Salvar o planeta da crise climática já tem um preço: cerca de 2% do PIB mundial. O número é do IPCC, o painel do clima das Nações Unidas, que apresentou em Bancoc, Tailândia, a terceira e última parte de seu Quarto Relatório de Avaliação. O texto, cujo sumário executivo é dirigido aos formuladores de políticas públicas, trata da mitigação do efeito estufa.
Ainda não se sabe quanto o custo pode representar em dólares. O valor do PIB mundial é de US$ 44,6 trilhões (medido em 2005), mas não é possível estimar quanto será em 2030, ano de referência com que o IPCC trabalhou. Hoje, 2% desse valor são US$ 892 bilhões, mais de 80% do PIB do Brasil.
Embora não recomende aos governos que caminho tomar, o relatório apresenta três futuros possíveis para a humanidade, na forma de três cenários de redução de emissões de gases de efeito estufa, em especial o dióxido de carbono (CO2).
No mais otimista, a concentração de CO2 na atmosfera é limitada a 450 ppm (partes por milhão) - o dobro do que havia no ar antes da Revolução Industrial. No mais pessimista, ela fica em 650 ppm. "Se você mirar em uma estabilização de 450 ppm, consegue evitar que a temperatura suba 2 ºC, o que causaria uma mudança climática perigosa. Mas vai ser um pouco mais caro: cerca de 2% do PIB mundial", observa Mohan Munasinghe, vice-presidente do IPCC. O relatório fala em "menos de 3%". Para 550 ppm é menos de 1%, e para 650 ppm é algo desprezível [cerca de 0,2% do PIB]. Este último cenário colocaria o planeta no rumo de um aumento de 4 ºC na temperatura em 2100, com os efeitos catastróficos decorrentes disso --secas, cheias, furacões e fome. Há tecnologias existentes e conhecidas para estabilizar em 450 ppm a 550 ppm, mas elas implicam em um custo significativo. O que falta é vontade política.
Entre essas tecnologias, uma interessa especialmente ao Brasil: os biocombustíveis. O IPCC traz uma boa notícia para agricultores brasileiros. Somados, todos os biocombustíveis --em especial o etanol de cana-- poderão ocupar de 3% a 10% da matriz do setor de transportes em 2030. Isso significa reduzir até 1,5 bilhão de toneladas anuais de gás carbônico, pagando menos de US$ 25 por tonelada cortada. "Eles foram destacados no sumário executivo como uma das tecnologias de mitigação já disponíveis no mercado com os maiores potenciais de mitigação no setor de transporte", disse Suzana Kahn Ribeiro, professora da Coppe (Coordenação dos Programas de Pós-Graduação em Engenharia) da UFRJ e autora do capítulo de transportes do relatório.
Não só no setor de transportes: o IPCC também os considera uma boa alternativa para gerar de energia até mesmo no setor florestal --com o álcool de celulose, um combustível produzido a partir de restos de madeira e serragem (ainda em escala piloto, fora do mercado).
Menção honrosa
Esta é a segunda menção favorável do IPCC a estratégias de mitigação do clima propostas pelo Brasil. A outra foi o reconhecimento do potencial do setor florestal e da redução do desmatamento, um bandeira levantada pelo país, como ferramenta de mitigação que pode ser usada já a baixo custo.
O álcool de cana ganha destaque no texto do capítulo de transportes (fora do sumário executivo), que aponta suas vantagens em relação a outros tipos de etanol, como o de milho. A principal vantagem é a proporção de matéria-prima que vira combustível, que é maior para a cana. Mesmo destacando os biocombustíveis, o IPCC teve o cuidado de não superestimar o potencial dessa tecnologia no texto destinado aos tomadores de decisão, por duas razões. Primeiro, existe uma controvérsia em torno da chamada "síndrome de Fidel Castro", ou seja, a limitação da agricultura energética devido a uma competição com a agricultura para alimentos. Isso já são um fato com o milho e alimentos derivados de milho nos EUA e México. Por não haver consenso a respeito, pouco pode ser afirmado, principalmente no sumário executivo.
