O novo ativo do século é o gás carbono, a ser transacionado entre o mundo rico e o pobre nos mercados do futuro. A maior conferência mundial sobre mudança climática proporcionou um terreno fértil para que este mercado potencialmente lucrativo estenda suas raízes ao setor florestal. O carbono, ou melhor, o dióxido de carbono, é a principal substância entre as que aquecem a atmosfera, conhecidas como gases causadores do efeito estufa.
As vozes a favor deste novo mercado foram numerosas na XIII Conferência das Partes da Convenção Marco das Nações Unidas sobre Mudança Climática, realizada em dezembro na Ilha de Bali, na Indonésia.
Entre elas a do Banco Mundial, que lançou uma iniciativa para incorporar as florestas tropicais do mundo em desenvolvimento ao mercado de crédito de carbono.
O Fundo para Reduzir as Emissões de Carbono Mediante a Proteção das Florestas, já proposto em 2006 pelo Banco e apresentado em Bali, destina-se a proteger esses ecossistemas do desmatamento, canalizando fundos do mundo industrializado. O Fundo permitirá aos “compradores” das nações ricas, que devem reduzir suas emissões de dióxido de carbono, a fazê-lo financiando programas que detenham a destruição florestal, que contribui com quase 20% dos gases que provocam o efeito estufa lançados na atmosfera.
O Banco prevê capitalização de US$ 300 milhões para o Fundo, que será implementado com uma base de US$ 10 milhões. Também calcula que seu funcionamento será de aproximadamente uma década. Semelhante tentativa de que os maiores contaminadores do mundo obtenham créditos de carbono é apenas a última de uma crescente lista de opções incentivadas pelo Protocolo de Kyoto, em vigor desde 2005. Em 2006, o volume global do mercado de carbono era de aproximadamente US$ 30 bilhões, segundo o Banco Mundial, e em 2004 era inferior a US$ 1 bilhão.
“A maior fonte de créditos no mercado foram os investimentos para reduzir os hidrofluorocarbonos (HFC), utilizado em vários processos de manufatura de indústrias químicas, disse Bem Vitale, diretor de Desenvolvimento de Mercados e Negócios de Ecossistemas da Conservation International. A China foi o país mais beneficiado com os investimentos em projetos amigáveis com o meio ambiente, que habilitam uma empresa ou um governo (do mundo industrializado) a adquirir créditos de carbono.
Entretanto, nem todos na Conferência se mostraram convencidos de que as florestas do mundo em desenvolvimento serão protegidas por um mecanismo de mercado concebido para ajudar governos e empresas do mundo industrializado a adquirir créditos de carbono. Estes créditos são permissões para contaminar. Quem os compra, adquire uma desculpa para não reduzir sua própria contaminação, enquanto paga para que outros produzam de maneira mais limpa. “Nos preocupa o abuso dos mecanismos de mercado. Não estou certo de que por si só ajudem a reduzir as emissões”, disse o chanceler brasileiro, Celso Amorim. A preocupação é compartilhada por algumas organizações ambientalistas.
A insistência de que o mercado seja uma solução para que os ricos cumpram suas obrigações pode alterar a prioridade do Protocolo de Kyoto: que os países industrializados reduzam os gases causadores do efeito estufa em suas próprias economias.
“O mundo industrializado começará a comprar créditos de carbono florestal baratos do mundo em desenvolvimento sem mudar sua matriz energética, nem seus sistemas de transporte, que são os que contaminam o meio ambiente”, disse Marcelo Furtado, diretor de campanha do Greenpeace no Brasil. “As nações ricas podem estar fazendo um grande favor ao planeta ao protegerem as florestas tropicais, mas, em um aspecto mais amplo, o meio ambiente não se beneficia porque não reduziriam suas emissões de gases”, acrescentou.
Organizações como a Amigos da Terra e o Fórum Indonésio para o Meio Ambiente têm outras preocupações sobre o novo papel que se quer dar às florestas tropicais. Comunidades indígenas e outros povos cujo sustento depende das florestas serão marginalizados desse vínculo econômico e cultural tradicional que mantêm durante décadas ou séculos, afirmaram. As diferenças aparecem ao longo de 2008, ano em que começará o período para cumprir os compromissos assumidos em Kyoto por todos os países industrializados, menos os Estados Unidos.
As nações ricas estão obrigadas a reduzir seus gases que provocam o efeito estufa em 5,2% com relação aos níveis de 1990, no prazo de cinco anos que terminará em 2012. O novo ano também abrirá as portas para que as empresas e os países do mundo rico que acumularam créditos de carbono comecem a comercializá-los.
O Protocolo de Kyoto, anexo da Convenção sobre Mudança Climática, estabeleceu um Mecanismo de Desenvolvimento Limpo que habilita os poluidores do Norte industrializado a investirem em iniciativas limpas no Sul em desenvolvimento em troca de créditos de carbono, com os quais diminuirão as distâncias que os separa do cumprimento de suas obrigações.
