As constantes preocupações com a conservação das florestas tropicais, e até mesmo com a sua preservação, nas últimas décadas, devem-se ao crescimento das populações e conseqüente aumento da demanda por produtos oriundos destas áreas. Isso fez com que discussões a respeito dos problemas ambientais crescessem significativamente a partir das últimas décadas. Desde então, as questões ambientais estão pautadas na agenda dos diversos segmentos da sociedade nacional e internacional, desde os partidos políticos, os programas de governo, o planejamento empresarial, até o cerne das organizações populares, entre outros, na busca de soluções aos problemas vigentes.
Entretanto, as dificuldades de por em prática as leis ambientais ainda persistem tendo em vista a carência de pessoal habilitado na fiscalização, a grandiosidade das áreas de floresta no País, as especificidades de cada região, a falta de políticas ambientais regionais, além das dificuldades intrínsecas dos órgãos e setores responsáveis pelas questões ambientais.
O manejo florestal sustentável é a grande ferramenta a ser utilizada para que se possa garantir o uso das florestas sem a ameaça de perdas ecológicas, econômicas e sociais graves no futuro. Porém, apesar de todo o revestimento teórico que envolve esta prática, pouco tem sido feito para realmente atingir o objetivo principal que é a garantia da produtividade e qualidade das florestas.
A falta de maiores informações sobre os custos necessários para o investimento, bem como sobre a rentabilidade e a estabilidade, têm contribuído para a não adoção de uma atividade embasada nos princípios de sustentabilidade.
A contextualização de Manejo Florestal Sustentável é dada pelo IBAMA como "a administração da floresta para a obtenção de benefícios econômicos e sociais, respeitando-se os mecanismos de sustentação do ecossistema objeto do manejo". Sendo assim, o manejo deve ser elaborado para que as florestas forneçam continuamente os benefícios econômicos, ecológicos e sociais decorrentes de um aproveitamento florestal adequado.
O propósito do manejo é assegurar que os recursos da floresta sejam mantidos em suas funções ambientais, sócio-culturais e econômicas, as quais devem ser consideradas simultaneamente, e não isoladamente, já que são interdependentes; entendendo-se, portanto, que as abordagens sem uma consideração simultânea destas funções poderão resultar numa simplificação, frustração, ou ainda não previsão dos problemas relacionados à questão do manejo de florestas tropicais.
Para ser sustentável o manejo de florestas nativas pressupõe uma extração de madeira de baixo impacto, o qual visa minimizar os danos ecológicos e reduzir as perdas de madeira. Na prática os planos de manejo para obtenção de produtos madeireiros e não madeireiros devem adotar medidas previamente diagnosticadas para obtenção de benefícios econômicos, sociais e ecológicos. Devem-se aplicar técnicas silviculturais condizentes às áreas manejadas a fim de manter sua produção continua e, ao mesmo tempo preservar a fauna e minimizar os impactos advindos da exploração, para que a mesma se perpetue para as futuras gerações. O processo que avalia e oficializa a prática do manejo florestal sustentável é a certificação florestal.
De acordo com a ABNT, a certificação "é um conjunto de atividades desenvolvidas por um organismo independente da relação comercial com o objetivo de atestar publicamente, por escrito, que determinado produto, processo ou serviço está em conformidade com os requisitos especificados. Estes requisitos podem ser: nacionais, estrangeiros ou internacionais".
A certificação florestal é uma ferramenta que promove o manejo florestal sustentável, uma vez que consiste em certificar empresas que manejam plantações e florestas nativas dentro do conceito de sustentabilidade, envolvendo critérios tanto ambientais como sociais e econômicos; garantindo ao consumidor que o produto florestal, que está sendo comprado, provém de áreas bem manejadas e que não está sendo incentivada a degradação das florestas. O processo da certificação requer uma avaliação formal multidisciplinar e um monitoramento contínuo para garantir a credibilidade ao consumidor.
Desde 1996, a Sociedade Brasileira de Silvicultura – SBS, em parceria com algumas associações do setor, instituições de ensino e pesquisa, organizações não-governamentais e com apoio de alguns órgãos do governo, vem trabalhando com um programa voluntário denominado CERFLOR – Programa Nacional de Certificação Florestal, que surgiu para atender uma demanda do setor produtivo florestal do país. A SBS estabeleceu acordo de cooperação com a Associação Brasileira de Normas Técnicas - ABNT para desenvolver os princípios e critérios para o setor.
Os sistemas de certificação florestal, de modo geral, consistem na avaliação objetiva das operações envolvidas no manejo das florestas, segundo normas ou padrões que obedecem a princípios e critérios aceitos internacionalmente, porém adaptados às condições locais. Tem como filosofia a avaliação e o monitoramento dos efeitos ambientais, sociais e econômicos da atividade e a participação e a priorização de benefícios às comunidades sob influência do empreendimento florestal.
