No lugar de nos preocuparmos com os custos representados pela substituição dos combustíveis derivados de petróleo por biocombustíveis, deveríamos nos perguntar quanto pagaremos no futuro por protelarmos essa substituição. Quem faz essa afirmação é Expedito Parente, conhecido como o “Pai do Biodiesel”.
As pesquisas de novas fontes de energia capazes de suportar a demanda crescente em todo o planeta concentram a atenção de governos, instituições científicas e cidadãos de várias partes do mundo. Na Europa, como é sabido, o petróleo do Mar do Norte está quase no fim, e a jazidas do Oriente Médio e da América Central poderão estar esgotadas num horizonte de menos de 100 anos.
Com o petróleo está condenado a deixar de ser a fonte quase exclusiva de energia para mover os motores de grande parte das atividades produtivas da sociedade moderna, cresce o interesse por fontes alternativas que nos desvencilhem da dependência dos combustíveis fósseis.
É ponto pacífico que o mundo vai precisar de energias limpas, abundantes e de qualidade. Se na era do petróleo o Brasil não poderia se alinhar entre os grandes produtores mundiais, no quesito energias alternativas essas imensas território tem nas mãos o potencial para disparar na corrida pelas fontes que detêm as principais qualidades que faltam aos derivados do petróleo: energia renovável e, se possível, mais limpa. Essa segunda condição ainda necessita estudos mais apurados, já que nem todas as energias tidas como alternativas são confiáveis em termos de resíduos indesejáveis.
Muito embora a primeira fonte que venha à cabeça quando se fala de energia limpa e inesgotável seja a energia solar, neste momento parte da substituição do uso dos derivados de petróleo é representada pelo biodiesel. Como o nome diz, é um óleo diesel biológico, e não deixa de ser um subproduto da energia solar, pois grande parte da matéria-prima vem das culturas xerófilas, ou seja, plantas que necessitam de pouca água.
A matéria-prima do biodiesel é a gordura – pode ser tanto animal quanto vegetal. Submetida a uma reação química com álcool etílico (etanol) ou metílico (metanol), chamada de transesterificação, a gordura vai se transformar em óleo combustível, oferecendo ainda como subproduto a glicerina. Óleos e gorduras residuais, como os usados em frituras, por exemplo, também podem ser aproveitados.
Concebido para substituir o óleo diesel convencional, ou seja, para motores de veículos pesados como ônibus, caminhões, tratores ou camionetas, o biodiesel pode ser usado puro ou misturado ao diesel de petróleo. Só não substitui a gasolina e não pode ser usado em automóveis.
Um equívoco que vem acontecendo em algumas regiões do Brasil é o uso, pura e simplesmente, de óleo vegetal in natura em lugar do biodiesel. Expedito José de Sá Parente, diretor da Tecbio, de Fortaleza/CE, e ex-professor da Universidade Federal do Ceará, critica essas tentativas e explica: “Esse procedimento é extremamente perigoso, pois o óleo in natura produz a emissão de atroleína, substância que é comprovadamente cancerígena. Se isso se generalizar, as grandes cidades correriam sério risco de contaminação. E tem gente fazendo isso”, denuncia.
Por outro lado, Parente afirma que a adição de 25% de biodiesel no óleo diesel melhoraria a qualidade de ar e poderia reduzir consideravelmente as doenças respiratórias provocadas pelas emissões do diesel de petróleo, especialmente nas grandes cidades do país.
Reconhecido internacionalmente como o “pai do biodiesel”, Expedito Parente foi autor da primeira patente mundial do produto, que hoje já é de domínio público. Em 2005, sua pesquisa lhe valeu também o troféu Blue Sky Award, concedido pela ONU através da UNIDO – United Nations Industrial Development Organization.
O início dos estudos
Os primeiros estudos sobre o emprego de óleos vegetais para fabricação de combustível, entretanto, datam do começo do século 20, mas o entusiasmo com a abundância do petróleo fez com que tais estudos ficassem em segundo plano.
