumétrica forte e baixo coeficiente de anisotropia. É uma madeira de fácil manuseio e agradável aparência. Apresenta bom desempenho aos equipamentos de marcenaria, dando bom acabamento final.
A madeira de acapu é de coloração escura, classificada como castanho amarronzado escuro. Apresenta valores médios altos de flexão estática, o que a potencializa a ser usada em mobiliário que exige maiores resistências mecânicas. A madeira de melancieira apresentou densidade básica e retratibilidade volumétrica média. O coeficiente de anistropia é moderado, parecendo não trazer problemas de defeitos no processo de secagem. Apesar de mostrar peças felpudas e ter um maior gasto de lixas e material de acabamento, esta madeira é de coloração agradável (amarela clara) ao mercado consumidor dando como resultado final, móveis de boa aceitação.
Assim, ambas as espécies são recomendadas para a indústria moveleira, tornando-se opções de uso de madeiras que estão sendo mal aproveitadas no comércio atual. Certamente, os preços dessas madeiras também deverão ser mais convidativos em função da não valorização atual destas espécies.
Andrea Rejane S Gomes -Engenheira Florestal – UnB/EFL; Jose Arlete A Camargos -Pesquisador do LPF/SFB; JOAQUIM CARLOS GONÇALEZ -UnB/EFL – Departamento de Tecnologia de Madeira; Larissa Carolina dos Santos -Engenheira Florestal – UnB/EFL