É consensual que, nas últimas décadas, a matriz produtiva brasileira de produtos sólidos da madeira tenha apresentado uma substancial transformação. É cada vez maior a tendência dos centros consumidores do sul do País se abastecerem de madeira serrada e de outros produtos sólidos, com matéria-prima oriunda de reflorestamentos localizados na própria região, em função dos problemas de falta de acesso, de infra-estrutura e dos altos custos de transporte enfrentados pelos madeireiros do norte do País, bem como a cobrança e a vigilância dos organismos internacionais pela questão ambiental . Com isso, a madeira proveniente de florestas nativas está sendo gradativamente substituída por produtos reconstituídos ou oriundos de florestas plantadas de rápido crescimento. As espécies usadas em reflorestamento apresentam alta produtividade, redução da idade de corte, segurança de abastecimento, homogeneidade de matéria-prima, custo competitivo da madeira, além da possibilidade de múltiplos usos da floresta e seus produtos.
O setor industrial de base florestal tem-se deparado com desafios significativos no que diz respeito ao processamento e aceitação de seus produtos. O primeiro grande desafio é a crescente expansão dos mercados para a “madeira ambientalmente correta”, exemplificado pela crescente força mercadológica dos “selos verdes” em todo o mundo; um segundo desafio é a globalização dos mercados consumidores, com a conseqüente necessidade de aumento na produtividade e o atendimento a padrões de qualidade cada vez mais exigentes. Este cenário tem estimulado a exploração da madeira de reflorestamento, principalmente das espécies do gênero Pinus e Eucalyptus.
São várias as razões para que o eucalipto possa ser indicado como a alternativa de oferta de madeira. O gênero tem ocupado um lugar preferencial na escolha de espécies para o estabelecimento de florestas plantadas em nosso País. Em vários estados da região centro-sul brasileira, observou-se, nos últimos trinta anos, um vasto e bem sucedido programa de reflorestamento, com algumas espécies do gênero Eucalyptus, visando atender, principalmente, às necessidades de matéria-prima para a produção de polpa celulósica, chapa de fibra, carvão e lenha. Para atender a tais demandas, a seleção de espécies envolveu, inicialmente, programas de melhoramento e algumas práticas silviculturais, como espaçamento e fertilização, objetivando-se ganhos imediatos de crescimento, forma do tronco, regeneração e resistência a pragas e doenças; numa segunda etapa, tais programas foram complementados com a busca de ganhos nas propriedades da madeira, como densidade, dimensões de fibras, teores de casca e composição química.
Alternativa
A partir do final da década de 80, a crise nos setores de celulose e papel e siderurgia a carvão vegetal, causada pela acentuada queda nos preços internacionais desses produtos, contribuiu para que as empresas procurassem outras alternativas para o uso da madeira de eucalipto. Buscou-se a utilização múltipla das florestas e uma melhor remuneração para a madeira, incentivando as empresas a definir estratégias para produzir uma madeira com melhores atributos.
Ao se pensar na utilização da madeira para fins mais nobres, como a produção de móveis e o seu uso em decorações e construção civil, tornou-se necessário aprimorar, ainda mais, as características de ordem silvicultural já mencionadas e incorporá-las a vários outros programas de melhoramento genético e de manejo e de condução da floresta, como o desbaste e a desrama, além de avaliar outros aspectos da especiais da madeira, como a ausência de nós e outros defeitos superficiais, os níveis de tensões de crescimento, de madeira juvenil, de estabilidade dimensional, de resistência mecânica, de trabalhabilidade, de desenhos e a coloração. Tratamentos especiais tiveram de ser dispensados à madeira nas fases de processamento primário( desdobro e secagem), bem como nas fases de usinagem e acabamento. O grande segredo da tamanha versatilidade da madeira de eucalipto é exatamente o tratamento especial a ela dispensado.