Entre as vantagens da produção e do uso do biodiesel, ele cita os impactos positivos em termos ambientais e sociais, principalmente pela geração de emprego e renda no campo. E diz que não é verdade que a produção de biodiesel tiraria espaço da produção de alimentos. “Cerca de dois milhões de famílias poderiam ser beneficiadas com a produção de biocombustível”, calcula Parente. Para ele, isso ajudaria a reduzir não só a exclusão social como também o efeito estufa, sem falar no potencial de integração nacional. “Na Amazônia, hoje, ainda não se fala em biodiesel, só se usa diesel de petróleo, o que é um absurdo”. O grande desafio, segundo o especialista, será criar projetos de reflorestamento energético em 80 milhões de hectares.
O biodiesel pode ser produzido em praticamente todo o Brasil. No Sul e Centro-oeste, ele pode ser obtido principalmente dos óleos de soja, girassol, amendoim e canola; no Nordeste, da mamona, pinhão-manso e outras plantas xerófilas; na Amazônia, do dendê e outras palmeiras.
Mas as propaladas extensões continentais do nosso país não trazem apenas vantagens. Expedito Parente também vê problemas:
“Essa história de dimensões continentais é uma faca de dois gumes. Um programa de produção de biodiesel, como, aliás, qualquer outro programa, terá que ser muito grande, e isso geram inércia e dificulta a administração. Além disso, nessas medidas, o equilíbrio da cadeia produtiva é mais complicado”, pondera.
Apesar da resistência de parte dos empresários do setor, o Programa Brasileiro de Biodiesel – que previa inicialmente a mistura de 2% de biodiesel até 2008 e de 5% em 2013 – houve uma resposta tão animadora que o governo está pensando em antecipar as metas.
Quando alguém alega os custos da produção de biodiesel como obstáculo, Expedito Parente inverte a pergunta: quanto custa não produzir biodiesel? Ou seja, que preço pagaremos por continuarmos protelando a substituição dos derivados de petróleo?
“Num relatório divulgado recentemente, a ONU diz que para cada dólar economizado na produção de energias alternativas iremos gastar 50 dólares no futuro”.
Segundo dados recentes, o consumo nacional de diesel foi da ordem de 38 bilhões de metros cúbicos. Desse total, cerca de 10% foram importados, a um custo de aproximadamente US$ 800 milhões. Com a implantação do B2 (a mistura de 2%), o Brasil poderá substituir 760 milhões de metros cúbicos por ano, e a utilização do B10 (a mistura de 10%) permitiria a substituição total do diesel importado. As vantagens econômicas deverão considerar ainda todo um leque de atividades vinculadas ao biodiesel, como a produção de matérias-primas e insumos agrícolas, assistência técnica, financiamentos, armazenagem, processamento, transporte, distribuição etc.
Nem só de vantagens vive o biodiesel. Entre as objeções mais freqüentes, pode-se apontar:
• Proibição para carros de passeio: no Brasil, somente veículos pesados como caminhões, tratores, ônibus e utilitários podem usar diesel ou biodiesel. A grande maioria da frota, que é constituída pelos carros de passeio, principalmente nas grandes cidades, ainda vai ter que esperar para usar o combustível limpo.
• Cristalização em baixas temperaturas: em climas frios, pode ocorrer formação de cristais, que impedem o bom funcionamento do motor. Mas existem medidas que podem amenizar o problema.
• Emissões de NOx (óxidos nitrogenados): de todas as partículas prejudiciais emitidas pelos combustíveis, esta é a única que aumenta com o uso do biodiesel, prejudicando a qualidade do ar. Medidas como o uso de aditivos ou a alteração nos motores podem reduzir esse dano.
• Limpeza dos bicos injetores: nas primeiras vezes em que um motor anteriormente alimentado por óleo diesel for abastecido com biodiesel poderá ocorrer a liberação de sujeiras e resíduos acumulados no tanque. Embora pareça uma desvantagem, essa eliminação de resíduos é provocada exatamente pelas melhores características químicas do biodiesel.
• Troca de peças: nos motores de ciclo diesel fabricados até 2002/2003 poderá ser necessária a troca de alguns retentores da bomba injetora. Motores fabricados após esta data provavelmente não irão necessitar qualquer adaptação.
• Somente B2: por enquanto, apenas o B2 (2% de biodiesel e 98% de diesel) está disponível nos postos brasileiros (na Europa, a Scania passou a usar o B100 – ou seja, 100% de biodiesel – em sua frota de caminhões desde o ano passado, sem que fosse necessária qualquer modificação nos motores).
Fonte: Elaborada pela Equipe Jornalística da Revista da Madeira