Adaptar uma casa ao meio ambiente desafia os arquitetos há pelo menos 80 anos. A primeira idéia provocadora foi do americano Frank Lloyd, que criou a Casa da Cascata, em 1936. Ela foi erguida em cima de uma cachoeira na Pensilvânia, respeitando a geografia natural do terreno. Logo virou um ícone da arquitetura moderna e ecologicamente responsável.
No Brasil, o arquiteto Oscar Niemeyer fez algo equivalente em 1953 ao projeta uma casa aproveitando a mata nativa e as rochas do terreno, no Rio de Janeiro. A obra, conhecida como a Casa das Canoas, é uma referência na arquitetura brasileira. O auge dessa nova forma de morar aconteceu durante os anos 70, quando a ideologia da contracultura pregava o desligamento da sociedade de consumo e uma vida mais integrada à natureza.
Hoje, em tempos de mudanças climáticas e escassez de recursos naturais, as casas verdes ressurgiram como uma esperança para reduzir nosso impacto no planeta. São cada vez mais comuns os projetos de residências divulgados como sustentáveis ecológicos e outros adjetivos "verdes". Mas, muitos profissionais ainda encontram dificuldades em definir se uma moradia causa menos impacto.
Para descobrir isso, um grupo de arquitetos, construtores, acadêmicos e empresários que vendem produtos com selos verdes inaugurou, em São Paulo, o Conselho Brasileiro de Construção Sustentável. O CBCS é uma entidade com visão sistêmica e foco no setor da construção civil. Segundo o presidente da associação, Marcelo Takaoka, o papel do CBCS é formar redes de parceiros, desenvolverem pesquisas e ser um centro de conhecimento, disseminando esse conhecimento a todos os interessados em construir de maneira mais sustentável.
A idéia do grupo que integra o Conselho Brasileiro de Construção Sustentável é trazer ao país uma certificação com parâmetros mínimos para uma obra poder ser considerada como "menos impactante". Para isso, a idéia do grupo é criar um selo que identificará as construções sustentáveis. "A certificação evitará o oportunismo", afirma Paulo Lisboa, vice-presidente da Associação Brasileira dos Escritórios de Arquitetura (Asbea) e um dos membros do conselho. "Do contrário podem começar a surgir casas ecológicas que sejam apenas rótulos e não tenham nada de diferente”.
Um dos principais quesitos da futura certificação é o uso eficiente da energia elétrica dentro das residências. Economizar energia é importante porque parte dela é gerada de forma poluente, em termelétricas. São usinas que queimam combustíveis fósseis e emitem gases responsáveis pelas mudanças climáticas.
O conselheiro do CBCS e ambientalista, Fábio Feldmann, lembrou que o PNUMA - Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente - lançou um relatório mostrando que, se a construção civil do mundo todo adotar os critérios da sustentabilidade, o efeito na redução de gases do efeito estufa será o mesmo do que se pretende no protocolo de Kyoto.
Para o conselheiro do CBCS e diretor do Instituto Ethos, Paulo Itacarambi, não há uma relação amigável entre o ambiente natural e o ambiente construído. “Essa é uma das razões da insustentabilidade que se configura como desequilíbrio social, cultural, econômico e político", afirmou. Ele considera que a sociedade está sensibilizada e que já há conhecimento suficiente iniciar a mudança.
Sustentabilidade
As atuais práticas de produção adotadas pelas empresas da construção civil necessitam de ajustes imediatos para que o setor possa contribuir adequadamente para o desenvolvimento sustentável do país. São comuns, ainda, processos artesanais nas frentes de trabalho, uso de matérias-primas sem manejo sustentável e a aplicação de produtos industrializados desconsiderando os aspectos de conservação de água, energia e a necessária redução de resíduos e desperdícios.
A pressão social por uma melhor qualidade de vida das populações nas cidades e no campo e a grande apreensão internacional em relação aos impactos ambientais decorrentes das atividades humanas estimu os agentes setoriais a repensarem seus procedimentos e a buscarem alternativas que propiciem a continuidade de suas atividades em um ambiente de desenvolvimento sustentável e de preservação do ambiente natural e sua biodiversidade.
É nesse contexto que algumas das mais importantes lideranças da construção brasileira unem-se para a criação deste Conselho Brasileiro da Construção Sustentável - o CBCS, com a decisão de integrar, definitivamente, a construção brasileira nos preceitos de responsabilidade social, proteção ambiental e desenvolvimento econômico sustentável.