Até o presente momento, a grande experiência silvicultural brasileira se resume na produção de florestas jovens, de ciclo curto e de rápido crescimento. O resultado de qualquer análise sobre outras aplicações da madeira de eucalipto no Brasil( serraria, movelaria, marcenaria, lâminas, compensados e construção civil) demonstra que as experiências são muito pequenas. Toda a madeira de eucalipto atualmente disponível foi projetada para a sua utilização nos usos anteriormente mencionados, e, ainda, não se tem a madeira ideal para a indústria moveleira. Em vista da falta de controle da matéria-prima e dos parâmetros dependentes do processamento, as experiências na área de serraria e marcenaria têm-se mostrado muito restritas, quanto à possibilidade de suas extrapolações. Esse quadro tem grandes possibilidade de reversão na medida em que se romperem alguns preconceitos e se aprofundarem os estudos sobre as inúmeras alternativas de uso múltiplo.
Matéria-Prima
A produção tradicional da madeira de eucalipto no Brasil tem utilizado o sitema de corte raso aos 6 ou 7 anos de plantio, seguido de condução da rebrota por mais uma ou duas rotações. Os principais mercados dessa madeira são as empresas de celulose, chapas duras e, principalmente, carvão vegetal para uso siderúrgico ou doméstico, geralmente em regimes auto-sustentados e verticalizados. Produzida em alta escala para atender à demanda acelerada desse parque industrial, essa madeira é destinada a processos transformadores destrutivos, não apresentando propriedades que a salvaguardam como matéria-prima para produtos de natureza sólida, como produtos serrados ou laminados.
Dentro desse quadro, quase não houve espaço para o desenvolvimento de florestas que visassem à produção de madeira chamada nobre, processada em serrarias e laminadoras, para uso em carpintaria e marcenaria, como móveis, portas, janelas, esquadrias, pisos, peças estruturais e revestimentos. A matéria-prima difere bastante daquela utilizada na indústria de transformação já citada anteriormente, porque a madeira é utilizada na sua forma sólida e o produto final expõe as características externas da madeira. É óbvio que o processo de obtenção dessa matéria-prima de alta qualidade implicará na adoção de técnicas bem específicas.
A potencialidade de uso da madeira de eucalipto como madeira serrada ou laminada tem-se tornado realidade em muitos países. Quando comparada com o porte e as tradições de uso das madeiras nativas, a concepção, no entanto, recomenda um manejo de florestas com ciclos longos, superiores a 20 ou 30 anos, para obtenção de toras grossas e cernes coloridos, além de uma maior estabilidade da madeira. O principal fator que sempre atrasou o emprego bem sucedido da madeira de eucalipto em marcenaria e carpintaria foi a abundância de madeiras nativas de excelente qualidade e com preços reduzidos. A própria literatura de engenharia civil e de tecnologia de madeira utiliza exaustivamente exemplos baseados em madeiras nativas, como o cedro, peroba, ipê, imbuia e jacarandá. O que se viu, ao longo dos anos, foi a exploração desenfreada das florestas nativas de todo o território brasileiro; as consequências diretas têm sido a grande elevação dos preços e a perda de sua qualidade, com a diminuição da oferta e com as grandes distâncias entre as fontes de produção e de consumo, com os preços de transporte mais caros que a própria madeira, forçando a substituição de madeiras mais nobres por outras de menor qualidade, além de uma grande heterogeneidade de uma mesma carga de madeira, sendo prática muito comum a mistura de espécies parecidas, sob o mesmo nome comercial.
O eucalipto é, sem dúvida, a alternativa mais viável, a curto prazo, para substituir a madeira de espécies nativas. A possibilidade do estabelecimento de vários tipos de florestas dentro de uma mesma área florestal tem sido apontada como uma alternativa para a obtenção de vários produtos.Os primeiros plantios de florestas de eucalipto, para usos múltiplos, no Brasil, ocorreram no início do século passado, nos diversos hortos da Cia. Paulista de Estradas de Ferro, no estado de São Paulo. Desde a lenha para combustível nas locomotivas até moirões de cerca e postes margeando a ferrovia, produziam-se dormentes e todo o madeiramento para a construção das estações e vilas.
