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REVISTA DA MADEIRA - EDIÇÃO N°120 - OUTUBRO DE 2009

Instrumentos Musicais

Efeito da secagem nas propriedades acústicas

Dentre as espécies estudadas para serem usadas na construção de instrumentos musicais, encontra-se o marupá, folhosa tropical cuja madeira apresenta cor branco-palha levemente amarelada, de fácil trabalhabilidade e bom acabamento. O marupá é indicado para ser utilizado como tampo de instrumento de corda, uma vez que suas propriedades como a densidade, o módulo de elasticidade, o decremento logarítmico e a freqüência de vibração são semelhantes àquelas da madeira de spruce, tradicionalmente utilizada. Além disso, nos Estados Unidos, a madeira de marupá é utilizada para tubos de órgãos e teclas de pianos, devido, principalmente, a sua baixa contração e boa trabalhabilidade.

Além das propriedades tecnológicas mencionadas, a madeira utilizada na fabricação de instrumentos musicais deve estar com o teor de umidade entre 6% e 8%. A secagem se constitui em uma etapa extremamente importante do processamento, pois, quando realizada de forma adequada, proporciona a melhoria das propriedades da madeira, garantindo tanto a qualidade da matéria-prima como a do produto final.

Quando a madeira seca até o teor de umidade final apropriado, a maior parte da contração já ocorreu, tornando-a menos susceptível a movimentos dimensional e conseqüentemente, mais estável. Dessa forma, menor será a tendência da madeira apresentar empenos, rachaduras ou qualquer outra alteração, principalmente quando em uso, devido à secagem sem controle. Esse processo também causa uma sensível melhora das propriedades mecânicas como a flexão estática, a compressão, a dureza e o cisalhamento, assim como das propriedades de isolamento elétrico e acústico.

Tradicionalmente, a secagem natural é o método mais utilizado na fabricação de instrumentos musicais. A maioria dos luthiers prefere trabalhar com a madeira seca ao ar livre. Alguns desses profissionais chegam a deixar a madeira por um período de 6 a 8 anos em ambiente climatizado antes de utilizá-la. A secagem adequada da madeira ao ar livre significa mais do que simplesmente reduzir a tendência a empenos, pois à medida que o tempo passa, a resistência aumenta e as propriedades acústicas são melhoradas. Além disso, a lenta secagem ao ar livre permite alterações químicas que “curam” a madeira e, por essa razão, algumas peças chegam a ficar expostas às condições ambientais por até 30 anos.

Consta na literatura que Martin Guitars, produtor americano de guitarras em larga escala, realiza uma secagem em duas etapas: primeiro, a madeira é seca em estufa e posteriormente coloca- da ao ar livre, de modo a recriar, artificialmente, os efeitos causados pela longa secagem natural. A taxa de secagem não influencia as propriedades acústicas da madeira, mas o tempo em que a madeira permanece na secagem natural pode contribuir para a liberação das tensões inerentes ao processo de secagem, tenha sido ele rápido ou lento.

Entretanto, quanto mais rápida for a secagem, mais longo será o tempo necessário para que essas tensões sejam liberadas. A melhoria conferida às propriedades acústicas, pela secagem ao ar livre, não pode ser obtida em outros processos de secagem conduzidos a baixas temperaturas.

No Brasil, as pesquisas realizadas com o objetivo específico de investigar a influência dos tipos mais comuns de secagem de madeiras na performance de instrumentos musicais são praticamente inexistentes. A secagem natural, além de demandar muito tempo, dependendo das condições de temperatura e umidade relativa do ar do local onde é realizada, pode não proporcionar à madeira o teor de umidade final desejado. A secagem artificial convencional é vantajosa em termos de tempo, mas seus eventuais efeitos sobre as propriedades acústicas da madeira necessitam ser mais bem investigados.

Esse estudo teve por objetivo avaliar os efeitos da secagem convencional nas propriedades acústicas da madeira de marupá (Simarouba amara Aubl), quando comparados com os da secagem ao ar livre.

Estudo

Para desenvolver o estudo, a madeira de marupá foi adquirida comercialmente na forma de um bloco com dimensões aproximadas de 75 cm de largura por 50 cm de espessura e 2,70m de comprimento. No sentido longitudinal tangencial, foram retiradas tábuas isentas de medula, com dimensões de 14 cm de largura por 2,5 cm de espessura e 50 cm de comprimento.

Após o desdobro do material, as tábuas isentam de defeitos foram codificadas, separadas aleatoriamente em dois pacotes e colocadas em tanques com água, permanecendo submersas até o momento dos tratamentos de secagem.

Os pacotes de tábuas de marupá foram retirados ao acaso do tanque com água e submetidos aos seguintes tratamentos:

a) Tratamento 1 – secagem em estufa convencional;
b) Tratamento 2 – secagem ao ar livre.

Após serem retiradas do tanque, as tábuas destinadas à secagem convencional foram empilhadas verticalmente para que o excesso de água fosse eliminado, sendo, então, seus topos impermeabilizados para evitar a rápida perda de umidade durante a secagem. Foram selecionadas as três tábuas mais pesadas da carga e, provavelmente, as mais úmidas para monitoramento do processo de secagem. Para isso, no centro de cada uma dessas tábuas, foram colocados dois eletrodos com 12 mm de comprimento, distantes 30 mm entre si, permitindo determinar continuamente o teor de umidade.

