O Brasil utiliza métodos dendrométricos já consagrados há décadas por profissionais da área florestal para estimar as características de uma floresta a partir da medição direta de árvores individuais. Todavia, apesar de especialistas reconhecerem que a tecnologia a laser aerotransportada trará profundas modificações para a dendrometria, o seu uso prático é ainda pouco disseminado. É curioso, entretanto, observar a evolução que essa nova tecnologia vem apresentando em outras áreas, onde os ganhos de precisão e eficiência são facilmente percebidos. São bons exemplos os casos onde o mapeamento altimétrico de extensas áreas é essencial. Nesses casos, o emprego de técnicas de varredura, rastreamento ou perfilhamento a laser já é corriqueiro e ocorre há vários anos.
Apesar das aplicações florestais serem ainda poucas no Brasil, o uso do laser se encontra consolidado há anos na Escandinávia e na América do Norte. Nessas regiões o perfilhamento a laser de extensas superfícies com cobertura florestal, para fins de quantificação e qualificação da biomassa, mostra-se técnica e economicamente justificado há vários anos. É de se esperar que no Brasil isso também ocorra, pois já se observa queda no custo dos principais itens dessa tecnologia, crescente disponibilidade de rotinas de processamento de dados específicos para as nossas condições e necessidades, e um número maior de técnicos habilitados e melhor qualificados para o uso desses recursos em levantamentos silviculturais e em atividades de monitoramento biométrico.
Na Escandinávia o seu uso em escala operacional na área florestal já é uma realidade desde 2002, e avaliações científicas rigorosas do desempenho desse método têm demonstrado precisão comparável aos convencionais métodos que envolvem intenso trabalho de campo. Nessa parte da Europa, onde as aplicações florestais se encontram mais arraigadas, o custo se mostra comparável aos métodos convencionais baseados em estéreo fotogrametria e fotointerpretação. Os resultados mais recentes das experiências do Serviço Florestal norte-americano com a tecnologia também demonstram adequação às necessidades dos levantamentos.
A tecnologia aerotransportada pode ser vista como um conjunto de quatro instrumentos: a unidade de emissão e recebimento laser acoplada à aeronave; as unidades de posicionamento global (GPS) no avião e no chão; um sensor inercial (IMU) acoplado à unidade laser para medir roll, pitch e yaw (guinada, arfada e rolamento) e um computador para controlar o sistema e armazenar os dados.
Os emissores laser aerotransportados atuais emitem até 200 mil pulsos de luz por segundo, iluminando qualquer superfície que se interponha no seu caminho. Os sistemas Lidar de uso tipicamente florestal são geralmente do tipo discrete-return small-footprint. O termo discrete-return descreve a forma como o laser é emitido em pulsos com certa freqüência, formando uma série discreta (não contínua) de emissões e retornos. O termo small footprint define a relativamente pequena dimensão da área instantaneamente iluminada pelo pulso laser (círculos com diâmetros entre 15 e 90 cm).
Basicamente, ao serem usados em aplicações florestais, esses sistemas permitem o posicionamento preciso em três dimensões de superfícies reflexivas no solo e nos elementos constituintes da vegetação (folhas, ramos e troncos). Para gerar medidas de posicionamento precisas, o sistema laser mantém integrado à unidade emissora, um sensor que captura a luz refletida e calcula o tempo decorrido entre a emissão e a detecção. Esse intervalo é usado para computar a distância percorrida entre a unidade laser e o solo. As unidades GPS e IMU determinam a precisa localização e altitude da unidade laser no momento da emissão, e uma exata coordenada é calculada para cada ponto. A unidade laser usa um espelho ou prisma oscilante para que o feixe de pulsos forme um leque e varra uma determinada faixa sob a aeronave, bastando uma série de sobrevôos em linhas paralelas para que áreas mais largas que essa faixa seja integralmente cobertas.
Um mesmo pulso ao ser emitido pode encontrar as seguintes situações:
- Ser integralmente interceptado e refletido por uma única superfície no dossel, produzindo um único retorno;
- Ser parcialmente interceptado a diferentes alturas antes de atingir o solo, produzindo um primeiro retorno e vários retornos intermediários;
- Ser interceptado a diferentes alturas, produzindo retornos intermediários e um último retorno no nível do solo;
- Atravessar o dossel e ser integralmente refletido no solo, produzindo um único retorno.
Para cada pulso, o sistema Lidar identifica e armazena as leituras de primeiro retorno (RP), de retorno intermediário (RI) e de último retorno (RU), produzindo um arquivo de dados que pode ser segmentado de diferentes formas. Para a modelagem digital de terreno é de se imaginar que apenas as alturas de RU sejam necessárias, enquanto que para alturas de árvores a diferença entre as alturas de RP e RU seja mais útil. As alturas de RI são geralmente desconsideradas, pois acabam introduzindo mais ruído nas análises do que ganho de qualidade.