A outra é a absoluta falta de dados sobre o potencial de expansão dos biocombustíveis. No Brasil, um grande produtor de cana, há apenas "um ou dois" estudos estimando limites para o aumento a produção de álcool.
Setores inteiros, como o de transporte público e veículos pesados, acabaram ficando de fora da análise também por falta de referências científicas. Pode ser até que o real potencial do álcool e do biodiesel esteja subestimado. Solução para o clima acirra conflito entre ricos e pobres.
À medida que o mundo se aproxima de um acordo eficaz para combater a mudança climática, o conflito político entre países ricos e pobres tende a se acentuar. O IPCC, o agora célebre painel do clima das Nações Unidas, faz agora os ajustes finais na terceira e últimos parte de seu Quarto Relatório de avaliação, o AR4. Nesta etapa, em que é debatida a mitigação do aquecimento global por meio da redução das emissões dos gases do efeito estufa, o confronto ficou mais evidente.
Problema e solução
O fato de os países pobres deterem o maior potencial de redução de emissões é uma fonte de conflito, mas pode também ser parte da solução. Mesmo sem adotar metas obrigatórias, eles poderiam colaborar oferecendo aos ricos seus baixos custos de implantação de novas tecnologias, mais limpas. "Pode-se pensar num regime internacional no qual as reduções se façam mais em países em desenvolvimento. Assim teríamos países ricos fazendo reduções na China em vez de a China reduzir emissões", diz Roberto Schaeffer, da Coppe (Coordenação dos Programas de Pós-Graduação em Engenharia) da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Outra opção seria adotar metas de redução para classes média e alta de países como o Brasil, mas sem prejudicar a população pobre que não consome energia por falta de dinheiro.
O debate sobre como estabelecer responsabilidades e metas é intenso., O IPCC já recebeu mais de mil comentários e observações. Eles vão desde exigências da China para que o texto expresse sempre as emissões per capita (os chineses são o segundo maior poluidor mundial, mas como o país é pobre, cada um de seus habitantes emite muitíssimo menos que um americano médio, por exemplo) até propostas para que se incluam vacinas especiais que diminuam o metano emitido pelo arroto das vacas como medida de combate ao efeito estufa.
Entre as principais ações capazes de mitigar as emissões de carbono mencionadas pelo IPCC estão as medidas de eficiência energética. São estratégias --muitas vezes simples - para otimizar transportes (carros que bebem menos) e edificações (lâmpadas e eletrodomésticos econômicos). Muita coisa sai de graça, pois economizar energia poupa dinheiro. "Em todos os setores da economia você pode fazer as coisas de forma mais eficiente", diz Schaeffer. Mas há limites para aproveitar esse potencial. O peso da energia no custo de alguns setores é baixo, e no setor residencial as pessoas não são movidas apenas por eficiência ou dinheiro. Há barreiras não-econômicas [como o design dos produtos] que ditam as escolhas dos consumidores. Uma das medidas que o novo relatório do IPCC pode inspirar é a adoção obrigatória de índices mínimos de eficiência energética para eletrodomésticos.
Poucos duvidam de que a temperatura da Terra esteja subindo. O último século foi o mais quente do milênio. E a última década, a mais tórrida em 100 anos. Uma das causas mais importantes do aquecimento global é o chamado efeito estufa.
A solução está na floresta
Diminuir o desmatamento de florestas tropicais pode ser a maneira mais barata para reduzir os gases de efeito estufa e estabilizar o aquecimento global, de acordo com artigo escrito por um grupo internacional de cientistas
Segundo o texto, se as taxas de desmatamento forem reduzidas pela metade até 2050 e mantiverem o nível até 2100 será possível eliminar 50 bilhões de toneladas de carbono, o que equivale a mais de 10% dos cortes necessários para manter as concentrações atmosféricas de dióxido de carbono em 450 partes por milhão (ppm).
Uma concentração maior do que essa, de acordo com o Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC, na sigla em inglês), levaria o aquecimento para uma margem acima de 2ºC, causando uma catástrofe ambiental em escala global.
