Do potencial de 60 milhões de metros cúbicos de madeira em toras avaliada para a Amazônia brasileira, apenas cerca de 10% tem condições de ser aproveitado pela indústria madeireira, porque a floresta Amazônica não apresenta a mesma densidade de madeiras comercializáveis que o sudeste asiático, por ser muito maior a sua biodiversidade — que representa extraordinário leque de utilização em benefício de seus habitantes e do Brasil.
Com a grande demanda de madeiras duras tropicais pelos países desenvolvidos, as florestas da Malásia e da Indonésia estão próximas da exaustão, enquanto que as do Brasil, onde predomina a floresta Amazônica (da mata Atlântica, só restam 10%), ainda permanecerá por muitos anos, mesmo mantido o ritmo de desflorestamento atual.
Além da exploração por empresários do sul e sudeste do país, vêm penetrando na Amazônia, mais fortemente, as chamadas "madeireiras asiáticas", que, no entanto, não são apenas dessa região da Terra, mas, primordialmente, dos Estados Unidos, Europa e Japão, principais mercados consumidores. Os empresários do setor vêm entrando na Amazônia, adquirindo imensas extensões de terra, notadamente no estado do Amazonas — a maior e menos explorada unidade federada quanto à atividade madeireira. A entrada de multinacionais madeireiras começou na década de 70.
A busca pelo desenvolvimento sustentável inclui maiores investimentos em pesquisas científicas básicas e aplicadas e o estudo da melhoria dos aspectos econômico, social e ambiental da exploração. Além disso, do ponto de vista econômico, é fundamental que a Amazônia passe a produzir artefatos de madeira para exportação e para o mercado interno. Assim, agrega-se mais valor ao produto na região. Tal evolução econômica poderá representar, igualmente, desenvolvimento social, com melhores condições de vida para a população regional.
Uma exploração com base na sustentabilidade permitirá um melhor aproveitamento do recurso madeireiro, hoje e no futuro, restringindo as áreas de extração seletiva das árvores (porque a atividade, tornando-se rentável, não continuará itinerante) e, conseqüentemente, talvez ampliando a utilização da biodiversidade.
O projeto de implantação de planos de manejo florestal encontra dois principais obstáculos, difíceis de serem ultrapassados: primeiro, a falta de pesquisas que os indiquem como os mais adequados do ponto de vista da regeneração das essências comercializáveis extraídas; segundo, os seus altos custos de realização, considerando o baixo nível de investimentos de capital da indústria madeireira como um todo, aliado à falta de interesse da maioria dos madeireiros em adotá-los, pois consideram a floresta inextinguível.
Explora-se a madeira da floresta Amazônica com pequenos, médios e grandes investimentos de capital. A categoria de mais baixos investimentos abrange os habitantes da várzea, com poucos rendimentos, mas incentivados pelo apoio de intermediários: comerciantes e compradores de toras das serrarias maiores, que fornecem máquinas ou mesmo pequeno capital.
Os custos da produção são extremamente baixos nas pequenas serrarias das várzeas do estuário e do baixo e médio Amazonas paraense; são baixos nas serrarias de médio porte na região do estuário e do baixo e médio Amazonas paraense e na região de Tailândia; custos médios são encontrados nas serrarias de porte médio da região do estuário e do baixo e médio Amazonas paraense, que usam balsa, e na região de Paragominas. Os maiores custos estão nas serrarias especializadas em espécies como o Ipê, e nas indústrias de compensado.
Nos custos da produção incluem-se os da matéria-prima e os da mão-de-obra como fatores significativos. Portanto, é importante analisá-los. Os dados relativos à matéria-prima foram levantados em todas as áreas, na pesquisa do IMAZON. Representam entre 33% e 34% do total dos custos.
O elevado percentual do valor da matéria-prima nos custos da produção demonstra o mau aproveitamento da madeira extraída, que chega a reduzir-se a metade ou até menos, no processo de beneficiamento, porque se aproveita principalmente o fuste para a fabricação de pranchas. Precisa-se aproveitar o máximo da árvore.
Na análise do consumo médio de toras em relação à produção anual de madeira serrada em metros cúbicos, em todas as regiões estudadas, observa-se o grande e generalizado desperdício de madeira. Utiliza-se até mais do que o dobro de metros cúbicos de toras para obter-se o produto final: a madeira serrada ou o compensado. Na exploração nas várzeas ou em terra firme, é dominante o mau tratamento das toras, na extração e nas serrarias e indústrias de compensados. Mesmo com a madeira mais nobre há perdas significativas. A atividade madeireira, do ponto de vista do uso do grande patrimônio que é a floresta Amazônica, é altamente depredatória.
