O futuro do clima do planeta depende, em parte, do que os agricultores estão fazendo com suas florestas. Ao queimar árvores para transformar a área em pasto, são lançadas, na atmosfera, 120 toneladas de carbono por hectare. Queimadas assim é a principal contribuição do Brasil para o aquecimento global. Hoje, estima-se que o Brasil seja o quarto maior responsável pelas emissões de gás carbônico, o principal fator responsável pelas mudanças no clima da Terra. Cerca de 75% das emissões vêm justamente de lugares como Cotriguaçu, MT, um dos campeões de desmatamento do país.
Foi por isso que cientistas e economistas dos nove principais institutos de pesquisa e ONGs ambientalistas do país, como Imazon, WWF, Greenpeace, Instituto Socioambiental e Ipam, se juntaram para responder à seguinte pergunta: quanto custa frear a destruição da Amazônia? A resposta que eles encontraram, divulgada recentemente no Congresso Nacional, é R$ 1 bilhão por ano. Não é um investimento tão alto. Só as usinas do Rio Madeira, em Rondônia, deverão custar R$ 17 bilhões.
A estimativa é o resultado do estudo mais abrangente sobre a economia do desmatamento. Segundo seus autores, esse investimento poderia, em sete anos, reduzir a destruição da floresta, hoje em torno de 1,4 milhões de hectares por ano, para índices inferiores aos da década de 80, quando o ritmo era de 40.000 hectares por ano. A partir de 2015, já se teria formado uma economia sustentável na região, baseada na exploração legalizada de madeira, e a pecuária e a agricultura ficariam restritas às áreas já abertas. (Hoje, 70% das áreas desmatadas estão abandonadas, porque é mais fácil desmatar uma região nova que recuperar a terra para plantio.) No lançamento do estudo, os pesquisadores propuseram um compromisso, o Pacto pela Valorização da Floresta e pelo Fim do Desmatamento na Amazônia. Receberam o apoio dos governadores do Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso e Pará, do BNDES, e da própria ministra do Meio Ambiente, Marina Silva.
O assunto tem sido tema de debates e grande repercussão na mídia. Recentemente a revista Época realizou uma matéria enfatizando que o desmatamento é um problema que o Brasil terá de enfrentar nas próximas décadas durante as negociações mundiais para o controle do clima. Não fosse por ele, o país seria um dos heróis mundiais na guerra contra as mudanças climáticas. O Brasil é um dos poucos países que podem se orgulhar de sua matriz energética. Mais de 80% de nossa eletricidade vem de usinas s hidrelétricas. Essa energia não depende da queima de combustíveis fósseis e não gera resíduos radioativos. Também temos um dos programas de geração de combustíveis mais inovadores do mundo. Cerca de 45% de nossos veículos são movidos a partir de fontes renováveis, como o álcool ou o biodiesel, que não contribuem para o aquecimento do planeta. A média mundial é de menos de 15%. O país seria um dos mais isentos de culpa pelas mudanças climáticas se não fosse o desmatamento.
O governo tem conseguido algumas vitórias. Em dois anos, reduziu pela metade o ritmo da devastação. O plano nacional de combate ao desmatamento foi um dos mais eficazes da História. “Conseguimos integrar 11 ministérios para reduzir as derrubadas na Amazônia. Foi um feito inédito”, diz André Lima, diretor de articulação de ações para a Amazônia, do Ministério do Meio Ambiente (MMA). Os pontos altos das ações foram a fiscalização integrada do Ibama com a Polícia Federal, a criação de novas bases de fiscalização na fronteira do desmatamento e a exoneração de funcionários corruptos dos órgãos ambientais. Nos últimos três anos, o governo federal criou 20 milhões de hectares de terras protegidas. Com tudo isso, em 2006, estima-se que o Brasil tenha evitado a emissão de 410 milhões de toneladas de gás carbônico. Mas ainda é pouco. O próprio governo concorda que o índice atual de desmatamento é alto. O país derruba um Sergipe a cada dois anos na floresta.
