As conseqüências da ação térmica na madeira como material estrutural resulta em alterações em suas propriedades de resistência e rigidez e a redução da seção resistente do elemento estrutural devido à formação do carvão. Tais modificações alteram a estabilidade da estrutura. Ela entrará em colapso se o esforço que atua no elemento estrutural superar o esforço que ele poderia resistir.
Quando não colapsada, o uso da estrutura está condicionado à verificação das ações levando em conta a perda da resistência do material e a redução de sua seção transversal. A verificação estrutural pode conduzir a duas conclusões:
a) a condenação total ou parcial da estrutura e
b) a estrutura pode ser reabilitada.
A madeira é um combustível sólido que passa por um processo de degradação térmica quando submetida à elevação da temperatura. Neste processo, diferentes resíduos são produzidos, alguns deles são alvo de interesse comercial: compostos químicos voláteis, gases, vapor d’água, fumaça, cinzas e carvão. Todo o processo é descrito, por simplificação, em etapas e sua compreensão auxilia no estudo do comportamento da carbonização da madeira, vindo a ser também útil para a avaliação de seu comportamento quando empregada em sistemas construtivos.
As etapas de degradação térmica da madeira são expressas por alguns autores por meio de quatro faixas de temperatura, ocorrendo por vezes diferenças entre os valores de algumas faixas. No entanto, as variações são mínimas e os processos envolvidos não apresentam variações significativas. Essa abordagem em etapas almeja facilitar a compreensão da dinâmica envolvida na degradação.
No intervalo de temperatura até os 200oC, a madeira ao ser lentamente aquecida, libera inicialmente vapor de água, gases e perde massa de modo uniforme. Embora ocorra a carbonização à temperaturas acima de 95oC, a madeira não entra em ignição. Esse processo endotérmico é denominado pirólise lenta.
Em um segundo momento, os gases passam a ser rapidamente liberados (pirólise rápida), e embora não ignizem de imediato, uma condição exotérmica é atingida. A temperatura que marca essa transição da reação endotérmica e exotérmica é considerada em muitas definições como o ponto de ignição da madeira. Por ser um material anisotrópico e com grande variabilidade, a determinação de um único registro para a madeira, não é assertivo.
Quando a temperatura na madeira atinge a faixa entre 280oC a 500oC, libera grande quantidade de gases combustíveis que alimentam a combustão com a presença de chamas, são estes: metano, metanol, formaldeído, ácido fórmico e acético e hidrogênio e alcatrões altamente inflamáveis. Todo esse material gasoso é conduzido para fora do corpo sólido por meio de vapores, formando uma suspensão de gotículas que comporá a fumaça.
Na combustão flamejante a liberação de gases combustíveis possibilita a ignição ao serem expostos a uma chama piloto. Os gases ignizados acabam por promover o consumo do oxigênio do entorno que, se escasseando, momentaneamente promovem a queima incompleta da madeira, a formação de carvão e a conseqüente perda de massa. O efeito isolante desse carvão recém formado retarda o tempo necessário para que a madeira atinja seu ponto exotérmico.
A quarta etapa da degradação da madeira ocorre no intervalo de temperatura entre 500oC e 1000oC. As chamas desaparecem dando lugar a queima luminosa do monóxido de carbono e hidrogênio. Devido à incandescência do carvão remanescente que brilha com certa intensidade, essa etapa é conhecida como combustão incandescente.
Todo o processo acima descrito com brevidade nos dá um panorama sobre o processo de combustão da madeira, ou seja, a sua degradação térmica na presença de oxigênio, tal como vemos comumente ocorrer no dia a dia. Convém ressaltar que a degradação térmica da madeira também pode ocorrer na ausência de oxigênio, geralmente em ambiente laboratorial. Esse processo de degradação é conhecido como pirólise da madeira e de modo semelhante à combustão da madeira, dela resulta a formação de diversos componentes químicos, liberação de gases inflamáveis e formação do carvão.
Camada carbonizada
A formação do carvão representa um importante parâmetro de estudo para previsão do comportamento da madeira exposta ao fogo. Ele é constituído por 20 a 25% de material volátil, 70 a 75% de carbono fixo e 5% de cinzas. Sua baixa condutibilidade térmica, 0,04154 W/mK, corresponde a aproximadamente a 1/6 da condutividade da madeira sã que faz com que ele atue como isolante térmico para a madeira protegendo-a nas camadas mais internas.
Quando a madeira é aquecida passa a conduzir mais calor. Quando essas temperaturas são inferiores à da base da camada carbonizada (260oC), a influência da temperatura na condutividade térmica é relativamente pequena; ocorre um aumento de 2 % a 3% a cada 10oC. Porém, quando em temperaturas elevadas, a parcela de influência da transmissão de calor por meio da radiação é maior, devido aos vazios do carvão formado, seu valor passa a ser consideravelmente ascendente.
Embora isolante, o carvão formado não possui capacidade resistente. Portanto, quanto maior a formação do carvão, menor será a capacidade do elemento estrutural resistir as solicitações a que é submetido. Portanto é importante distinguir uma temperatura referencial que marque a transição do que seria a madeira sã e a madeira carbonizada, também denominada temperatura base de carbonização da madeira, para que assim seja possível mensurar sua formação. Esta temperatura localiza-se no intervalo entre 288oC e 324oC, mas por simplificação é utilizado o valor de 290oC.
