As madeiras nativas, inicialmente oriundas da Costa Atlântica e, posteriormente, das florestas do interior, sempre representaram a base principal da indústria moveleira do Brasil. A riqueza e diversidade das espécies brasileiras dotaram o setor moveleiro de uma enorme variedade de madeiras, o que hoje se reflete nas cores, peso, desenhos, e modelos dos móveis e, mais indiretamente, nas características das madeiras que afetam o comportamento e desempenho dos móveis.
Tal variedade de espécies e, por conseguinte, de características e propriedades da matéria-prima usada, afeta diretamente os parâmetros e a produtividade dos processos industriais de produção e, evidentemente, a qualidade do produto final. Isto se dá em um setor produtivo onde a uniformidade da matéria-prima condiciona produtividade e qualidade do produto final. Adicionalmente, o uso das madeiras nativas desencadeia uma busca constante de novas fontes de abastecimento à medida em que a matéria-prima escasseia em uma determinada região. Tal movimentação traz um aumento constante da pressão sobre as florestas nativas , abrindo novas frentes de exploração, maximizando os custos de extração, transporte e produção e provocando a reação, nem sempre amigável, de entidades de proteção ambiental.
A combinação desses fatores, com busca do maior valor agregado para a madeira produzida nas florestas plantadas, resultou na introdução da madeira de eucalipto na indústria moveleira, como matéria-prima de qualidade uniforme e menor custo, produzida especificamente para uso industrial, e de localização próxima aos centros de processamento e consumo. O uso da madeira de eucalipto para a fabricação de móveis se encontra, hoje, nas primeiras etapas de consolidação no setor, tendo requerido considerável esforço por parte das instituições de pesquisas e dos produtores dessa matéria-prima.
No início da década de 80, o IPT desenvolveu um sistema de móveis para escritório, projetado, ensaiado e produzido utilizando sua própria tecnologia em madeira de florestas plantadas. O sistema, desenvolvido para possibilitar arranjo de ambiente do tipo “escritório paisagem “móvel, flexível e integrado, dispensando as divisórias tradicionais – consistia de quatorze unidades modulares básicas, incluindo mesas, estantes, armários e gaveteiros. Este conjunto formava uma “família “ de móveis que podia atender uma grande variedade de espaços e locais de trabalho, bem como também ser os embriões de uma série mais ampla e complexa.
A madeira empregada inicialmente foi a de Pinus e, posteriormente, de Eucalyptus, proveniente de árvores de diâmetros relativamente pequenos, serrada em sarrafos com dimensões de comprimento e largura atípicas, e consolidada por meio de colagem lateral, dando origem a painéis nas dimensões das peças a serem produzidas.
Na montagem dos painéis, a colagem dos sarrafos sob pressão, com adesivo tipo PVAc e posteriormente, uréia formaldeído, era feita com posição dos sarrafos alternando a direção das camadas de crescimento, afim de distribuir, de maneira mais uniforme, as tensões de crescimento eventualmente presentes nas peças. A seleção dos sarrafos, por comprimento e ausência de defeitos, e o seu uso otimizado segundo as peças em montagem, resultavam em alto rendimento de uso.
Os painéis foram projetados em malha de 1200 mm, permitindo subdivisões pares e ímpares, múltiplas de 300 mm, 400 mm e 600 mm. A confecção de painéis se deu com dimensões de até 1600 mm no comprimento e até 800 mm na largura, com espessura padrão de 20 mm em todas as peças. O projeto dos módulos componentes do sistema visou ao uso do menor número possível das peças, com alto grau de racionalização, permitindo que a mesma peça ou painel pudesse ser usado em posições diferentes no sistema, ou seja, o mesmo painel podendo servir de lateral de estante ou fundo de armário ou, mesmo, tampo de mesa.
A junção dos painéis para a montagem dos módulos foi projetada para uso de ferragens tipo bucha martelo, pino horizontal e vertical, dobradiças, corrediças e deslizadores. Agregavam-se fechaduras, trincos, puxadores, suporte de prateleiras e rodízios, de plástico ou metal, conforme o caso.