Exploração sustentável
Para evitar que o desmatamento volte a crescer, o plano federal de combate ao desmatamento terá de sofrer mudanças. A revalorização dos produtos agrícolas começa a induzir a abertura de novas áreas na mata. Em Mato Grosso, maior produtor de grãos e carne do país, dados do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) mostram que o desmatamento cresceu 200%.
O que está implícito nesses argumentos é que combater o desmatamento seria contrário aos interesses nacionais e prejudiciais à economia. No entanto, durante a última década, pesquisadores e economistas (inclusive os principais proponentes do Pacto) vêm argumentando que preservar a floresta é um bom negócio. Um estudo feito pelo Imazon para o Banco Mundial diz que o ciclo de extração predatória de madeira e pecuária em um município típico rende US$ 100 milhões por ano. Mas depois de oito anos entra em colapso com o fim da madeira, deixando apenas a pecuária, que rende US$ 5 milhões por ano. Quando um município consegue preservar a floresta, com coleta seletiva de madeira e extrativismo sustentável, produz US$ 75 milhões por ano sem esgotar seus recursos. Segundo estimativas, o desmatamento pode acabar, em algumas décadas, com os estoques de madeira da Amazônia, o produto mais valorizado da floresta. Já o manejo racional da mata em pé pode produzir madeira para abastecer toda a demanda internacional para sempre.
Então, se pela lógica econômica, faria sentido preservar a floresta, por que isso não ocorre? Segundo os estudos na região, as práticas ilegais desequilibram a conta a favor da devastação. Um terço da Amazônia é formado por terras da União ou do Estado. Sem titulação ou qualquer tipo de controle, essas áreas são atrativas para a conversão de florestas em pastagens ilegais. Nesses locais o boi funciona como um instrumento de garantia da posse. O rebanho ocupa a terra, mostra que ela tem dono. Cerca de 70% das derrubadas é conversão de florestas em pastagens extensivas. Esse avanço do gado estaria sendo patrocinado pela venda da madeira. Sete em cada dez tábuas da Amazônia consumidas em São Paulo – o maior mercado de madeira tropical do mundo – foram tiradas de terras públicas.
Os incentivos oficiais à pecuária também desequilibram a equação da sustentabilidade. Em Mato Grosso, segundo o estudo do Pacto, há uma isenção de quase 100% dos impostos à criação de bois. Além disso, os bancos dão créditos para a pecuária mesmo em áreas ilegais. Enquanto abrir novos pastos for mais barato que manter a floresta em pé, a pecuária será uma ameaça.
Investimentos
Para deter a devastação, o Pacto propõe investimentos em três frentes. A primeira são as ações de fiscalização. Uma estratégia semelhante foi adotada em Terra do Meio, no Pará, depois da morte da irmã Dorothy Stang, em 2005. O desmatamento e a violência na região foram controlados com a presença do Exército e de forças-tarefa do Ibama. O país conta com um dos instrumentos mais modernos do mundo de monitoramento de desmatamento e queimadas por satélite. Mas faltam fiscais em campo. Muitas das cidades onde pólos madeireiros ilegais atuam não têm sequer um posto do Ibama, como Aripuanã, em Mato Grosso, e Castelo dos Sonhos, no Pará.
O custo de montar uma estrutura de fiscalização seria de aproximadamente R$ 350 milhões por ano, segundo o estudo do Pacto. A segunda frente seria incentivar as atividades econômicas sustentáveis. Hoje, é mais fácil obter autorização para derrubar a floresta que para fazer retirada seletiva de árvores. Seria preciso reduzir os trâmites burocráticos para essas empresas. Além disso, as madeireiras que praticam manejo florestal teriam isenções fiscais. As isenções e os programas de assistência técnica para manejo custariam R$ 300 milhões.
O mecanismo mais polêmico para reduzir o desmatamento seria criar incentivos financeiros à preservação. Proprietários rurais legalizados receberiam compensações por manter as áreas preservadas que a lei exige. Pela lei, toda propriedade deve manter uma reserva legal de 80% de floresta. O dinheiro viria de um fundo pró-Amazônia. Enquanto atividades sustentáveis como o manejo florestal não são mais rentáveis do que a conversão da floresta em pasto, esse mecanismo pode ajudar a valorizar a floresta. Mudar a cultura da região também passa pelo bolso dos proprietários. Ninguém quer perder dinheiro para salvar a Amazônia. A ajuda custaria R$ 350 milhões por ano, segundo o estudo do Pacto. Essa idéia sofre resistências.