O processo de certificação está configurado em quatro níveis, que são os princípios, critérios, indicadores e verificadores. Em linhas gerais, os princípios ( P ) podem ser entendidos como metas a serem alcançadas e junto com os critérios ( C ), apontam "o que" está sendo analisado, enquanto os indicadores ( I ) e verificadores ( V ) indicam "se" e "até que ponto" a meta foi atendida.
Entres os aspectos fundamentais dos programas de certificação, pode-se citar:
• As operações florestais devem manter as funções ambientais dos ecossistemas, incluindo a estabilidade das bacias hidrográficas, conservação dos recursos biológicos e proteção de "habitats" para a vida selvagem; o planejamento e a implantação têm que incorporar conceitos de rendimento sustentado para todos os produtos florestais colhidos ou utilizados baseados no entendimento e na documentação relativa à ecologia de floresta local; e Todas as atividades devem ter um impacto positivo em longo prazo, melhorando o bem estar social e econômico das comunidades locais.
Existe uma série de vantagens decorrentes do processo de certificação, entre as quais:
1. diferenciação de preço e produtos;
2. melhor acesso a mercados altamente competitivos para produtos florestais madeireiros e não madeireiros;
3. acesso a financiamentos públicos e privados nacionais e internacionais;
4. melhor monitoramento interno;
5. conservação dos recursos naturais;
6. contribuição para melhoria da qualidade de vida local; e
7. melhor imagem empresarial.
O processo de certificação inclui dois componentes principais: a certificação do manejo florestal e a certificação de produtos ou da cadeia de custódia. A certificação do manejo florestal baseia-se no nível de conformidade do manejo diante dos princípios e critérios; a certificação de produtos envolve a verificação da cadeia de custódia da madeira, da fonte certificada ao consumidor.
Quanto à situação atual do manejo de florestas nativas, é possível verificar que apesar do Brasil possuir abundância de recursos florestais, conhecimentos técnicos e científicos suficientes para exploração sustentável de seus recursos naturais e um bom arcabouço jurídico e legislativo. O desmatamento e a extração seletiva ilegal de madeira são os principais entraves para a adoção plena do manejo florestal sustentável na Amazônia brasileira. Some-se a isto, um sistema ineficiente de monitoramento e controle, burocracia em excesso expressa em normas e regulamentos governamentais e políticas públicas que privilegiam a conversão de florestas primárias em áreas para agricultura e o avanço da fronteira agropecuária. O somatório destes fatores explica, em grande parte, a baixíssima área percentual (7,11%) de manejo florestal na Amazônia.
A falta de investimentos em educação florestal junto ao público envolvido neste setor, mostrando as vantagens da adoção de procedimentos tecnicamente corretos, economicamente viáveis, socialmente justos e ambientalmente comprometidos com o mínimo impacto para a vegetação nativa, também tem contribuído para o aproveitamento não sustentado da floresta. Dessa forma, é constante a ameaça à sustentabilidade das florestas existentes, já que ocorre uma exploração acentuada das espécies mais cotadas no mercado, sem qualquer cuidado com a floresta remanescente, aumentando com isso as taxas de desmatamento e de degradação decorrentes da maior demanda de matéria-prima.
Atualmente, um fator que está contribuindo para mudar o cenário da exploração madeireira na Amazônia é o mercado consumidor, principalmente o externo, que está exigindo cada vez mais que a madeira tenha origem de áreas efetivamente manejadas. O mercado consumidor tende a ser num futuro não muito distante, o principal indutor de manejo florestal na Amazônia.
Na área de políticas públicas, os governos, federal e estadual, estão reconhecendo a necessidade de compatibilizar as políticas públicas florestais e ambientais com as políticas de desenvolvimento. Reconhecem também, que o atual sistema de monitoramento e fiscalização é deficiente e que o setor florestal está fora do controle público. Neste aspecto, projetos governamentais, com apoio de recursos oriundos de fontes externas, como o Pro-Manejo do Programa Nacional de Florestas, estão desenvolvendo estudos nos campos da agricultura, regularização fundiária, mercado e instrumentos econômicos fiscais e tributários, voltados para subsidiar a formulação de políticas públicas que privilegiem o manejo florestal e desestimulem o corte raso de florestas primárias para uso alternativo do solo na Amazônia.
Fonte: Michelliny de Matos Bentes-Gama: Eng. Florestal, M.S. Engenharia Florestal; Pesquisadora da Embrapa Rondônia; mbgama@cpafro.embrapa.br