As exigências de qualidade, em diversos setores, são crescentes e forçam as empresas a incorporar novos procedimentos na sua linha de produção ou prestação de serviços. De acordo com a ABNT (2010), as tradicionais vantagens baseadas no uso de fatores abundantes e de baixo custo estão sendo eliminadas pela competição entre as empresas. A implantação de programas de qualidade ou conformidade pode contribuir para o crescimento e evolução dos diversos setores. Certificar um produto ou serviço significa comprovar junto ao mercado que a organização possui um sistema de fabricação controlado, garantindo a confecção de produtos ou a execução dos serviços de acordo com normas específicas, comprovando sua diferenciação face aos concorrentes. As organizações que mais investem em qualidade, pela adoção de programas, obtêm mais sucesso em indicadores de desempenho da qualidade e maiores ganhos financeiros. Mencionam também que as principais causas de insucesso de programas de qualidade estão relacionadas com a escassez de recursos financeiros para a correta implantação e o frágil apoio da direção da empresa.
Os sistemas de gestão de qualidade ligados à construção civil têm se expandido pelos mais diversos países e existe a tendência de desenvolvimento de modelos específicos para atendimento das necessidades desejadas. Com a certificação, houve uma tendência de melhoria contínua, entretanto, sendo mais efetiva quando os índices de refugo e retrabalho são grandes. A ISO 9000 proporcionou ganhos mais relacionados à padronização dos processos e os ganhos da QS 9000 estão ligados à prevenção de não-conformidades e à eficácia das atividades.
Com a adoção do sistema de gestão da qualidade, os benefícios estão associados às mudanças internas nas empresas de natureza operacional (vinculadas a procedimentos de qualidade), estratégica (papel da qualidade nas estratégias do negócio) e gerencial (associadas à estrutura e processos de administração internos). Adicionalmente, também foi relatado aumento do grau de especialização e capacitação tecnológica das empresas. Apesar do crescimento na adoção de programas de qualidade em diferentes cadeias produtivas, poucas são as iniciativas brasileiras existentes com relação à análise, normalização e certificação de qualidade para produtos de madeira. O destaque é o PNQM – Programa Nacional de Qualidade da Madeira, coordenado pela ABIMCI – Associação Brasileira da Indústria da Madeira Processada Mecanicamente. Este Programa foca principalmente os painéis compensados de madeira e o atendimento às exigências da Comunidade Européia para a Marcação CE. Pelas avaliações inicialmente realizadas, constata-se uma grande lacuna envolvendo procedimentos controlados relacionados à qualidade e sua aplicação nas indústrias fabricantes de produtos de madeira.
Torna-se de grande importância o desenvolvimento de estudos objetivando avaliar os benefícios da implantação de programas de certificação de qualidade e incentivar a sua adoção pelas indústrias do setor de produtos de madeira. Para a cadeia produtiva dos pisos de madeira sólida, a ANPM – Associação Nacional dos Produtores de Pisos de Madeira desenvolve um Programa de Qualidade (PQ) objetivando proporcionar melhorias significativas em termos de eficiência, segurança, controle de qualidade e desempenho da gestão. Os benefícios incluem o melhor controle dos custos, aperfeiçoamento da mão-de-obra, redução de desperdícios, melhores práticas gerenciais, redução dos riscos de processos judiciais, prevenção contra barreiras técnicas e, logicamente, atendimento das exigências de qualidade.
O crescente consumo de pisos de madeira, verificado ao longo da atual década também é um fator estimulante para melhorar a qualidade dos produtos e aumentar a competitividade no mercado internacional.
Produção mundial de pisos de madeira
No Brasil, a produção de pisos também apresenta um crescimento significativo ao longo dos anos, entretanto a participação brasileira no mercado mundial é muito pequena considerando a grande vocação florestal do país. Com consumo e produção crescentes, a qualidade torna-se imprescindível, inclusive na agregação de valor aos produtos. O objetivo principal deste trabalho é analisar a evolução da qualidade dos pisos de madeira brasileiros a partir da implantação do PQ da ANPM e identificar os principais problemas causadores de não-conformidades contribuindo, assim, para a adoção de procedimentos corretivos pelas indústrias fabricantes.
Os procedimentos adotados na aplicação do PQ da ANPM tem como base a elaboração de normas técnicas e auditorias periódicas para verificação do padrão de conformidade dos produtos. Para a análise da evolução no padrão de qualidade dos pisos, apresentada neste trabalho, foram utilizadas informações de 8 auditorias seqüenciais realizadas em 6 indústrias produtoras; considerando-se o índice médio de conformidade nas indústrias auditadas.