Outro ponto em discussão na proposta do Pacto é de onde tirar R$ 1 bilhão por ano. A primeira idéia dos autores do plano é – como tantas vezes no Brasil – criar um imposto específico para isso, que incidiria sobre atividades poluidoras como a gasolina e a mineração. Outra alternativa é usar recursos do ICMS arrecadado nos Estados da Amazônia. Para justificar esse repasse, lembram os serviços que a floresta presta ao resto do país. Seria uma forma de compensar a região pelos benefícios que ela oferece. Cerca de 70% das chuvas que caem em São Paulo têm origem em fenômenos na Amazônia.
A opção mais atraente é conseguir verbas externas. Se reduzir o desmatamento pode ser bom para o Brasil, a vantagem de assumir metas, dizem os defensores do Pacto, é criar uma moeda de troca internacional. As florestas são 20% das emissões mundiais de gás carbônico. Elas são parte do problema, mas também podem ajudar nas soluções. Se os países que integram a COP aceitarem a inclusão das florestas tropicais nos acordos internacionais, o Brasil poderá receber investimentos do mercado de carbono. É um sistema pelo qual empresas emissoras de gases podem comprar créditos de projetos em outros países que conseguiram reduzir suas emissões. A venda de créditos por evitar o desmatamento poderia sozinha custear o Pacto. Para isso precisamos provar ao mundo que temos condições de controlar o desmatamento. Daí a necessidade das metas que o governo federal nunca quis estabelecer.
A proposta do Pacto foi levada pelas ONGs para a reunião mais decisiva nas negociações internacionais de clima, realizada na Indonésia. Nesse encontro, os 169 países signatários do Protocolo de Kyoto, o acordo global de redução de emissões, começam a acertar as próximas metas para revisão do acordo em 2012. Ali será discutido se as florestas entram no novo protocolo. E se países em desenvolvimento, como China, Índia e Brasil, deverão ter limites de emissão de gás carbônico.
Como salvar a Amazônia
Segundo o maior levantamento econômico já feito, um investimento de R$ 1 bilhão por ano poderia salvar a floresta. Como esse dinheiro seria usado:
Fiscalização
Cerca de 80% do desmatamento na Amazônia é ilegal. O país já possui o sistema mais moderno de monitoramento por satélite de sua cobertura florestal. Falta a presença de fiscais nas regiões críticas de desmatamento, como Machadinho (RO), Colniza (MT) e Castelo dos Sonhos (PA).
Monitoramento
O país tem 1.400 funcionários do Ibama para fiscalizar 64 milhões de hectares. É um fiscal por 480 km2. Não é o suficiente.
Regularização fundiária
Cerca de 33% da Amazônia são terras devolutas que pertencem aos Estados ou à União. No Pará, mais da metade do território é formada por terras públicas. A falta de controle sobre essas regiões induz o avanço do desmatamento ilegal e os conflitos no campo.
Incentivos
Redução do desmatamento em terras privadas. Quem decidisse manter uma área intacta dentro de sua propriedade receberia verba de fundos para a conservação.
O país tem 60 milhões de hectares abandonados. Essas áreas poderiam ser restauradas para o uso agrícola n Estímulos fiscais para atividades sustentáveis Subsídios e empréstimos podem ajudar práticas como manejo florestal e extração de óleos vegetais, como de castanha.
Os recursos deverão vir da Tributação de atividades potencialmente poluidoras; Redistribuição do ICMS dos Estados da Amazônia; Criação de fundos internacionais para a Amazônia; Recursos do BNDES; Mercado de carbono.
Financiamentos que devem acabar
- Para atividades incompatíveis com a floresta
Em Estados como Mato Grosso, a pecuária possui quase 100% de incentivos fiscais.
- Para agricultura em áreas ilegais ou em situação irregular
Hoje, o crédito vai para proprietários com histórico de multas por desmatamento e queimadas. Muitos não têm documento de posse da terra.
Fonte: Elaborada pela Equipe Jornalística da Revista da Madeira. |