Enquanto se espera este novo giro econômico, representantes dos países pobres protestam dizendo que não querem ser vítimas de fraude a respeito do valor de uma tonelada de carbono. Um delegado indonésio na Conferência de Bali disse que os créditos de carbono estão avaliados em apenas US$ 3 a tonelada nos países em desenvolvimento, enquanto são cotados a US$ 25 nos países europeus. Na província canadense de Alberta, que tem a segunda maior reserva de petróleo do mundo, as autoridades fixaram em US$ 15 a tonelada de carbono, como parte dos esforços para exigir reduções dos emissores do setor privado. “Se houver abuso do mercado de carbono será injusto culpar o Protocolo de Kyoto”, disse Furtado. A culpa será de quem abusar, por não cumprir suas obrigações de reduzir suas emissões.
Projetos
O Conselho Executivo do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) das Nações Unidas certificou, em 2007, cerca de 66 projetos brasileiros de crédito de carbono. Os projetos são iniciativas que reduzem a emissão de gases de efeito estufa, considerados responsáveis pelo aquecimento global.
Ao serem certificados, os projetos transformam-se em Reduções Certificadas de Emissões (RCEs), créditos virtuais de carbono que são vendidos para países desenvolvidos. Os países ricos têm interesse na compra porque precisam cumprir as metas de redução de gases impostas pelo Protocolo de Kyoto.
O Brasil ocupa atualmente o terceiro lugar em número de projetos em todo o mundo. São 255 projetos do país no MDL (dos quais 66 têm a certificação). Em primeiro lugar está a China com 874 projetos e, em segundo, a Índia com 776.
Segundo o assessor técnico do Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT), Gustavo Mozzer, que integra o Comitê Interministerial de Mudança do Clima (CIMGC), o número coloca o Brasil em destaque no cenário internacional.
"É um posicionamento muito bom porque estamos logo depois da China e da Índia. Os dois países têm matriz energética bastante dependente de combustível fóssil [poluente] e é mais fácil fazer um projeto de MDL lá do que aqui. Isso acontece porque o Brasil já tem solução mais limpa de produção de energia cuja matriz é hidrelétrica", explicou o assessor.
Para receber a certificação das Nações Unidas, o projeto de desenvolvimento limpo precisa vencer sete etapas: elaboração de concepção de projeto, validação, aprovação pelo CIMGC, submissão ao Conselho Executivo para registro, monitoramento, verificação/certificação e concessão das RCEs.
Em setembro, do ano passado, a prefeitura de São Paulo vendeu por R$ 34,5 milhões os RCEs da usina que produz eletricidade a partir da queima de gases produzidos no Aterro Sanitário Bandeirantes. Os créditos foram adquiridos pelo banco holandês Fortis Bank NV/AS em um leilão na Bolsa Mercantil e de Futuros (BM&F). Foi o primeiro leilão do tipo no mundo.
O MCT não tem o balanço das vendas feitas por empresas brasileiras que têm RCEs. Mas existe um dado que pode demonstrar o tamanho desse mercado: o Brasil emite por ano 12,2 milhões de RCEs. "Se foi cobrado o mesmo preço com que foram vendidos os créditos de carbono na BM&F, pode-se considerar que as empresas faturaram R$ 300 milhões com a venda dos RCEs no Brasil", calcula Gustavo Mozzer.
Qualquer empresa pode apresentar um projeto de MDL. As informações sobre os procedimentos estão no site do MCT no endereço www.mct.gov.br/clima e na página do Conselho Executivo do MDL na internet.
Mercado de carbono
Um convênio firmado entre a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e o governo japonês destinará US$ 1 milhão para o desenvolvimento do mercado de carbono no Brasil. O acordo, intermediado pelo Banco Mundial, conta ainda com a participação da Bolsa de Mercadorias e Futuro (BM&F), instituição na qual serão negociados os créditos de carbono.
Segundo a Finep, os recursos financiarão uma série de estudos sobre a estruturação e implementação do mercado, iniciativa que está inserida nas metas aprovadas pelo Protocolo de Kyoto, acordo internacional implementado em fevereiro de 2005 para combater a emissão de gases poluentes na atmosfera.
O principal objetivo do protocolo, ratificado por 144 nações, é reduzir a emissão de poluentes em 5,2% nos países desenvolvidos, tendo como base os níveis verificados em 1990, ano em que as negociações se iniciaram.
O Comércio de Emissões tem engrenagem similar à da bolsa de valores. O diferencial é que, no lugar de ações, os papéis negociados são Reduções Certificadas de Emissões (RCEs), medidas em tonelada métrica de dióxido de carbono.