Os custos da mão-de-obra representam um terço dos custos da produção. Pensa-se em salários, mas os pagos na Amazônia são bem inferiores aos de outras regiões brasileiras produtoras de madeira. A mão-de-obra não é qualificada. Os operários aprendem o ofício na indústria, trabalhando. É comum, nas áreas mais afastadas, empresários não assinarem as carteiras dos trabalhadores.
Preocupação empresarial com a qualificação do operário e o melhor aproveitamento das árvores extraídas — diminuindo, portanto, o excessivo desperdício verificado mesmo nas empresas certificadas — encontra-se em poucos empresários.
Quanto aos percentuais da renda líquida, observam-se inferiores a 20%, na região do estuário e do baixo e médio Amazonas paraense, exceto nas serrarias de porte médio, que utilizam caminhão, pois o uso de combustível eleva muito os custos de produção. Neste caso, a renda líquida é a mais baixa encontrada em todas as pesquisas — 6%. Na classe de 20% a 30% encontram-se as serrarias típicas de Paragominas e as pequenas e grandes especializadas em madeira mais nobre. A renda líquida mais alta (superior a 30%) é observada em Tailândia e nas pequenas serrarias da região do estuário e do baixo e médio Amazonas paraense, e nas de porte médio dessa região, que usam a balsa.
Questão ambiental
O objetivo da produção no sistema capitalista é o lucro e nenhum empresário aplicará capital sem ter certeza de seu retorno, acrescido do lucro. E ele não investirá sem ter a confirmação do seu acerto. Não há pesquisa básica que garanta o bom resultado do manejo florestal, num prazo de 20-30 anos, apesar de existir legislação a respeito desde 1965.
Niro Higuchi, pesquisador do INPA, observa que é melhor o uso do manejo florestal do que o abandono da área florestada após a extração da madeira comercializável e a exaustão das essências procuradas. "O manejo florestal procura reduzir os danos à floresta, reduzir os desperdícios de madeira e aumentar a eficiência das operações de extração". Está certo; porém, não se deve adotar o manejo florestal sem, pelo menos, o concomitante desenvolvimento de pesquisas básicas. Entretanto, ao contrário, o manejo tem sido incentivado pelo IBAMA, com o amparo da lei. São claras as vantagens do manejo: redução de 26,48% do desperdício na derrubada e no arraste, que resulta no aumento da produtividade.
No processo de beneficiamento e comercialização, especialmente para exportação deve-se incentivar a agregação valor ao produto. O desejável é a progressiva qualificação profissional dos trabalhadores, o que ainda não existe. O indicado, portanto, é o incentivo da produção de artefatos de madeira, desde a melhoria e ampliação do setor moveleiro até o da produção de pequenas peças de madeira.
A floresta Amazônica brasileira teve áreas devastadas irracionalmente nas quatro últimas décadas do século XX, especialmente no chamado "arco do desflorestamento", que abrange o leste do Maranhão, sul do Pará, norte de Mato Grosso e Rondônia, além de ser empobrecida pelo corte seletivo, que ainda não pôde ser avaliado pelo INPE.
A floresta Amazônica está seriamente ameaçada pela exploração econômica depredatória que, embora seletiva na retirada quase exclusiva de espécies de valor comercial, causa graves danos ambientais, porque, geralmente, não se dispensam os cuidados necessários nem na extração nem no beneficiamento, além de a exploração seletiva não contar com experiências anteriores válidas, cronologicamente, para avaliação da regeneração das espécies.
A maioria das ONGs ambientalistas, como é o caso do Greenpeace, atribui parte da devastação da floresta à atividade madeireira, embora este admita a extração seletiva. Já os madeireiros afirmam que tal degradação se deve aos agricultores e pecuaristas, responsáveis pelo avanço da fronteira agropastoril, porque pratica a extração o corte raso. Ambos, na realidade, têm responsabilidade pelo mau uso do recurso.
