O fomento florestal é um instrumento estratégico que promove a integração dos produtores rurais à cadeia produtiva e lhes proporciona vantagens econômicas, sociais e ambientais. Além da ampliação da base florestal no raio econômico de transporte para suprir a demanda de matéria-prima para as indústrias, o fomento florestal, como atividade complementar na propriedade rural, viabiliza o aproveitamento de áreas degradadas, improdutivas, subutilizadas e inadequadas à agropecuária, propiciando alternativa adicional de renda ao produtor rural.
A atividade florestal, contudo, em muitos casos é pioneira em propriedades rurais. A colheita e transporte da madeira foram apontados, por produtores rurais fomentados no Estado do Espírito Santo, como a grande desvantagem do programa de fomento florestal. Entre os fatores que dificultam a colheita e o transporte florestal, os produtores apontaram a falta de máquinas e equipamentos adequados na propriedade e o alto risco de acidentes inerente a essas atividades realizadas de forma manual ou semi-mecanizada.
A colheita florestal é considerada um trabalho pesado devido à grande exigência física requerida ao trabalhador, principalmente quando realizada de forma manual ou semimecanizada, e com alto risco de acidentes. As condições e o ambiente de trabalho na colheita florestal têm aspectos particulares, pois os locais de trabalho são temporários e os trabalhadores atuam expostos a condições climáticas adversas, que aumentam o risco de acidentes.
Além da pouca experiência dos produtores rurais na área de silvicultura, deve-se considerar que em áreas florestais de pequena escala os riscos de acidentes tendem a ser altos devido a equipamentos inadequados e à falta de mecanismos de segurança, trabalhadores desqualificados e inexperientes e de conhecimento sobre os riscos inerentes à atividade. Nas operações de colheita florestal ocorrem muitos acidentes, e as principais causas têm sido a falta de experiência e de treinamento, a utilização de máquinas e ferramentas inadequadas e uso dos equipamentos de proteção individual.
Tendo em vista que os acidentes são considerados indicadores das condições de trabalho, estes foram levantados diretamente dos proprietários rurais, pois a maioria deles não é relatada ou notificada nos sistemas de registro, uma vez que não são amparados por compensações trabalhistas (trabalhadores informais), não sendo, portanto, considerados nos levantamentos de estatísticas oficiais. Assim, o objetivo deste trabalho foi caracterizar as condições de trabalho, especificamente em questões de segurança, em atividades de colheita e transporte florestal de propriedades rurais fomentadas no Estado do Espírito Santo.
Análise de dados
Os dados foram obtidos nos meses de setembro e outubro, por meio de questionários específicos, contendo perguntas abertas e fechadas acerca das atividades de colheita e transporte florestal. Os questionários foram aplicados, em forma de entrevista, aos titulares dos contratos de fomento florestal ou, em alguns casos, ao representante ou pessoa ligada ao titular que estava à frente das atividades relacionadas ao contrato. Os 90 contratos amostrados corresponderam a 70 proprietários rurais fomentados, pois houve casos em que um proprietário possuía mais de um contrato ou era responsável por contratos de familiares, sendo estes apenas os titulares legais. Os dados obtidos foram, posteriormente, tabulados para realização das análises.
O tamanho da área fomentada por contrato variou entre 1,5 e 100,0 ha, sendo de até 30 ha em 86,7% deles e com relevo montanhoso em 61,2%. A colheita e o transporte florestal foram terceirizados em 70% e 80% dos contratos, respectivamente, e realizados por conta dos proprietários nos demais.
A colheita florestal compreende um conjunto de atividades composto pelas etapas de corte (derrubada das árvores, desgalhamento e traçamento em toretes), extração dos toretes e carregamento dos veículos de transporte.
Na colheita florestal terceirizada, as atividades de derrubada das árvores e traçamento dos toretes foram realizadas com motosserras. Em 41,0% dos contratos, os toretes foram traçados com 3 m de comprimento, em 57,4% deles com 2,20 m de comprimento e nos restantes com 2,40 m. O desgalhamento foi executado com motosserras em 70,5% dos contratos, com instrumentos manuais (machados e facões) em 10,0% deles e de forma desconhecida pelos proprietários nos contratos restantes. A extração dos toretes foi manual em 55,7% dos contratos e mecanizadas (por meio de trator autocarregável e trator com guincho) nos demais. O carregamento dos veículos de transporte foi manual em 62,3% dos contratos e mecanizados nos demais. O transporte florestal terceirizado foi realizado com caminhões de dois e três eixos e caminhões articulados.
