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REVISTA DA MADEIRA - EDIÇÃO N°108 - OUTUBRO DE 2007

Móveis & Tecnologia

Espécies alternativas inspiram designers

Nos últimos anos novas espécies de madeira da Amazônia vêm chegando às lojas e nos ateliês pelas mãos de um grupo de projetistas autoproclamados ecodesigners. Eles produzem peças que vão de bijuterias e móveis a brinquedos de playground. Tudo desenvolvido com materiais resistentes, com texturas diferentes e cores exuberantes. São espécies de ótima qualidade que até então a movelaria ignorava. Em geral, vão parar em lugares menos nobres, como vigas, tábuas ou tapumes. Quando não viram carvão. Estima-se que um naco da Floresta Amazônica guarde até 5 mil espécies de árvore. Destas, cerca de 300 podem ser qualificadas como madeira nobre. Mas apenas meia dúzia é realmente conhecida e valorizada pelo mercado. Quem vai a uma loja escolher um armário ouve falar de itaúba, ipê, cedro e mogno. Mas dificilmente conhece o roxinho, que tem um tom avermelhado tão forte que parece tintura, ou a faieira, que mostra um desenho intrincado.

Algumas dessas madeiras já são utilizadas em objetos para decoração, móveis, jóias e instrumentos musicais. Mas a meta do Ibama é incentivar e orientar a indústria de construção civil. ''É preciso valorizar a diversidade de madeiras no mercado'', diz a engenheira florestal Maria Helena Souza, do Ibama. Isso porque explorar madeiras diferentes tem uma utilidade ambiental. As madeireiras que manejam a floresta sem destruí-la exploram ä cada trecho de mata por lote. A cada ano, cortam algumas árvores de um lote. No ano seguinte, exploram outro lote. O ciclo dura 30 anos, permitindo a recuperação da floresta que foi explorada. Se a madeireira conseguir vender mais espécies como nobres, o negócio tem maior viabilidade econômica, para rivalizar com a soja e o gado na Amazônia.

Ambientalista com especialidade em movelaria, o ecodesigner André Marx trabalha com madeiras alternativas há 19 anos. Ele se inspira na natureza e nas curvas do corpo feminino para produzir suas peças. Toda a produção é feita pelo artista, que desenha, cria, constrói e vende. Marx faz ainda palestras no Brasil e no exterior sobre marcenaria e uso de madeira certificada com o intuito de conscientizar os futuros profissionais do mercado. ''É imprescindível a divulgação da floresta como um bem a ser usado de forma racional'', ressalta Marx.

Os consumidores brasileiros não se preocupam com a origem da madeira. ''Acham bonito e interessante. Mas quem manda ainda são o preço, a cor e a forma do trabalho'', explica.

Num trabalho delicado e cuidadoso de jóias feitas com madeiras, o designer catalão Pepe Torras, que mora no Brasil há 40 anos, modula uma única peça com, no mínimo, seis espécies de madeira brasileira. O que mais o encantou, além das opções, foram as cores. ''A combinação da madeira é algo que satisfaz a meus clientes e a mim. Tento agregar um valor à madeira'', diz. Pepe leva mais de duas semanas para fazer uma única peça.

Quando chegou ao Brasil, em plena efervescência dos anos 60, o catalão Pepe Torras não imaginou que se tornaria especialista na transformação de uma das maiores riquezas brasileiras - a madeira - em jóia. Inspirado e cuidadoso, o artista lido com pequenas aparas de madeiras provenientes de área de reflorestamento e, a partir delas, modela verdadeiras obras de arte.

Anéis, brincos, berloques, colares e pulseiras - peças únicas caracterizadas pela originalidade, plasticidade e também pela sensibilidade de um profissional formado pela Escola de Belas Artes Massana de Barcelona e pela Escola de Artes e Ofícios de Barcelona; numa época em que era comum cruzar com artistas como Salvador Dalí e Antoni Tápies pelos corredores.

A trajetória de criação de Pepe Torras, que acabou por escolher o Brasil como residência, inclui o uso de metais e pedras preciosas, principalmente diamantes e gemas brasileiras, ao lado de materiais tão diversos como cristal, pele de elefante e madeira. Esta última foi surgindo aos poucos como um capítulo à parte na vida do artista. Virou paixão. Fascínio que revela um expressivo processo de amadurecimento.

Suas criações até hoje são inspiradas por imagens da infância e referências das ruas de sua cidade natal. Sua mais nova coleção recria em anéis, pulseiras e pendentes, as grades, portões e formas desenhadas por Gaudí, um dos vários arquitetos que deixaram obras eternas em Barcelona.

Ainda garoto, brincava na marcenaria de um tio e se deixava encantar pelo trabalho com a madeira. O tempo avançou, deixando a lembrança viva e o tato apurado para tratá-la como matéria preciosa. No princípio, Pepe Torras lançava mão de um único tipo de madeira. Era o tempo de o jacarandá entrar na composição de jóias. Impressionado com a complexidade da matéria-prima trabalhada, o artista, em seguida, partiu para a combinação de várias outras madeiras num tratamento tipicamente linear. Como quem pinta um quadro ou labuta até encontrar a forma da escultura. Ou como quem rascunha linhas para reuní-las em livro, o artista faz da madeira sua tela, seu papel, seu campo de trabalho.

Sempre trabalhando a madeira brasileira, recentemente Pepe buscou referências na "marqueterie" mourisca e ousou criar com os mosaicos, que garantem eterno movimento às peças. Como cata-ventos, eles seduzem já no primeiro olhar e convidam para uma visita a este especial universo do artista espanhol-brasileiro que homenageia o Brasil toda vez que toma um pedacinho de madeira para fazê-lo jóia.

Pulseira e brincos em ouro amarelo, diamantes e madeiras: Jacarandá, Muirapiranga, Roxinho, Arararcanga, Cumaru, Muiracatiara, Pau-Santo

Seu trabalho recebeu diversos títulos e premiações como o Grande Prêmio do Concurso Diamantes Hoje da "De Beers" e concurso Diamonds International Awards, em Nova York, e foi tema de exposições em Londres, Suiça, Portugal, Barcelona, Beirute e nas principais capitais brasileiras ao longo das últimas três décadas. "O trabalho com a madeira exige mais do que aquele realizado com metais. Delicada, não aceita soldas ou consertos. Interage com o designer e muitas vezes surpreende" diz Pepe Torras.

Pesquisa

O Ibama criou o laboratório de produtos florestais, que pesquisa métodos de secagem e diferentes aproveitamentos para madeiras da Amazônia. Cada espécie exige um tempo diferente de estufa para não empenar depois de virar um armário ou um piso. Como achar esse ponto demora um pouco, a indústria moveleira tende a se concentrar em um número reduzido de espécies. Agora, o Senai e o Sebrae já começaram a trabalhar com a divulgação e a promoção dessas madeiras alternativas em seus cursos técnicos.

Das cerca de 5 mil espécies da Amazônia, pelo menos 300 podem ser qualificadas como madeiras nobres. Suas cores e texturas vão bem além do que é conhecido pelo grande público consumidor hoje.



Fonte: Elaborada pela Equipe Jornalística da Revista da Madeira.