O CBCS tem por objetivo promover a melhoria dos padrões de produção e a difusão dos conceitos de sustentabilidade entre os agentes setoriais, de modo a viabilizar a redução de impactos ambientais e sociais decorrentes das suas atividades. O CBCS pretende reunir referências técnicas, compilar tecnologias e estimular a colaboração permanente entre universidades, institutos de pesquisa, formadores de opinião, empresas,entidades empresariais e da sociedade civil, em ações de âmbito nacional e internacional.
Impactos da Construção
A sustentabilidade do Brasil, mesmo a ambiental, não depende somente da preservação da floresta. A economia é urbana. A maioria da população vive em cidades, um dos produtos da cadeia da construção civil. As práticas atuais de produção adotadas pela cadeia produtiva da construção civil têm importantes impactos não apenas no desempenho econômico do País, mas também na biodiversidade, desenvolvimento social e na qualidade de vida da população.
Com a participação de cerca de 15% do PIB, o setor possui impacto ambiental e social compatíveis com seu tamanho. Os impactos ambientais são importantes e variados:
A construção e a manutenção da infra-estrutura do país consomem até 75% dos recursos naturais extraídos, sendo a cadeia produtiva do setor a maior consumidora destes recursos da economia;
A quantidade de resíduos de construção e demolição é estimada em torno de 450 kg/hab.ano ou cerca de 80 milhões de toneladas por ano, impactando o ambiente urbano e as finanças municipais. A este total devem ser somados os outros resíduos industriais formados pela da cadeia;
Os canteiros de obras são geradores de poeira e ruído e causam erosões que prejudicam os sistemas de drenagem;
A construção causa a diminuição da permeabilidade do solo, mudando o regime de drenagem, causando enchentes e reduzindo as reservas de água subterrânea;
A utilização de madeira extraída ilegalmente, além de comprometer a sustentabilidade das florestas representa séria ameaça ao equilíbrio ecossistêmico;
A cadeia produtiva da construção contribui para a poluição, inclusive na liberação de gases do efeito estufa, como CO2 durante a queima de combustíveis fósseis e a descarbonatação de calcário e de compostos orgânicos voláteis, que afetam também os usuários dos edifícios;
A preocupação com a contaminação ambiental pela lixiviação de biocidas e metais pesados de alguns materiais vem crescendo;
A operação de edifícios no Brasil é responsável por cerca de 18% do consumo total de energia do país e por cerca de 50% do consumo de energia elétrica;
Os edifícios brasileiros gastam 21% da água consumida no país, sendo boa parte desperdiçada.
A construção, também, precisa se adequar para as conseqüências da mudança do clima, pois as edificações e as cidades projetadas e construídas hoje estarão expostas a ventos mais fortes (já tivemos o primeiro furacão no Brasil!) e chuvas mais intensas e com maior freqüência. Adicionalmente, o aumento da temperatura média afetará o dimensionamento de sistemas de refrigeração e a eficiência energética, além de influir na durabilidade da própria construção.
Do ponto de vista da sustentabilidade social, o setor é o maior gerador de empregos diretos e indiretos, no país. No entanto, a informalidade abrange não somente a auto construção da habitação dos pobres, mas também as cadeias de materiais de construção, projeto e desenvolvimento urbano. Boa parte dos operários do setor se encontra na linha da pobreza. A baixa produtividade em alguns setores da indústria de materiais e, particularmente, nas atividades de construção e manutenção é um fator importante para os baixos salários. Por sua vez, esta baixa remuneração diminui a atratividade de novos talentos, gerando um ciclo vicioso negativo aos processos de desenvolvimento nacional.
Finalmente, é preciso reconhecer que um Brasil mais sustentável do ponto de vista social vai depender de uma significativa expansão do ambiente construído. Esta expansão, no entanto, não pode ser realizada com os atuais paradigmas de trabalho, pois não seria ambiental e economicamente sustentável.
As casas amigas do verde
Uma das soluções mais baratas e engenhosas é construir um sistema que reutilize a água dos chuveiros e da lavagem de roupas nas descargas de vasos sanitários. Isso guarda para usos mais "nobres" a água potável, mais cara para o consumidor e os órgãos públicos. Essas casas verdes têm medidores de consumo, os relógios de água, que ainda são incomuns nas construções brasileiras. "Quem controla seu consumo pensa mais antes de desperdiçar", afirma Lisboa. Esse foi o tipo de cuidado do arquiteto José Augusto Conceição, que consultou uma bióloga para projetar uma casa em Ibiúna, no interior de São Paulo, numa área de Mata Atlântica. Toda a água que abastece a casa vem de duas nascentes no local e da captação de água das chuvas, feita por calhas ao longo do terreno.