Resumidamente, a precisa determinação de altura e localização dos pulsos produz medidas diretas em três dimensões da superfície terrestre. Esses milhões de medidas armazenadas criam uma nuvem tridimensional que, processada por programas específicos, permite em pouco tempo a obtenção de resultados que técnicas de mapeamento anteriores levariam meses ou até anos.
O aparente custo alto, observado quando o levantamento com o sistema Lidar é feito em pequenas áreas, deixa de existir quando extensões maiores são sobrevoadas. Nesses casos o valor hoje pode cair para valores inferiores a U$ 5/ha. Em aplicações florestais, o levantamento Lidar é usado para extrapolar medições convencionais, feitas em parcelas amostrais, para o nível de povoamento. As parcelas, distribuídas nas áreas sobrevoadas, produzem estimativas de altura, volume, área basal etc. que, de acordo com princípios alométricos – ou leis da proporcionalidade do crescimento – são extrapoladas para o resto do povoamento.
Dessa forma, um levantamento Lidar, sob condições de trabalho menos arriscadas e extenuantes, permite menor intensidade amostral no campo e gera, em nível de povoamento, estimativas tão ou mais precisas que os métodos convencionais. Várias métricas calculadas a partir do processamento das alturas de primeiros e últimos retornos (RP e RU) vêm sendo utilizadas em levantamentos florestais. A alta correlação entre as alturas de RP e a altura das árvores já é conhecida há vários anos, assim como a importância de se dar maior peso às maiores alturas de RP obtidas. Em termos práticos, isso significa que, do grande número de dados gerados em um levantamentos Lidar, apenas os RP mais altos por unidade de área deveriam ser retidos para análise.
Essa constatação revelou a importância do conceito de percentil para a maioria das análises e métricas propostas. Em aplicações Lidar, o percentil “q” identifica, por exemplo, o valor da altura de RP abaixo do qual estão q% de todos os valores. Ou seja, se um levantamento apresenta percentil 90% igual a 34 metros, é de se esperar que apenas 10% dos primeiros retornos observados tenham valor superior a 34 metros. Além de estimativas precisas para a altura de árvores em povoamentos florestais, os levantamentos Lidar também têm se mostrado úteis para a estimação da área basal e do volume em nível de talhão.
Em vários trabalhos, esta tecnologia tem resultado em estimativas de parâmetros florestais onde os modelos de predição capturam de 80 a 99% da variação observada no campo. Esses trabalhos tratam de povoamentos com características bastante diferentes dos plantios de Eucalyptus encontrados no Brasil. A mesma confiabilidade das estimativas, entretanto, também foi encontrada quando se utilizou a tecnologia laser aerotransportada em atividades de inventário para plantios de Eucalyptus em Portugal. Além de aplicações na América do Norte e Europa, resultados semelhantes, também são encontrados para plantios de Eucalyptus na África do Sul, por exemplo, onde o Lidar vem sendo investigado para reduzir os custos das atividades de inventário sem perder a precisão oferecida pelos métodos convencionais. Nesse caso, os dados permitiram inclusive estimar o número efetivo de fustes por hectare para plantios de E. grandis.
Já no Brasil, apesar de ainda recentes, as aplicações vêm apresentando resultados similares.
As estimativas obtidas com esta tecnologia para parâmetros diretamente relacionados com altura são de alta precisão. Quando aplicada a povoamentos homogêneos clonais de Eucalyptus, a sua precisão e eficiência se mostraram ainda maiores. A tecnologia se encontra consolidada e inúmeras avaliações, realizadas principalmente na América do Norte e na Europa, demonstram a sua alta eficiência e eficácia, qualificando-a para imediata utilização na área florestal. Apesar de já consolidada, vários ajustes e testes precisam ainda ser feitos para adequá-la melhor às condições brasileiras, tanto para uso em atividades rotineiras de inventário florestal em florestas industriais plantadas, como para levantamentos em florestas naturais. Novos avanços, e a sua integração com câmeras digitais para estudos fotogramétricos e multiespectrais, tornarão essa tecnologia ainda mais poderosa, acessível e imprescindível.
Autores:
Luiz Carlos Estraviz Rodriguez, Jefferson Lordello Polizel e Silvio Frosini de Barros Ferraz, da Esalq-USP, departamento de Ciências Florestais;
Matheus Felipe Zonete, da Savcor Forest Group;
Maria Zelia Ferreira, da Veracel Celulose |