O resultado de um ensaio de termogravimetria, realizado em três espécies de madeira com diferentes valores de densidades, cupiúba (0,83g/cm3), E. Grandis (0,64 g/cm3) e Pinus elliottii (0,56 g/cm3). Uma importante informação extraída é a perda da densidade que se acentua a partir de temperaturas próximas aos 300oC. Esta perda está relacionada à temperatura de carbonização da madeira, ou seja, aquela na qual a madeira é convertida totalmente em carvão.
O estabelecimento dessa temperatura permite a determinação da razão ou a velocidade na qual a madeira se converte em carvão: taxa de carbonização da madeira. Recordemos os valores anteriormente apresentados: 288oC a 324oC, 290oC ou 300oC.Trata-se de um valor dimensional importante para a avaliação da estabilidade de elementos estruturais de madeira durante a ocorrência de um incêndio.
Sua determinação é feita tanto por meio de métodos experimentais como também por modelos teóricos fundamentados em princípios físicos e químicos. O valor dimensional para determinação da velocidade de conversão da madeira em carvão é caracterizado tanto por meio da perda de massa (g/s), também denominada taxa de queima, como pelo aumento da camada carbonizada (mm/min.) denominada de taxa de carbonização.
O segundo método para fins estruturais é o mais difundido, pois conduz diretamente à análise da seção residual e atende aos interesses do estudo de peças estruturais em situação de incêndio, os quais se baseiam na redução da área resistente e na perda das propriedades de resistência e rigidez da madeira.
Resultados experimentais obtidos de espécies coníferas e folhosas de origem Norte-Americana têm demonstrado uma velocidade média de carbonização, linear, de 0,635mm/min. O valor difundido adota a taxa de carbonização transversal à grã de 0,6mm/min. para todas as madeiras submetidas a exposição padronizada ao fogo.
Recomenda-se dois valores: 1) um para madeiras de baixa densidade e secas: 0,8mm/min. e 2) outro para madeiras coníferas de média densidade de 0,6mm/min.
Os modelos assumidos pelas normas admitem uma taxa de carbonização também linear. O EUROCODE apresenta valores tabelados para as taxas em função da densidade da madeira.
Além da formação do carvão, há outro fator que contribui para que o elemento estrutural de madeira perca sua capacidade resistente em situação de incêndio: a redução das propriedades mecânicas.
Essa redução é estimada com base em modelos empíricos e teóricos. Pode-se assumir que a seção remanescente seja um material homogêneo ou composto por camadas com diferentes propriedades, em função dos gradientes térmicos internos.
A partir da superfície até o interior da seção, a cada gradiente térmico ocorre a diminuição da resistência e alteração na rigidez, da respectiva camada em função da temperatura.
A seção remanescente é dividida em:
a) Seção residual, que mesmo não carbonizada apresenta significativa redução de sua capacidade resistente. É desconsiderada para efeito de cálculo, pois as mudanças nas propriedades mecânicas são significativas a partir dos 60oC e isso ocorre devido à degradação dos seus principais componentes químicos;
b) Seção residual efetiva. É pouco exposta à ação térmica e suas propriedades mecânicas são consideradas efetivamente na avaliação da capacidade de suportar o carregamento;
Na seção residual efetiva ainda podemos identificar a presença de um arredondamento nas quinas do elemento estrutural, efeito que resulta da maior exposição da madeira pelas duas faces. Nas quinas de elementos como vigas e pilares, essa perda é considerável, sendo mesmo considerada em cálculo previsto por normas.
Códigos que ignoram a redução da resistência abaixo da camada carbonizada, tal como o da Nova Zelândia, podem trazer resultados inseguros, especialmente para elementos de pequena seção.
O EUROCODE 5, por exemplo, assume que todas as peças de madeira têm perda de resistência abaixo da camada carbonizada. A normatização européia considera que essa redução está na ordem de 20% em relação à madeira intacta. Ela é expressa por um fator de redução que depende do perímetro e da área da seção transversal da peça exposta ao fogo.
Para o EUROCODE 5, o cálculo estrutural é realizado de dois modos: 1) se a taxa de carbonização adotada for β0 (unidimensional), o efeito do arredondamento da quina da seção βn não está incluso; 2) se a taxa de carbonização adotada for n (taxa de carbonização nominal) o arredondamento dos cantos, já é considerado e o raio do arredondamento é igual à espessura da camada carbonizada.
O comportamento da madeira exposta ao fogo vem sendo sistematicamente estudado. Os principais métodos empregados são as modelagens e os ensaios experimentais em escala natural ou em escala reduzida. A motivação reside na possibilidade de melhorar seu desempenho junto à construção civil, promovendo edificações mais seguras. O conhecimento do caráter isolante e protetor do carvão e a determinação da velocidade de carbonização foram decisivos para o estabelecimento de parâmetros, tanto para a elaboração do projeto arquitetônico quanto para o dimensionamento estrutural.
Autores: Edna Moura Pinto (emourap@ufrnet.br; Carlito Calil Junior (calill@sc.usp.br)