A responsabilidade ambiental não aumenta muito os custos de construção. De acordo com os cálculos do Conselho, seguir os parâmetros mínimos que serão exigidos pela certificação deixa a construção 5% mais cara. Se o construtor seguir todas as exigências, o preço fica 20% maior.
Nos EUA e em países da Europa, a certificação já é uma realidade há mais de uma década. Existem até prédios sendo construídos no Brasil para se adequar a esses parâmetros internacionais. "Não é mais questão de ser politicamente correto. Acredito que teremos leis similares também no Brasil", diz Lisboa. Na semana passada, o prefeito de São Paulo propôs uma lei para exigir energia solar nos imóveis.
Esses novos critérios vão ajudar até quem já tem lares com orientação ecológica. Afinal, construir casas verdes é um desafio que ainda confunde até os pioneiros em arquitetura ecológica, como Fabio de Albuquerque, herdeiro de uma família tradicional de construtores, que ergueram, por exemplo, os condomínios de classe alta Alphaville em diversas cidades brasileiras. Quando construiu sua primeira casa em 1997, na cidade paulista de Itu, Albuquerque descobriu que a madeira, além de baratear os custos da obra, permitia edificar casas com menor impacto no terreno. Isso porque as casas podem ser suspensas em pilares de madeira, dispensando a terraplanagem com tratores. Assim, também não interferem no escoamento da água das chuvas no terreno.
Albuquerque dedicou-se a projetar casas de madeira. Em seguida, passou a questionar a origem do material. Cerca de 87% da madeira que se usa em construções vem de desmatamento ilegal, principalmente na Amazônia. Para contornar isso, Albuquerque criou a Ecolog, uma empresa especializada em produzir madeira de forma não-predatória. De sua área em Rondônia a empresa só corta o que a floresta consegue regenerar. Com os novos parâmetros para construções ecologicamente corretas, a busca por madeira de origem não-predatória deverá crescer. E as casas, finalmente, poderão ajudar a preservar a floresta.
Moradia Sustentável
É possível manter uma casa funcionando sem depender de energias não-renováveis ou que prejudiquem o meio ambiente. E o melhor, ela pode ser bonita. A prova está nesta construção mineira em que pedras do local harmonizam-se com madeiras de manejo sustentável.
O vento e o sol abastecem de força a casa de campo de 262 m² projetada pelo arquiteto Carlos Motta em terreno a 1.850 m de altitude, no sul de Minas Gerais. A estrutura da construção é feita com as madeiras aroeira, nos pilares, e itaúba, nos vigamentos e nas tábuas de fechamento externo. Somente a parte da casa fisicamente pesada, que é a das áreas molhadas dos banheiros e da cozinha, toca o terreno. O restante está suspenso em pilotis. Toda a parte hidráulica corre na alvenaria de pedras retiradas do próprio local, também usada na estrutura das lareiras e na parede de fechamento da cozinha, que forma curvas onde foram instaladas, de um lado, a estante-despensa e, do outro, a bancada da pia.
As madeiras empregadas na construção são de áreas de manejo sustentável em fazendas de 20 mil alqueires no Mato Grosso e em Goiás, divididas em 20 lotes de mil alqueires cada. No primeiro ano, um terreno é escolhido para que se retirem as árvores maduras, que já exerceram a função de colocar sementes e alcançaram a idade para serem abatidas e exploradas comercialmente. No ano seguinte, são derrubadas as de outro lote. E só 20 anos depois, volta-se a mexer no primeiro. "Assim, nunca um lote é devastado. As áreas se sustentam sem entrar em processo predador", afirma o arquiteto.
O assoalho é de madeira cumaru, colocado em todo o piso da casa, e as tábuas de angelim-pedra, que revestem o forro e as paredes internas. "A casa fica em local onde a temperatura é sempre baixa. Mesmo no verão, chega a cair para 10ºC; no inverno, para menos de zero. Seria insuportável se tivesse outro tipo de revestimento que não fosse a madeira”.
O projeto também promoveu o menor impacto ambiental possível no terreno. "Procurei não mexer no solo consolidado há milhões de anos", afirma Motta. Atrás da construção, placas fotovoltaicas e um aerogerador captam as energias solar e eólica que abastecem a casa. Funciona assim: acumuladas em oito baterias com corrente contínua de 12 V, convertida em corrente alternada de 110 V, essas energias alimentam os aparelhos elétricos e os pontos de iluminação. Todo esse sistema custa em torno de R$ 40 mil, segundo o engenheiro elétrico Renato Silva Dib, responsável pela instalação dos equipamentos.
Outra série de placas de energia solar aquece a água, canalizada desde as nascentes do terreno e armazenada em um boiler. "Em dias nublados, a água ainda pode ser aquecida pela serpentina que passa pelo fogão a lenha", diz Carlos Motta, especializado nesse tipo de obra.
