"O petróleo dura no máximo mais 15 anos!" Esta era uma previsão otimista dentro do catastrofismo apocalíptico do final da década de 70. Motivo tinha: em 1973 o preço do barril passou de US$ 3 para US$ 12; e em 1979, de US$ 12 para US$ 40. Se atingisse os US$ 100 (temos fixação por números redondos), então, seria irremediavelmente o fim!
Os anos 90 chegaram, passou, o preço do petróleo superou as barreiras míticas e o tal do mundo não se acabou.
Mas o pânico não era - e nem é - sem razão. A era do petróleo começou em 1859, quando chegou para substituir o óleo de baleia nos fogões e na iluminação. Vital para o destino das baleias, o petróleo foi também o grande responsável pelo desenvolvimento vertiginoso do século XX. Energia farta e barata foi o combustível do consumo e da urbanização desenfreados, das necessidades criadas do nada e da sociedade do descartável. Um automóvel americano típico da década de 70 fazia 4 km/L e tinha sua performance elogiada. Até que a crise chegou e deixou suas marcas.
Se o petróleo, com morte tantas vezes anunciada, insiste em não dizer adeus, as lições aprendidas com a crise prometem ficar para sempre.
Um mundo sem energia farta é inconcebível e o fantasma de uma existência tipo "Mad Max" já deixou rastros no inconsciente coletivo. Não é de hoje, e nem da década de 70, que se buscam alternativas à esta sujeição crônica ao petróleo. Até quem não fez a lição de casa sabe que a vulnerabilidade da dependência energética externa não é saudável para nenhuma soberania, por mais beligerante que ela seja, e o ritmo de crescimento precisa ser de alguma forma sustentável. A má notícia é que o substituto mágico não existe. Ou, se existe, está sendo mantido a sete chaves.
Decisões políticas e pesquisas científicas é a saída para a possível miríade de soluções que vão substituir as necessidades hoje supridas pelo petróleo. Flexibilidade local diante do problema global. A maior parte da energia demandada é de baixo poder calorífico, todas as fontes alternativas podem ser consideradas.
A ousadia brasileira em plena ditadura militar, o álcool combustível feito da cana-de-açúcar, se mostrou um sucesso exportável. O Brasil é hoje o país com a maior presença de fontes renováveis de energia na matriz de transporte. Em 2007, com os plantios de cana ocupando 1% das áreas agricultáveis, o álcool chegou a 15% de participação. No ano passado, o crescimento do consumo de álcool superou os 34% por conta da venda dos veículos tipo "flex". A gasolina, em compensação, passou por uma retração no consumo.
Saímos muito na frente. Nos países da Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômicos – OECD, quase todos desenvolvidos, as fontes renováveis participam com apenas 0,9% na matriz de transporte, basicamente o consumo de álcool dos Estados Unidos. Nos outros países, a participação das energias renováveis é mínima, 0,2%, com os derivados de petróleo respondendo por mais de 92%.
Da oferta interna de energia (OIE) do Brasil, 45,8% vêm de fontes renováveis, segundo o Balanço Energético Nacional de 2007, do Ministério de Minas e Energias. Das 238,3 milhões de tep - toneladas equivalentes de petróleo -, consumidas no ano passado, 109,3 milhões eram energia renovável. A média mundial é de 12,7%; e dos países da OECD, 6,2%.
A demanda total de energia no Brasil é 2% da energia mundial. O crescimento da OIE em relação a 2006 foi de 5,4%. O incremento maior foi no uso de fontes renováveis (hidráulica, biomassa e outras), 7,2%. Para as não-renováveis (petróleo e derivados, gás natural, carvão mineral e urânio), o aumento foi de 3,9%.
Ter quase metade da matriz energética baseada em fontes renováveis proporciona ao Brasil indicadores de emissões de CO2 muito menores - portanto melhores - que a média dos países desenvolvidos. Enquanto no Brasil a emissão é de 1,43 toneladas de CO2 por tep da OIE, nos países da OECD a emissão é 62% maior: 2,33 toneladas de CO2 por tep
Biomassa competitiva
A demanda por energia renovável no Brasil cresceu em todas as fontes e, pela primeira vez, os derivados da cana-de-açúcar suplantaram a participação da energia “hidráulica e eletricidade” na matriz energética. A exceção da performance foi a lenha, com crescimento absoluto de apenas 0,2%.
Por enquanto, o que significa que isto pode mudar, em todos os países, o processo de desenvolvimento tem passado por uma redução do uso da lenha como fonte de energia. Seja no campo, na indústria ou nas casas, a lenha vem sendo substituída por gás liqüefeito de petróleo (GLP) ou fontes energéticas mais eficientes. Com mais carência de marketing do que de performance técnica, as florestas energéticas de alta rendimento e o carvão vegetal podem fazer frente a esta tendência.
Já que o mundo insiste em não acabar, só nos resta buscar soluções. O enorme esforço de substituição do petróleo provocou, nos últimos trinta anos, significativas alterações estruturais nas matrizes energéticas do Brasil e do mundo. Por aqui, houve expressivo aumento na participação da energia hidráulica e do gás natural. Nos países da OECD, houve forte incremento da energia nuclear e também do gás natural.
A multiplicação de fontes renováveis de energia é estratégica não só do ponto de vista da soberania nacional, mas economicamente. Nas usinas hidrelétricas, a tendência de plantas menores, menos impactantes para o meio ambiente, também já é uma realidade. A alta performance de motores, usando melhor o combustível já disponível, é objetivo de montadoras e consumidores. E, obviamente, consumo responsável. Todos sabem que a energia mais barata que temos à mão é a energia desperdiçada.
Autor: Dimas Agostinho da Silva, professor doutor da UFPR, diretor do Laboratório de Energia de Biomassa