Até o ano de 2010 as duas únicas normas existentes no Brasil, relacionadas a pisos de madeira, eram as da ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas, denominadas “Taco de madeira para soalho” e “Tacos modulares de madeira para soalhos na construção coordenada modularmente”. Essas normas, por serem antigas, não são relacionadas ao tipo de piso mais produzido atualmente, denominado “Assoalho”; o qual consiste de peças com dimensões variáveis e encaixes do tipo “macho e fêmea”. Neste sentido, a ANPM desenvolveu normas para o piso do tipo “Assoalho” considerando as principais normas internacionais existentes, principalmente as adotadas pela NOFMA – National Oak Flooring Manufacturers Association (1999) e pela NWFA – National Wood Flooring Association (1999). Entretanto, apesar de usar como base normas internacionais, tornou-se necessário fazer adaptações considerando as diferenças entre as espécies de madeiras. O Brasil apresenta uma diversidade de espécies e, logicamente, características que devem ser consideradas na elaboração de normas gerais. Assim, através de diversas discussões com empresas, profissionais e instituições ligadas ao setor, a ANPM elaborou as seguintes normas:
a) Terminologia: que define os termos relacionados a pisos de madeira;
b) Padronização e Classificação: que estabelece as classes de qualidade e níveis de tolerância de defeitos que devem ser analisados para determinação do padrão de qualidade do piso de madeira do tipo assoalho.
Em um primeiro momento, essas normas foram utilizadas internamente pelas empresas associadas da ANPM, para checagem de sua aplicação prática e possíveis ajustes. Posteriormente, considerou-se importante oficializar as normas junto à ABNT e torná-las disponíveis para toda a sociedade. A ANPM coordenou a Comissão de Estudos da ABNT e as referidas normas foram publicadas oficialmente em março de 2010.
Auditorias de Qualidade
Tendo as normas de Padronização e Classificação como documentos referenciais, foram propostos procedimentos padronizados para avaliar a qualidade dos pisos de madeira; os quais deram origem a umas normas internas da ANPM abordando as Auditorias de Produto, tanto externas como internas. As auditorias, que envolvem a amostragem do produto (piso de madeira sólida) e a quantificação dos defeitos, das dimensões e do teor de umidade; resultam na qualificação (ou não) da indústria produtora de piso no Programa de Qualidade da ANPM. Os principais procedimentos da auditoria são:
Amostragem: Em cada auditoria são amostradas 125 peças de um lote de pisos de madeira já acabados e prontos para utilização. Para definição da amostragem foram utilizadas como referência as normas da ABNT NBR 5425, NBR 5426 e NBR 5427. Para a determinação do teor de umidade são selecionadas, ao acaso, 50 peças do lote amostral. Na auditoria, as peças amostradas são dispostas em uma mesa plana e regular onde são realizadas a análise visual e a mensuração das dimensões.
Defeitos de processamento: Incluem os diversos tipos de empenamentos, rachaduras e outros defeitos como falhas no encaixe e no esquadrejamento. Durante a inspeção é formado um painel com as peças amostradas, simulando uma situação prática de instalação, o que contribui para a identificação de defeitos que não aparecem na análise individual das peças como degraus e frestas.
Defeitos intrínsecos e aspectos estéticos: Defeitos graves que não são admitidos incluem apodrecimento, presença de casca, cerne quebradiço, extremidades quebradas, fissuras de compressão, galeria de insetos, presença de medula, rachaduras anelares e diametrais. No caso da estética, é analisada a aparência (grau de uniformidade das peças), presença de grã reversa e manchas.
Dimensões: São analisadas a largura e a espessura das peças. As medições são realizadas em três pontos na mesma peça sendo duas medições nas extremidades e uma medição na região central. As medições não consideram os encaixes e são tomadas sempre em relação à face da peça.
Teor de Umidade: A determinação do teor de umidade segue o método gravimétrico (secagem em estufa a 103C 2 até massa constante), descrito em diversos manuais de secagem da madeira.
De acordo com as normas referenciais, resumidamente, os aspectos analisados são classificados conforme as seguintes tolerâncias:
Espessura: Tolerância de ± 0,20 mm em relação à dimensão nominal. Largura: Tolerância de ± 0,20 mm em relação à dimensão nominal.
Umidade: Tolerância de ± 1,5% em relação à umidade nominal.
Defeitos: neste caso, as avaliações consideraram como base a Classe 01 de qualidade das normas que consiste no padrão mais rígido de classificação. A análise é realizada constatando a ausência, presença e/ou medições dos defeitos.
Em todos os casos, conforme os resultados da inspeção, as amostras são classificadas em peças conformes (dentro das exigências das normas) e não-conformes (fora das exigências das normas). Para que o lote seja aprovado é necessário um mínimo de 93% de conformidades para dimensões, teor de umidade e defeitos.
De uma forma geral, a implantação do Programa de Qualidade proporcionou sensível melhoria no padrão de qualidade dos pisos de madeira.