Embora os equipamentos de energias alternativas tenham custado caro, o arquiteto afirma que o investimento será recompensado em longo prazo. "Por muitos anos, o dono da casa não terá de pagar por energia elétrica e, no futuro, não haverá custo alto para todo o planeta", diz Motta. Além disso, o aerogerador, que não é muito caro, tem a vantagem de funcionar também à noite.
Preocupação com o isolamento As paredes externas de madeira itaúba são recheadas com manta de isolamento térmico e acústico, que também foi usada entre as telhas paulistinhas e o forro de angelim-pedra
Piscina na rocha A piscina tem como fundo a laje da enorme pedra que existe no terreno e é revestida nas laterais por pedras menores, também do local. A água corrente é de córrego desviado, que depois volta ao curso normal.
Casa arejada e econômica
As construções “ambientalmente responsáveis” viraram o sonho de arquitetos e engenheiros. A arquiteta Alexandra Lichtenberg considerou isso quando projetou sua casa, no Rio de Janeiro. Além de janelas amplas, para deixar a luz natural iluminar os ambientes, Alexandra fez um jardim sobre a laje do telhado. Isso melhora o isolamento térmico da casa e a absorção da água das chuvas, reduzindo as enchentes. A casa foi selecionada pela WorldChanging, uma organização sediada em Seattle, nos Estados Unidos, que destaca projetos ecológicos.
Com a troca das telhas pela laje ajardinada, a casa de 288 m², no Rio de Janeiro, ganhou temperatura interna mais amena. Pronta para enfrentar o aquecimento global, conta com sistemas que poupam água e energia elétrica. Além de tudo, a casa ecológica tem uma vista deslumbrante.
Num casarão de 288 m² construído em 1930 no bairro da Urca, no Rio de Janeiro, a arquiteta Alexandra Lichtenberg criou, para si própria, um modelo de edificação de causar inveja em tempos de mudanças climáticas arrasadoras. A casa passou por uma reestruturação radical que a deixou mais econômica, em relação à energia elétrica e à água, e com clima mais fresco no interior.
Erguida sobre uma pedra no Morro da Urca, a chamada “ecohouse” (www.ecohouse.com.br) é um sonho da arquiteta de poder um dia ver ao menos parte das construções do país adaptada a sistemas como o que foi desenvolvido por ela na reforma dos espaços, que durou um ano e foi concluída em março de 2004.
A casa - três suítes, escritório, lavabo, duas salas de estar, sala de jantar, cozinha americana, lavanderia, quarto e banheiro de empregada - chegou a ser citada no World Changing, compilação de projetos sustentáveis espalhados mundo afora, prefaciado por ele mesmo, o ex-futuro presidente dos Estados Unidos - como Gore se denomina, num deboche às eleições que deram a vitória a George W. Bush.
A economia que resulta de uma construção do tipo está em quase tudo. Como, por exemplo, na questão do sistema pluvial. “Não existe abundância de água limpa no mundo. Por isso, não faz sentido utilizar água potável em coisas que não precisam de uma água 100% pura, caso do abastecimento de vasos sanitários”, diz a arquiteta. Ela instalou os dois sistemas: um para a água da chuva e outro para a potável, que abastece chuveiros, cozinha, banheiros (exceto o vaso) e lavanderia.
Para economizar gás e energia elétrica, Alexandra dispôs coletores solares nos dois jardins cultivados sobre o telhado. A telha francesa, que aquece mais, foi trocada pela laje. “Simplesmente porque eu queria não só amenizar o clima dentro de casa como também ter uma estrutura mais segura, que suportasse a circulação de pessoas”, afirma.
A madeira do telhado foi reutilizada nos pergolados, bancos e corrimão. No jardim, ervas como manjericão e hortelã são as estrelas, além de plantas como a lágrima-de-cristo e outras espécies encontradas no mato e que não absorvem muito o calor. Portanto, não precisam ser regadas com freqüência. “Economizo água. Sem falar que ficou 6°C mais fresco nos ambientes internos.
Na construção, há ainda a preocupação com a reciclagem de lixo. Compartimentos separam, na cozinha americana, produtos recicláveis de não-recicláveis. Onde há madeira - bancada e paredes da cozinha, por exemplo -, ela é de reflorestamento e com certificação. Em algumas áreas, o piso é o mesmo da construção original. Alexandra acredita que pode evitar o uso de madeiras não-reflorestadas quando opta por reformar um imóvel.