O avanço da fronteira agrícola teve primordial papel no desmatamento da Amazônia, a partir da década de 1960, com os incentivos fiscais à pecuária concedidos pela SUDAM, que devastou áreas consideráveis da floresta, principalmente no Pará, Mato Grosso e Maranhão. Pode-se considerar, ainda, o papel dos pequenos agricultores assentados por meio da política de colonização oficial, especialmente em Rondônia. Nos dois casos, a política de dar acesso à região abriu grandes eixos rodoviários, como a Transamazônica, a rodovia Santarém-Cuiabá e a Manaus-Porto Velho, bem como asfaltou a Belém-Brasília e a Cuiabá-Porto Velho, sem nenhum planejamento nem pesquisa na região. A partir da década de 1970, a exploração madeireira expandiu-se muito, em conseqüência do esgotamento dos recursos florestais do sul e sudeste do Brasil, e também nos demais países tropicais, devido à aplicação de incentivos fiscais à atividade madeireira.
Embora a extração de madeiras não seja feita a corte raso nas áreas florestais exploradas, as empresas do setor estimulam a pecuária, porque compram toras nas áreas florestadas das propriedades pastoris, que precisam de capital para investir na melhoria das pastagens e garantir a continuidade da atividade. Os fazendeiros vendem parte das matas de sua propriedade para, com o dinheiro ganho, recuperar os pastos degradados, porque a criação de gado é, geralmente, extensiva e os solos são pobres para a pecuária. Em terras de pequenos produtores também as empresas madeireiras compravam madeiras dos colonos, assegurando-lhes, com isso, acréscimo à sua baixa renda, resultante da atividade agrícola incipiente — a roça — em terras de solos pobres e inadequados, que não lhes garantia a sobrevivência.
Outro aspecto que deve ser levado em consideração diz respeito à fiscalização do cumprimento da legislação florestal pelos madeireiros, na Amazônia. O estado do Amazonas, por exemplo, com cerca de 1.600.000 km2, dispunha de menos de 200 agentes fiscais do IBAMA. Contava, é certo, também com a eventual colaboração do Exército, Marinha, Aeronáutica e da Polícia Federal.
A avaliação do potencial madeireiro da Grande Região é da ordem de 60 bilhões de metros cúbicos de madeira em tora. Tal potencial desperta o interesse das grandes multinacionais japonesas, européias e norte-americanas, e também de empresas dos países asiáticos com florestas em exaustão, todas englobadas como "empresas asiáticas" nas denúncias de penetração das empresas estrangeiras na Amazônia, comprando terras florestadas e instalando indústrias.
O relatório do Greenpeace informa que, pelo menos, 25 companhias européias, americanas e asiáticas têm investimentos na indústria madeireira da Amazônia. A exportação, no entanto, não é, ainda, o principal destino da produção de madeira do Brasil.
O potencial da floresta Amazônica, embora vultoso, está sendo ameaçado pelo uso depredatório das árvores de valor comercial. Os investimentos são relativamente baixos. Há falta de capitais. O desperdício da madeira é enorme. Aproveita-se menos de 50% das toras no processamento, não só nas serrarias como também nas indústrias certificadas. A instalação das serrarias, na imensidão da floresta, passa a seus proprietários a sensação de que se trata de recurso inesgotável. Os madeireiros pensam que podem deslocar-se sempre para novas áreas florestadas, numa exploração itinerante. Mas a floresta, no ritmo atual do processo de corte, acabará inexoravelmente.
A recomendação do emprego do manejo florestal data de 1965. Se tivesse sido feito um programa de estudos e acompanhamento de alguns projetos-modelo em áreas diversificadas da Amazônia, teríamos 36 anos de experiência. Pesou também o fato de a regulamentação do Código Florestal só ter ocorrido em 1994. Necessitamos, hoje, de pesquisas em escala "amazônica".
O aproveitamento econômico do recurso florestal (que não se restringe às madeiras, mas a biodiversidade) é muito baixo e há desperdício. Há pequenas serrarias financiadas por intermediários que exploram inadequadamente a floresta. Multinacionais e capitais brasileiros não se diferenciam, exceto pela remessa de lucros dos primeiros, que ainda se beneficiam com incentivos governamentais de todo tipo.
O que precisa é o estabelecimento de política de larga ampliação dos estudos científicos básicos, aliada os planos de correção da ocupação econômica da Amazônia, numa política de planejamento regional e com reorganização dos setores de fiscalização das atividades econômicas.
Irene Garrido Filha, pesquisadora e secretária-geral da Campanha Nacional de Defesa e pelo Desenvolvimento da Amazônia (CNDDA).
Fonte: Elaborada pela Equipe Jornalística da Revista da Madeira. |