Nota-se que a média das conformidades com relação a defeitos aumentou com a realização das auditorias. No início das auditorias as conformidades apresentavam percentual de conformidades acima de 90% e no final atingiu cerca de 95%. Isto indica que este item não é problemático apresentando fácil controle. A análise de defeitos é realizada de forma visual, assim, a atenção dos inspetores de qualidade das empresas é de grande importância para evitar a presença de peças com defeitos nos lotes já preparados para comercialização. Algumas condições favorecem o percebimento de peças com defeitos como boa iluminação, mesa adequada (regular e plana), quantidade de material adequada e a própria capacitação e experiência dos inspetores. As principais causas de não-conformidades foram frestas, torcimentos, falhas na face e rachaduras de superfície.
Espessura
A média das conformidades com relação a espessura também aumentou com a realização das auditorias. Na auditoria inicial, as peças dentro da tolerância de +/-0,2 mm eram de 85% e, na última auditoria, o percentual de conformidades foi da ordem de 98%. Houve um crescimento gradual na qualidade das peças até atingir praticamente uma estabilização, verificada após a 5ª auditoria. Considera-se que este item não é mais problemático, sendo fácil o seu controle.
Largura
Assim como para a espessura, a média das conformidades com relação a largura aumentou com a realização das auditorias. No início as peças dentro da tolerância de +/-0,2 mm eram de cerca de 86% e, na última auditoria considerada, o percentual de conformidades foi de cerca de 97%. Neste caso é interessante notar que nas auditorias iniciais houve uma queda de qualidade. Conforme informações das empresas, a largura das peças é um aspecto problemático, pois a dimensão das peças, neste sentido, se altera de forma mais acentuada durante e após o processamento. A madeira, como material higroscópico, altera suas dimensões conforme a umidade do ambiente ao seu redor, e esta alteração (pode ser contração ou inchamento) é mais significativa no sentido da largura das peças.
A maioria das empresas fabricantes busca produzir pisos com um teor de umidade final de 8%. Assim, após o processo de secagem, a madeira tenderá ganhar umidade e aumentar as suas dimensões proporcionalmente ao tempo de exposição ao ambiente. Na região norte, onde existem muitas indústrias fabricantes de pisos, este problema de alteração de umidade e dimensões tende a ser mais intenso, devido a elevada umidade relativa do ar. Para evitar as alterações de umidade e, consequentemente, as alterações dimensionais, deve-se processar e embalar a madeira o mais rapidamente possível após o processo de secagem. Também podem ser utilizadas câmaras climatizadas para minimizar as alterações.
Umidade
O teor de umidade é a característica de qualidade que apresentou maior variação ao longo das auditorias. A tendência é de aumento no índice de conformidades, mas sem ainda atingir o mínimo especificado; configurando-se como o mais problemático e de difícil controle. As empresas também mencionam esta dificuldade. O teor de umidade das peças, assim como discutido no item largura, sofre alterações conforme as mudanças de umidade no ambiente onde estão dispostas. Além disso, outros aspectos podem influenciar a ocorrência de grande variação no teor de umidade das peças. Por exemplo: secadores e controladores inadequados; medidores de umidade descalibrados; falta de capacitação técnica dos profissionais responsáveis; variabilidade de matéria-prima (espécies e tempos de pátio diferentes); e pressa para a entrega dos pedidos. Para se conseguir obter o teor de umidade desejado e de maneira uniforme é necessária grande atenção nos aspectos mencionados anteriormente. Muitas vezes não são fatores isolados que causam o problema de umidade inadequada. Além disso, caso o teor de umidade seja inadequado, problemas podem ocorrer após a instalação dos pisos de madeira, ou seja, as peças podem inchar ou encolher causando defeitos como frestas, rachaduras e empenamentos. Neste caso a situação torna-se crítica, pois é provável a ocorrência de processo judicial entre o cliente comprador do piso e a empresa comerciante.
Como conclusão, o PQ da ANPM contribuiu para a melhoria de qualidade dos pisos de madeira; com a realização das auditorias houve melhora geral no padrão de qualidade dos pisos; os itens defeitos e espessura são de mais fácil controle com altos índices de conformidades; os principais defeitos, causadores de não-conformidades, verificados nas inspeções foram frestas, torcimentos, falhas na face e rachaduras de superfície; a característica largura pode apresentar maior variação de conformidades devido ao comportamento higroscópico da madeira; a característica umidade apresenta grande variação de conformidades sendo de difícil controle.
Autores: Ariel de Andrade (ariel@anpm.org.br) - USP - ANPM; Ivaldo Pontes Jankowsky (ipjankow@esalq.usp.br) - USP; Saly Takeshita (saly@usp.br) - USP; Raul Pereira Vieira Neto (raul@anpm.org.br) - ANPM