Fachada viva A frente da casa original foi modificada para receber janelas maiores, proporcionando mais ventilação, já que o vento é noroeste, o que faz com que a residência absorva o forte sol da tarde. Para atenuar o calor, a construção foi coberta com tumbérgia, uma trepadeira.
Casa junto à mata
Integrada à Mata Atlântica e escalonada em terreno íngreme, esta casa de 190 m² em Ibiúna, SP, preserva a vegetação ao redor. Empregadas na construção, telhas ecológicas e madeira de reflorestamento também revelam boas intenções para com o planeta.
Em escalas Os três andares da construção ficam disfarçados no terreno íngreme. A boa quantidade de aberturas (janelas e portas sanfonadas) aumenta a ventilação e a claridade dentro da casa
O verde é paisagem e inspiração para este projeto sustentável, em Ibiúna, no interior de São Paulo. Com madeira reflorestada, telhas feitas de papel descartado, resina e betume e um ciclo permanente de água que engloba uso e filtragem, a casa integra os 10 mil alqueires do Condomínio Tribo. Assim como as outras onze moradias levantadas no conjunto residencial, a construção foi acomodada em um terreno íngreme, sem intervenções.
A idéia é do arquiteto José Augusto Conceição, autor de todas elas. "Em áreas que conservam mata nativa, é responsabilidade do arquiteto ocupar sem destruir. Recuperamos áreas degradadas e enriquecemos o terreno com 12 mil espécies da Mata Atlântica, sobretudo palmitos-juçara", diz José Augusto, que teve a colaboração da bióloga Cristina Simonetti no manejo das espécies.
Parte da construção foi implantada sobre pilares de eucalipto autoclavado, uma madeira reflorestada e tratada com inseticidas e fungicidas, que a protegem do apodrecimento. "Seu desempenho estrutural é melhor que o de algumas madeiras nobres, antigamente usadas para o mesmo fim", afirma José Augusto. Formando as paredes externas na área em que a construção se projeta no chão, os lambris de pinus autoclavado foram a opção à alvenaria, pois são mais leves e resistentes a intempéries.
O respeito ao meio ambiente chega ao telhado. As telhas, de 2 x 0,95 m, feitas a partir da mistura de fibras vegetais (papéis descartados), resina e betume, são certificadas como ecológicas: não têm amianto e cerâmica em sua composição e, no processo de fabricação, não liberam gases que agridem a natureza. Outra vantagem do material é a leveza. Cada telha pesa apenas 6,4 kg, fator importante para construções suspensas.
A moradia do casal Ligia e Laurent tem 190 m² de área interna, espalhados em três pavimentos. No piso inferior, estão os quartos das duas filhas e um banheiro, que serve como lavabo. No térreo, a cozinha é separada da sala de jantar apenas por um balcão de alvenaria, e não há paredes entre o jantar e o estar. Os dois ambientes estão integrados à varanda, com 50 m². No andar superior, fica a suíte do casal e o futuro ateliê de Laurent, com muitas aberturas para a entrada de luz natural, sempre bem-vinda para esquentar o ambiente e, conseqüentemente, reduzir o uso de energia elétrica.
Toda a água que abastece a casa e o condomínio provém de duas nascentes que existem no local e da captação de água pluvial, feita por três calhas ao longo do terreno. "A água é mantida na mesma microbacia de onde foi retirada. Ela é captada na parte mais baixa e retorna, depois do uso, tratada, ao seu curso normal. Para isso, usamos um sistema de fossa com filtro anaeróbio e valas de infiltração, determinado pelo código sanitário", diz José Augusto.
Mesmo sendo uma casa para passar os fins de semana, os proprietários, que atualmente moram em Ho Chi Minh, no Vietnã, têm boas lembranças do tempo em que a freqüentavam. "Para nós, que sempre moramos em cidades grandes e caóticas, como São Paulo, Seul, Xangai e agora Ho Chi Minh, estar a 50 minutos de São Paulo e ter a sensação de permanecer longe de tudo, rodeado por mata, sempre foi prazeroso." Melhor ainda é saber que a natureza não sofreu qualquer impacto para que esse deleite fosse possível.
Apoio forte Para sustentar a diferença de inclinação do terreno, parte da casa está suspensa sobre os pilares de eucalipto autoclavado. A solução permitiu o avanço do deque de garapeira. O telhado recebeu telhas verdes Onduline, que não agridem o meio ambiente
Árvores preservadas Nem mesmo as árvores mais próximas da construção foram retiradas do lote, a exemplo do coqueiro nativo, à frente. A inclinação do terreno esconde parcialmente a entrada principal da casa
Fontes: Conselho Brasileiro de Construção Sustentável e Ibama
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