Uso Múltiplos
A produção de florestas com usos múltiplos deve obedecer a um planejamento e devem ser compatibilizados os aspectos operacional-econômico e o silvicultural-ecológico, fazendo-os atuar em sinergia.
Algumas empresas florestais no Brasil já vêm adotando os desbastes em seus reflorestamentos. Tal prática é feita com acompanhamento minucioso do inventário quantitativo e qualitativo das áreas em questão, através de um plano de regulação da floresta. Existem três métodos que são atualmente colocados em prática, utilizados unicamente em áreas consideradas boas.
a) O primeiro método consiste em se fazer duas a três intervenções na floresta, aproximadamente aos 4, 7 e, quando possível, aos 11 anos de idade, retirando-se 40, 30 e 30%, respectivamente, das populações remanescentes. Tal método é o mais utilizado, embora sofra críticas e restrições dos pesquisadores; segundo estes, o desbaste deverá ser aplicado somente quando o desenvolvimento da floresta assim o permitir, ou seja, quando a floresta atingir o máximo de ocupação numa área; assim sendo, o critério de idade não se torna o fator decisivo para intervenção. Do ponto de vista operacional-econômico, qualquer intervenção antes dos 4 anos se torna antieconômica, devido à impossibilidade de um bom aproveitamento do material retirado da floresta, devido ao diâmetro reduzido.
b) O segundo método consiste em selecionar as árvores superiores( 250 a 350 árvores por hectare) e preservá-las do corte por ocasião da primeira rotação, normalmente aos 7 anos; a madeira oriunda da brotação será aproveitada. As árvores anteriormente selecionadas serãao também preservadas por ocasião da segunda e terceira rotação, normalmente aos 14 anos e 20 anos, quando, finalmente, serão cortadas todas as árvores. As vantagens desse método, denominado de “exploração com remanescentes” são comprovadas pela literatura especializada, quando se obtém madeira para serraria, ao final de três ciclos, e madeira de diâmetro inferior para os usos tradicionais, ao final de cada rotação. O método não pode ser aplicado em sítios arenosos(pobres) e não deve ser utilizado quando se utilizam certas espécies intolerantes à regeneração sob estrato superior, como o Eucalyptus saligna.
c) O terceiro método consiste em selecionar as melhores árvores, deixando-se na área o equivalente a 50% da área basal, mas eliminando-se totalmente a brotação. Segundo os especialistas, a regeneração permite uma receita adicional, mas anula totalmente os efeitos do desbaste, após o terceiro ano. A seleção das árvores é feita através de minuciosa avaliação quantitativa e qualitativa, por meio de desbaste misto(sistemático e seletivo).
Resultados Esperados
A EMATER-MG realizou um estudo comparativo de manejo de florestas e fez algumas simulações com o sistema convencional e com o sistema de uso múltiplo.
a) Sistema de manejo convencional – sistema de corte raso aos 7 anos, com incremento médio de 30 st/há/ano, espaçamento de 3 x 2m, com maciços de 1666 árvores/há, com um índice de perda de 10% e um valor final de R$ 5,00 por estere de madeira.
Valor da lenha em pé: R$ 5,00/ st
Taxa interna de retorno : 12,32%
b) Sistema de manejo para uso múltiplo, em sistema de desbaste seletivo aos 7 anos, com 600 árvores remanescentes, com incremento médio de 30 st/há/ano, espaçamento de 3 x 2 m, com maciços de 1667 árvores/há, com um índice de perda de 10% e um valor final por árvore de R$ 17,50.
Valor da lenha em pé: R$ 5,00/st
Valor da árvore aos 15 anos: R$ 17,50/ árvore
Taxa interna de retorno: 22,16%
Sem dúvida, o sistema de manejo sob uso múltiplo oferece oportunidades ímpares para o produtor florestal e para o setor industrial, com maior valor agregado e maior qualidade da matéria-prima.
Setembro/2002
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