As tábuas foram secas até um teor de umidade final de 10% (base seca) em uma estufa para testes equipada com controle automático Gann, com velocidade do ar entre 2,5 e 2,8 m/s, período de aquecimento inicial de 3 horas e de acondicionamento de 6 horas.

As tábuas do lote 2, que se encontravam submersas em água, foram submetidas à secagem ao ar livre em um galpão de 40 m² coberto e ventilado localizado em Brasília.

Após a secagem convencional e a secagem ao ar livre, procedeu-se à seleção das peças destinadas à preparação dos corpos-de-prova a ser utilizados nos ensaios acústicos. Sempre que possível, selecionaram-se peças provenientes do mesmo torete, objetivando reduzir a variabilidade existente na madeira ao longo da altura. Para cada tratamento, foram retirados 10 corpos-de-prova com dimensões de 20 mm de largura (tangencial) por 3 mm de altura (radial) por 300 mm de comprimento na direção da grã. Em seguida, esses corpos-de-prova foram colocados em ambiente controlado com temperatura de, umidade relativa do ar de (65±2)% e teor de umidade equilíbrio aproximado de 12%, onde permaneceram por 9 meses até o momento de realização dos ensaios.

As propriedades acústicas da madeira seca ao ar livre e seca em estufa convencional foram avaliadas por meio de testes de vibração forçada, em que foram determinados a freqüência de ressonância, ou freqüência natural de vibração, e o decaimento logarítmico.

Determinou-se a massa específica aparente para cada uma das amostras ensaiadas, com o objetivo de se ter uma informação adicional dessa propriedade física que interfere no amortecimento da vibração. O experimento foi estruturado como inteiramente casualizado. Para verificar diferenças significativas entre a freqüência de ressonância e o decaimento logarítmico determinados para a madeira de marupá seca em estufa e ao ar livre, realizou-se uma análise de variância ao nível de significância de 2,5%.

Resultados

O tempo de secagem em estufa, a temperaturas de 70ºC e 80ºC, foi de 52,0 horas, e a madeira apresentou moderada tendência ao torcimento médio e ao endurecimento superficial forte, apesar de ter sido submetida a um período de 6 horas de acondicionamento. Isso indica que o período de acondicionamento foi insuficiente para aliviar as tensões e que o mesmo deve ser aumentado. O tempo de secagem ao ar livre foi de 47 dias, e a madeira, embora não tenha desenvolvido defeitos significativos, apresentou moderada tendência ao endurecimento superficial médio.

Como a secagem foi conduzida nos meses mais secos do ano, essas tensões podem ter sido decorrentes das severas condições de temperatura e umidade relativa do ar aos quais a madeira foi exposta (temperatura máxima de 34ºC e umidade relativa do ar mínima de 16%). Baixas umidades relativas aceleram a secagem ao ar e isso, apesar de ser aparentemente vantajoso, pode causar defeitos e endurecimento superficial em espécies mais susceptíveis.

Embora não exista diferença significativa entre as freqüências de ressonância determinadas, a 2,5% de probabilidade, a madeira seca em estufa apresentou um valor médio 2,6% superior ao da madeira.

Os métodos de secagem utilizados, convencional e ao ar livre, não alteraram significativamente as propriedades acústicas da madeira de marupá testada. As amostras de madeira de marupá, submetidas à secagem em estufa e ao ar livre, apresentaram moderada tendência ao endurecimento superficial forte e médio, respectivamente, indicando que o tempo de acondicionamento na secagem em estufa foi insuficiente para aliviar as tensões desenvolvidas, e que as condições de temperatura e umidade relativa na secagem ao ar livre foram muito severas.

O valor médio do decaimento logarítmico das amostras de madeira de marupá seca em estufa diminuiu, sugerindo uma provável melhora na performance dessa madeira, quando utilizada na fabricação de tampos de instrumentos musicais de corda. Entretanto, essa redução no valor do decaimento logarítmico não foi significativa a 2,5% de probabilidade.

Os parâmetros acústicos estudados, freqüência de ressonância e decaimento logarítmico, são os mais importantes e não tenham apresentaram diferenças estatisticamente significativas entre si. Entretanto, há outros parâmetros que não foram avaliados nesta pesquisa e que, interagindo, podem conferir características distintas entre instrumentos musicais confeccionados com madeira seca em estufa ou ao ar livre, que podem ser percebidas por um luthier experiente e com grande sensibilidade auditiva. Para estudos futuros, recomenda-se não só a avaliação das propriedades acústicas da madeira seca em estufa e seca ao ar livre, como também de instrumentos musicais confeccionados com a madeira submetida a esses tipos de secagem.

Autores: Márcia Helena Bezerra Marques - Laboratório de Produtos Florestais (LPF/IBAMA); Varlone Alves Martins - LPF/IBAMA; Mário Rabelo de Souza - LPF/IBAMA, SCEN; Marcus Vinicius da Silva Alves - LPF/IBAMA