Na colheita florestal própria, as atividades de derrubada das árvores e traçamento dos toretes foram executadas com motosserras. Em 17,2% dos contratos, os toretes foram traçados com 3 m de comprimento, em 79,3% deles com 2,20 m de comprimento e nos restantes com 2,40 m. O desgalhamento foi realizado com motosserras em 48,3% dos contratos e com instrumentos manuais (machados e facões) nos restantes. A extração dos toretes foi manual em 96,6% dos contratos e mecanizadas por meio de trator autocarregável nos restantes. O carregamento dos veículos de transporte foi manual em 96,6% dos contratos e mecanizados nos restantes. O transporte florestal próprio foi realizado com caminhões de dois e três eixos.
Terceirização
Dos proprietários que terceirizaram a colheita florestal, destaca-se que 69,6% não firmaram contrato por escrito com os prestadores de serviço. Nessas circunstâncias, deve-se atentar para os riscos advindos da contratação informal, principalmente pelo fato de os proprietários virem a ser responsabilizados juridicamente por danos civis ou lesões corporais.
A falta de um contrato formal e expresso descaracteriza a relação legal entre as partes e não evidencia que os trabalhadores estão sob a responsabilidade de supervisão de terceiros. Os contratos devem definir as responsabilidades e os deveres das partes nos termos da legislação nacional e especificar os requisitos de segurança e saúde, assim como as sanções e penalidades em caso de não cumprimento.
Os trabalhadores dos prestadores de serviço tinham uma jornada média de trabalho de nove horas, de segunda a sexta-feira, perfazendo um total de 45 horas semanais.
O deslocamento dos trabalhadores dos prestadores de serviço até o local da colheita foi realizado por ônibus em 29,5% dos contratos; por automóveis em 21,3% dos contratos; por motocicletas em 4,9% dos contratos; a pé em 9,8% dos contratos; e por caminhões em 6,6% dos contratos.
Observou-se que grande parte dos trabalhadores se deslocou por conta própria até o local de colheita. Em 13,1% dos contratos não houve deslocamento diário dos trabalhadores até o local de colheita, pois eles ficaram hospedados na casa do proprietário (75,0%), em casa alugada pelo prestador de serviço (12,5%) e em acampamento estabelecido no local de colheita (12,5%). Os proprietários referentes aos 14,8% dos contratos restantes não souberam responder quanto à forma de deslocamento dos trabalhadores.
Os trabalhadores dos prestadores de serviço receberam ordens dos próprios prestadores de serviço ou de seus encarregados em 95,1% dos contratos e dos proprietários em 4,9% deles, o que descaracteriza a terceirização da atividade.
Colheita própria
Na colheita florestal própria, empregou-se mão-de-obra contratada em 63,8% contratos, familiar em 22,4%, de meeiros em 6,9% e de vizinhos em 6,9%.
Os trabalhadores contratados não tinham vínculo empregatício formal com os proprietários em 51,4% dos contratos, e no restante esse vínculo empregatício era através de carteira de trabalho (32,4%) ou contrato temporário (16,2%). Considerando a soma dos trabalhadores contratados sem vínculo empregatício, dos trabalhadores familiares, meeiros e vizinhos, tem-se o total de 69% de contratos com mão-de-obra informal.
Cerca de 73% dos proprietários não fizeram nenhuma exigência na contratação da mão-de-obra. O restante exigiu experiência, mas não requereu comprovação. Nesse sentido, destaca-se que o emprego de pessoas despreparadas, além de ser um problema social dado ao risco de acidentes, compromete também os aspectos econômicos da atividade, pois os recursos humanos devidamente capacitados são fatores decisivos no aumento da produtividade.
Todo trabalhador, ao se ingressar na colheita florestal, deveria ser previamente treinado para desempenhar a função com maior produtividade; menor esforço físico, resultante da utilização de técnicas de trabalho adequadas; maior conscientização em relação ao uso de equipamentos de proteção individual; e menor de risco de acidentes.