Pelo sistema IPT de móveis para escritório foi confeccionado um grande número de peças, entre mesas, armários, estantes e gaveteiros, de várias dimensões, que foi distribuído por todas as unidades técnicas do IPT, para serem usados e avaliados como protótipos. Os principais aspectos avaliados relacionaram-se à laminação, ou seja, a formação dos painéis por sarrafos de comprimentos e larguras atípicas, consolidados por colagem, à colagem e o desempenho adesivo, à dimensão e espessura das peças em função de sua posição relativa no móvel, à estabilidade das unidades, ao acabamento superficial e aos conectores metálicos.
Uma grande proporção desses móveis, especialmente aqueles construídos em madeira de eucalipto, encontra-se em uso permanente no IPT, comprovando o sucesso na seleção da matéria-prima e do próprio sistema. Como resultado das avaliações conduzidas nos protótipos, foram adotadas modificações e conseguidas melhorias na colagem e nas junções por conectores metálicos.
PAINÉIS SARRAFEADOS DE EUCALIPTOS
O gênero Eucalyptus, cujo plantio se iniciou no Brasil, com fins energéticos e de produção de dormentes ferroviários, inclui várias espécies, apresentando densidade de massa variando desde 500 até 1000 Kg/m³. Consequentemente, as características mecânicas dessas espécies variam de valores baixos, para aquelas mais leves, até valores muito altos, para as espécies mais pesadas. Por outro lado, sendo esta madeira de crescimento rápido, desenvolve tensões internas de crescimento, e possui também altos índices de contrações volumétricas e linear, em relação às madeiras nativas tradicionais.
Devido a estas características intrínsecas pouco desejáveis, quando se destina a madeira para a produção de móveis, cuidados especiais são exigidos em todas as etapas do seu processamento, ou seja, abate, desdobro, secagem, usinagem, colagem e acabamento.
Em particular, a presença de tensões de crescimento exige técnicas de abate específicas que reduzem o desenvolvimento de rachaduras, principalmente nos topos das toras, aumentando, assim seu rendimento durante o desdobro. Geralmente as árvores de eucalipto são abatidas com idade entre 10 e 30 anos para a produção de madeira serrada. Nesta idade, os diâmetros das toras situam-se na faixa de 20 a 50 cm.
Dentre os métodos de desdobro disponíveis, um dos mais indicados para o eucalipto é o de corte simultâneo em serra múltipla, que tem a vantagem de liberar de forma equilibrada, as tensões de crescimento, proporcionando a obtenção de peças retas, isto é, livres de empenamento.
Sendo madeira de alta contração volumétricas e tensões internas, a secagem da madeira de eucalipto deve ser lenta e cuidadosa. A secagem natural ao ar livre é o método mais indicado quando o tempo não for fator determinante. Quando se deseja acelerar a produção, pode-se recorrer à secagem em estufa, preferencialmente a baixa temperatura, não esquecendo a etapa de equalização da umidade das peças, para se evitar as deformações durante o processo de produção dos móveis.
Após a secagem, as tábuas são transformadas em sarrafos de largura variando entre 30 e 60 mm, com espessura de 25 mm. Nessas dimensões, peças retilíneas são obtidas, aplainando-se as duas bordas laterais, para permitir colagem.
A etapa seguinte é a colagem lateral dos sarrafos para se formar painel. Certos detalhes construtivos devem ser observados para se obter painéis estáveis:
certificar-se de que o teor de umidade se encontra na faixa de 13 a 15%;
utilizar cola resistente à umidade, à base de resina uréia-formaldeído, na formulação recomendada pelo fabricante;
aplicar pressão uniforme na superfície colada, de 12 a 15Kgf/cm²;
orientar os anéis de crescimento dos sarrafos, posicionando a concavidade para cima e para baixo, alternadamente.
Durante a consolidação dos painéis, os mesmos devem ser montados em dispositivos do tipo carrossel, que podem alojar várias unidades, permitindo a permanência das peças coladas sob pressão, durante o tempo de cura do adesivo.
A tecnologia desenvolvida neste sistema, da confecções de painéis sarrafeados e colados lateralmente, produzidos a partir de madeiras de florestas plantadas Pinus e Eucalyptus – foi gradualmente transferida para a indústria em geral, adaptada e aprimorada, e encontra-se hoje largamente disseminada, não só no setor moveleiro, mas também em outros usos, como pisos e paredes divisórias.