No artigo, os pesquisadores utilizaram dados reunidos pelo IPCC para avaliar o projeto RED - Reduzindo Emissões do Desmatamento, lançado pelas Nações Unidas para investigar durante dois anos políticas e incentivos que os países em desenvolvimento possam adotar de modo a frear o desmatamento de florestas tropicais.
Os pesquisadores lembram que o desmatamento de florestas tropicais causou cerca de 20% das emissões de gases estufa de origem humana na década de 1990. Além disso, com o desmatamento, perde-se a capacidade de seqüestro de carbono, o que aumentaria ainda mais as concentrações atmosféricas.
Para um dos autores do artigo, Carlos Nobre, pesquisador do CPTEC - Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos do Inpe - Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, o texto resume o que tem sido afirmado nos últimos anos pelos cientistas que estudam mudanças climáticas. É evidente que a solução de longo prazo é a descarbonização. Mas, no intervalo das próximas décadas, a redução de emissões tem que ser considerada.
Benefícios podem ser maiores. O artigo, assinado também por cientistas da Austrália, do Canadá, dos Estados Unidos, da França e do Reino Unido, ressalta que é possível reduzir as emissões sem impacto econômico. Ocorre o contrário, pois há ganho econômico para todo o sistema se houver melhor utilização das florestas tropicais.
O RED deverá fazer progressos, uma vez que vários países em desenvolvimento com vastas áreas florestais procuraram o projeto e alguns começaram a reduzir o desmatamento com dois tipos de projeto de baixo custo: redução de queimadas acidentais e redução do desmatamento em áreas que não serão utilizadas para agricultura.
É evidente, no entanto, que os países ricos também precisam fazer parte da solução. Segundo ele, não seria possível que os países em desenvolvimento realizassem a redução do desmatamento sem nenhum apoio financeiro. Isso tem que ser visto como um esforço mundial e parte das reduções precisam ser financiados pelos países ricos.
O preço do carbono no mercado é suficiente para justificar a redução do desmatamento como alternativa econômica viável. Falta agora incluir na Convenção do Clima esse mecanismo de incentivo para redução do desmatamento. Os investimentos externos seriam muito importantes para buscar um novo modelo de desenvolvimento sustentável para a Amazônia.
Os cálculos apresentados no artigo incluem apenas a redução do carbono causada pelas emissões, deixando de lado a diminuição que seria garantida pelo seqüestro de carbono realizado pelas florestas, caso elas sejam menos desmatadas. Isso significa que os benefícios de uma redução de 50% no desmatamento até 2050 podem ser ainda maiores que a eliminação de 50 bilhões de toneladas de carbono.
“Não temos, ainda, números confiáveis para determinar o potencial do sumidouro de carbono das florestas que seriam poupadas com a redução do desmatamento, por isso não os incluímos no cálculo. Mas, qualitativamente, podemos afirmar que haveria ainda essa redução de carbono”, disse.
A análise ressalta que, durante a década de 1990, o desmatamento tropical foi responsável por lançar na atmosfera cerca de 1,5 bilhões de toneladas de carbono anualmente – o equivalente a 20% das emissões antropogênicas de gases causadores do efeito estufa.
Sem a implementação de políticas efetivas para redução do desmatamento, dizem os cientistas, a destruição das florestas tropicais deverá lançar uma quantidade adicional de 87 bilhões a 130 bilhões de toneladas de carbono até 2100 – o equivalente à emissão de carbono de mais de uma década das emissões globais atuais causadas por combustíveis fósseis.
Frear o desmatamento tropical tem, portanto, potencial para contribuir substancialmente para as reduções globais de emissões de carbono e é provável que as florestas tropicais persistam com as inevitáveis mudanças climáticas das próximas décadas. Por isso, concluem os cientistas, o programa Reduzindo Emissões do Desmatamento pode ter uma importante contribuição para a diminuição do aquecimento global.
Fonte: Elaborada pela Equipe Jornalística da Revista da Madeira. |