Esse treinamento se faz mais necessário ainda para aqueles trabalhadores que nunca tiveram nenhum contato com a atividade florestal. Além disso, para operadores de motosserras o treinamento é obrigatório, de acordo com a NR 12 (Norma Regulamentadora do Ministério do Trabalho e Emprego).
Na colheita própria, a jornada média de trabalho era de oito horas, de segunda a sexta-feira, perfazendo um total de 40 horas semanais. O deslocamento dos trabalhadores contratados até o local da colheita era realizado por automóveis em 35,2% dos contratos, por caminhões em 16,2%, a pé em 16,2%, e por motocicletas em 10,8%. Observou-se que a maioria dos trabalhadores contratados deslocou-se por conta própria até o local de colheita. Em 21,6% dos contratos não houve se deslocou diário dos trabalhadores até o local de colheita, pois eles ficaram hospedados na casa do proprietário. O deslocamento dos trabalhadores meeiros até o local da colheita foi realizado por automóveis e o dos trabalhadores vizinhos dos proprietários, por automóveis em 50% dos contratos e a pé nos outros 50%, comprovando que esses operários residiam próximo à área do contrato.
Os trabalhadores contratados recebiam ordens dos proprietários em 67,6% dos contratos e dos encarregados dos proprietários em 27,0% deles. Entretanto, em 5,4% dos contratos os entrevistados responderam que os trabalhadores contratados não recebiam ordens. Salienta-se que a existência de um coordenador é necessária para a orientação dos trabalhadores nas tarefas que devem ser realizadas. O coordenador desempenha papel estrutural fundamental para a saúde do grupo, que é o de referência de direito e ordem e a quem se devem justificativas dos comportamentos profissionais.
As ordens dadas aos trabalhadores contratados tinham freqüência diária em 67,6% dos contratos, semanal em 21,6% e eventual em 10,8%. Muitas vezes, os acidentes são causados devido à falta de planejamento do trabalho, falta de qualificação e experiência dos supervisores e organização e supervisão precárias.
Os proprietários não fizeram nenhum planejamento prévio das operações de colheita florestal em 55,2% dos contratos. A seqüência de atividades mal planejadas e a má distribuição de horários e atividades estão entre os problemas que podem causar condições inseguras.
Acidentes de trabalho
Ocorreram acidentes de trabalho em 15 dos 90 contratos amostrados, o que representa um porcentual de 16,7% de contratos com ocorrência de acidentes. Desses acidentes, 60% aconteceram em contratos com colheita e transporte florestal próprios e 40%, em terceirizados.
Os proprietários rurais fomentados declararam que não tinham experiência em colheita florestal em 55,6% dos contratos próprios com ocorrência de acidentes.
Dos acidentes ocorridos na colheita e transporte florestal próprios, 33,4% envolveram mão-de-obra familiar, 22,2% meeira, 22,2% contratada informalmente e 22,2% contratada formalmente. E, dos acidentes ocorridos na colheita e transporte florestal terceirizados, 50% envolveram prestadores de serviço sem contratação formal.
O socorro aos trabalhadores acidentados na colheita e transporte florestal terceirizados foi prestado pelos colegas de trabalho, pelo encarregado ou pelo responsável pela prestação de serviço em 50% dos acidentes. Em 33,3% deles, o socorro foi prestado pelo proprietário e, em 16,7%, por outras pessoas que se encontravam no local.
Na colheita e transporte florestal próprios, o socorro aos trabalhadores acidentados foi prestado pelo proprietário em 55,6% dos acidentes e pela família em 44,4% deles.
Os principais motivos dos acidentes ocorridos foram falta de atenção e fatalidade. Entretanto, os trabalhadores não estavam usando nenhum equipamento de proteção individual em 76,9% dos contratos com ocorrência de acidentes nas atividades da colheita florestal (corte, extração e carregamento).