AGREGAÇÃO DO DESIGN
Considerando a tecnologia de confecção e uso dos painéis sarrafeados desenvolvida até um estágio onde o setor produtivo poderia assumir sua continuidade e aprimoramento, o trabalho da Divisão de Produtos Florestais ingressou-se no patamar da valorização do móvel de madeira de eucalipto, através da agregação de elementos de adequação, como a ergonomia e o design.
O design é aceito como um dos mais importantes instrumentos da atualidade para o desempenho das empresas, e entra neste contexto como um recurso estratégico para valorizar e dar competitividade aos produtos. Com o design, adequa-se também a utilização de produtos, pela adoção de medidas ergonômicas, o que garante uma postura correta e confortável do usuário e, por conseguinte, o melhor desempenho operacional do produto e do próprio usuário.
Em parceria com a designer Claúdia Mei, a Divisão de Produtos Florestais de IPT buscou desenvolver um móvel que atendesse a alguns requisitos:
utilizar os painéis sarrafeados e colados de eucalipto na sua melhor capacidade e no seu melhor efeito, além de apresentar condições de poder ser produzida industrialmente;
b) atender aos requisitos ergonômicos e à antropometria mais próxima da população brasileira; e
apresentar apelo estético, dentro dos características de material e produto, e das tendências atuais.
Entre muitas alternativas possíveis optou-se pela cadeira, por ser esta peça de mobiliário mais intimamente relacionada com a anatomia do usuário, por ser ainda, uma peça significativa na representação hierárquica das organizações e por razões de mercado. O projeto estético procurou empregar um tom harmônico através de linhas e curvas, proporcionando segurança visual ao usuário. Segundo sua função prática ergonômica, a cadeira foi projetada para a postura ereta, onde a coluna fica vertical, com o tronco apoiado pelos músculos dorsais, facilitando o movimento dos braços e visualização para frente.
O projeto foi denominado “cadeira Joeira “teve três protótipos construídos, sendo um deles submetido a provas de carga nos laboratórios do IPT e aprovado. O projeto concorreu ao I Prêmio de Design Mobiliário da Abimóvel e obteve menção honrosa.
Posteriormente, através da mesma parceria, um segundo projeto foi desenvolvido, desta vez com o objetivo de construir uma mesa para trabalho em computador, ou como foi chamado em linguagem formal, um “Posto de Trabalho para Digitador Sentado “. O projeto foi desenvolvido na tentativa de se contribuir para buscar uma solução de um problema crescente na época, ou seja lesões por esforços repetitivos – L.E.R. – responsáveis por afastamentos e licenças médicas de numerosos funcionários técnicos e administrativos em qualquer empresa.
Da mesa desenvolvida foram construídos três protótipos, também em painel sarrafeado de Eucalyptus grandis, com o tampo na espessura de 40 mm, que estão sendo testados n IPT. O modelo entretanto, foi veiculado via Internet e rapidamente copiado por empresas do setor, demonstrando e comprovando a carência do design no setor moveleiro. Exemplares deste móvel, com ligeiras modificações, estão à venda, hoje nas lojas de São Paulo.
Na produção de móvel, especialmente com madeira de reflorestamento, cujas características e limitações devem estar amplamente conhecidas, deve-se considerar não somente a correta utilização da madeira, mas também e, especialmente, o design. Este é um fator de inovação, conferindo ao produto uma linguagem própria, favorecendo a comunicação e o processo de troca entre a indústria e o mercado, com satisfação para ambos.
Sabe-se que as exportações brasileiras de móveis se deparam no mercado com alguns obstáculos. Em primeiro lugar, a falta de design, ainda hoje incipiente, ou cópia de modelos criados em países de reconhecida tradição moveleira, quando deveria ser tradução da cultura nacional. Em segundo lugar, o desconhecimento dos diferentes mercados em termos de cultura, hábitos, legislação e idioma dos parceiros comerciais.
Além da necessidade das industrias se conscientizarem de que o processo de desenvolvimento de produtos de bom design é uma meta a ser alcançada, deve-se cuidar da capacitação dos designers do futuro.
Estes devem ser capacitados com conhecimentos teóricos e, em especial, a prática, sobre os materiais e processos a serem utilizados, de maneira a poder acompanhar desenvolvimento do produto, desde a sua criação até a produção do protótipo, de modo a estarem preparados para a nova situação de produção, mercado e competição que desponta.
Nahuz, M.A.R.; Miranda, M.J. A. C. e Franco, .N.
Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo S.A. – IPT
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