Esses créditos de carbono são cedidos pelas agências de proteção ambiental reguladoras aos países que comprovadamente reduziram a emissão de poluentes, por meio de programas de reflorestamento, de desenvolvimento de energias alternativas e de outras iniciativas. As RCEs adquiridas são vendidas para as nações interessadas em emitir dióxido de carbono, mas que ultrapassaram a cota estabelecida.
Cada crédito equivale a 1 tonelada do gás e tem valor de mercado entre €12 e €18, preço que varia de acordo com a cotação internacional. Segundo estimativas do Banco Mundial, o Brasil tem potencial para conquistar cerca de 10% no mercado mundial de carbono, que alcançou a média de US$ 1,3 bilhão em 2007.
Dois fatores são fundamentais na hora de determinar o preço: o risco de performance e o mercado financeiro de emissões. O especialista Maurik Jehee, superintendente de vendas de crédito de carbono do Banco Real, traça uma análise dos riscos aos quais um projeto de mecanismo de desenvolvimento limpo (MDL) está submetido, como eles interferem no preço e, principalmente, como administrá-los, com o objetivo de se conseguir o melhor preço na hora de vender.
Considerando apenas projetos realizados em conformidade ao Protocolo de Kyoto, existem dois mercados: primário e secundário. O mercado primário envolve risco na negociação dos créditos com o projeto ainda em fase de aprovação, ou seja, no papel, em processo para ser registrado na Organização das Nações Unidas (ONU). Neste caso, o preço é inferior ao cotado hoje, podendo oscilar entre 8 e 10 euros, estima Jehee.
Já no mercado secundário podemos considerar que praticamente não existem mais riscos, pois nesta etapa o projeto já está em pleno funcionamento ou os certificados de redução já estão em mãos. O valor, portanto, sobe para 13 euros, de acordo com a cotação atual. Mas, esse mercado é muito volátil, apresentando grande alteração do preço do crédito de carbono em um curto espaço de tempo.
De uma maneira simplificada, é possível dividir o processo de um projeto de MDL em três etapas: o da aprovação e registro do projeto, o da implementação física e o do monitoramento e emissão final dos créditos. "Em geral, podemos dizer que a cada passo conquistado, ou milestone, a percepção de risco de projeto diminui e, portanto, a probabilidade de o projeto entregar um bom número de créditos de carbono aumenta", explica o especialista. Outro fator que eventualmente pode contribuir para diminuir o risco é utilizar metodologias já conhecidas.
Com o projeto registrado, o comprador já tem uma boa idéia da seriedade do projeto. Entretanto, ainda existe o risco de o dono do projeto não conseguir, por diversas razões, entre elas a falta de recursos, implementá-lo ou dar continuidade a ele. Uma vez com o projeto em fase operacional, conta o especialista, começa a rodar efetivamente o relógio das reduções de emissões.
Portanto, uma empresa que precisa de um financiamento para implementar o projeto, pode aceitar vender uma parte dos créditos futuros por um preço menor. "Isto diminui a rentabilidade do projeto como um todo, mas pode aumentar significativamente a probabilidade da entrega com sucesso", aconselha Jehee.
Existem, no entanto, algumas imprevisibilidades às quais um projeto de MDL pode estar submetido, como no caso de um suinocultor, que depende do gás metano liberado da fermentação ocorrida nos dejetos dos animais, para então queimá-lo e evitar seu lançamento na atmosfera. Se em um ano vender menos carne que o esperado, tiver seu rebanho atacado por alguma peste ou simplesmente fazer mais frio que o habitual, a quantidade de reduções a ser entregue será alterada, pois as toneladas de dióxido de carbono (CO2) equivalentes evitadas serão menores.
"Depois de o projeto estar implementado é prudente, se a empresa tiver condições financeiras, não negociar todos os créditos de uma vez e vender apenas parte do CO2 evitado. E, caso o projeto atinja as reduções estimadas, então comercializar o restante", orienta Jehee. Se o projeto tem capacidade para evitar a emissão de 100 mil toneladas de CO2 ao ano, talvez seja melhor negociar apenas 80% da quantidade, dependendo do caso. Para mensurar essa margem de risco, é importante recorrer a uma assessoria financeira, seja para estabelecer uma estratégia de negociação, a fim de evitar uma situação constrangedora com o comprador, ou para procurar ajuda sobre como compensar o atraso de uma entrega de certificações de redução. Geralmente os bancos oferecem esse auxílio.
Se acontecer um atraso, a solução depende do que foi firmado no contrato. Geralmente os contratos tem essa flexibilidade, pois, como os países com obrigatoriedade de redução têm até 2012 para comprovar que atingiram a meta, existe a possibilidade de receberem a parcela faltante no ano seguinte. Ou, ainda, pode haver multa por atraso da entrega. O banco pode entrar nesse momento para encontrar a solução mais adequada, como financiar um empréstimo para pagar a multa. Mas isso varia caso a caso. Depende do que for acordado com o comprador.
Fonte: Elaborada pela Equipe Jornalística da Revista da Madeira. |