Na atividade de corte, 54,5% dos acidentes aconteceram por falta de atenção, 36,4% por fatalidade e 9,1% por falta de experiência do trabalhador. Cabe relatar que um dos acidentes ocorridos no corte se referia à picada de ofídios. Na extração e carregamento, 100% dos acidentes ocorreram por fatalidade. E, no transporte, 50% foram por problemas técnicos no veículo e 50% por consumo de bebida alcoólica pelo motorista.
A atribuição dos acidentes à fatalidade é justificada pelo desconhecimento ou conhecimento parcial dos proprietários quanto aos riscos inerentes às atividades de colheita florestal, pois se pode afirmar que nenhum acidente ocorre por fatalidade. Os acidentes são causados por atos inseguros, condições inseguras ou os dois fatores em conjunto. Os atos inseguros são práticas de procedimentos que contrariam as normas de segurança, criando condições para que o acidente aconteça. Além disso, as condições do local ou ambiente de trabalho também podem oferecer riscos. Os acidentes geralmente resultam de interações inadequadas entre o homem, a tarefa e o seu ambiente.
O tempo médio que os trabalhadores acidentados na atividade de corte ficaram impossibilitados de trabalhar foi de 17,5 dias, sendo o máximo de quatro meses. No carregamento dos veículos de transporte foi de quatro meses e no transporte, de 15 dias. Na extração não houve acidentes que impossibilitassem o acidentado de trabalhar.
Na colheita terceirizada, os prestadores de serviço mantinham veículos disponíveis para a prestação de socorro em 91,8% dos contratos. Os proprietários referentes a 3,3% dos contratos não souberam responder, e nos 4,9% restantes não havia veículos de transporte no local da colheita para uma possível prestação de socorro.
Na colheita própria, os proprietários possuíam veículos disponíveis para a prestação de socorro em 89,7% dos contratos. Contudo, em 69% dos contratos não havia material de primeiros socorros básicos. Além disso, nenhum dos proprietários rurais fomentados teve algum curso sobre primeiros socorros ou prevenção de acidentes.
Proteção individual
Os trabalhadores não utilizavam nenhum equipamento de proteção individual (EPI) em 23,0% dos contratos com colheita terceirizada e em 62,1% dos contratos com colheita própria. Esses resultados surpreendem pelo elevado porcentual de trabalhadores que não fazem uso de EPI nas atividades de colheita florestal, apesar de a sua necessidade ser evidente.
Conforme a NRR 4 (Norma Regulamentadora Rural do Ministério do Trabalho e Emprego) , o empregador rural é obrigado a fornecer EPIs adequados às atividades desempenhadas. Na colheita florestal, o capacete é essencial para a proteção do impacto proveniente da queda de galhos. O protetor facial é destinado à proteção dos olhos e da face contra lesões ocasionadas por partículas de madeiras resultante das atividades de derrubada, desgalhamento e traçamento.
As luvas são necessárias principalmente nas atividades de extração e carregamento manuais. Botas de cano longo ou botinas com perneiras, além de serem fundamentais para a proteção de operadores de motosserras, são importantes para trabalhadores do campo, que estão sujeitos a acidentes com animais peçonhentos. O uso do protetor auricular também se faz útil nas atividades de corte, pois os operadores de motosserra estão sujeitos à influência de um nível de ruído superior ao permitido pela legislação brasileira, o qual, para uma jornada de trabalho de oito horas, é de 85 decibéis, conforme a NR 15 (Norma Regulamentadora do Ministério do Trabalho e Emprego). Entretanto, observou-se que em nenhum contrato de fomento florestal os trabalhadores dispunham de todos esses equipamentos citados.
Fonte: Juliana Lorensi do Canto - Programa de Pós-Graduação em Ciência Florestal da UFV - e-mail:
jlcanto@terra.com.br; Carlos Cardoso Machado - Departamento de Engenharia Florestal da UFV - e-mail:
machado@ufv.br; Amaury Paulo de Souza - Laboratório de Produtos Florestais do IBAMA; Alencar Garlet - Laboratório de Produtos Florestais do IBAMA - e-mail:
alencar.galet@ibama.gov.br; Rosa Maria Miranda Armond Carvalho - Programa de Pós-Graduação em Ciências Florestais da Universidade Federal de Lavras; Rommel Noce - Programa de Pós-Graduação em Ciências Florestais da Universidade Federal de Lavras