O maior desafio, tanto para o setor privado como para o governo, é mudar o paradigma que orienta as políticas públicas e os investimentos privados. As florestas têm sido vistas como obstáculos ao desenvolvimento ao invés de oportunidades. Em conseqüência, as políticas públicas têm priorizado a expansão da fronteira agrícola em detrimento da cobertura florestal. Para mudar este paradigma, é necessário não apenas introduzir novos instrumentos, como também modificar os sistemas existentes de regulamentação a fim de simplificar os procedimentos e assegurar uma fiscalização mais eficaz.
Um pré-requisito para o sucesso de qualquer abordagem nova é tratar do problema da posse indefinida e insegura da terra através da designação de florestas públicas e outras medidas para diminuir o risco dos investimentos de longo prazo na produção florestal.
A certificação se disseminou rapidamente pelo Brasil, tornando-se um importante catalisador para mudanças no manejo de florestas. Com a formação de um grupo de compradores, parece que a demanda de madeira certificada está ultrapassando a oferta. Além do mais, as florestas plantadas fora da região amazônica ainda constituem a maior parte das florestas certificadas no Brasil. Há uma necessidade urgente de se ampliar a área de florestas certificadas, particularmente nas florestas nativas na Amazônia.
A maior barreira para a obtenção de certificação por parte dos produtores é demonstrar que estão em dia com toda a legislação pertinente para o manejo florestal, as obrigações trabalhistas e de saúde e segurança, pois estes são pré-requisitos para a certificação. Desta forma, as medidas para melhorar a regulamentação terão um efeito positivo na certificação.
Outras ações que estimulariam a ampliação da certificação incluem a simplificação das exigências burocráticas (avaliação dos inventários, planos de corte) para aqueles já certificados, a criação de linhas de crédito oficiais tendo a certificação como condicionante de acesso ao crédito e a pesquisa sobre a utilização de novas espécies arbóreas.
Um dos serviços ambientais mais importantes prestados pelas florestas é a proteção de bacias hidrográficas, mas isto muitas vezes não é recompensado financeiramente. Uma abordagem inovadora foi adotada para a bacia do rio Piracicaba, para tornar explícito o elo entre o manejo florestal e o abastecimento de água. Neste sistema, 1% de todas as rendas da água é alocado ao reflorestamento e à educação ambiental. Isto é só um começo e é preciso fazer mais como, por exemplo, pagar os fazendeiros pelo custo de oportunidade da terra usada para o reflorestamento. No entanto, demonstra de que forma podem ser desenvolvidos instrumentos inovadores de políticas públicas para os serviços ambientais das florestas.
Isto é importante para a região amazônica, pois muitas das suas bacias hidrográficas foram bastante desmatadas. A prioridade mais premente para a implementação de instrumentos como este na Amazônia é nas bacias com alto consumo de água e elevada turbidez, tendo conseqüentemente altos custos de tratamento da água. O primeiro passo para a implementação deste instrumento deveria ser a elaboração de um Plano Diretor, identificando áreas prioritárias para a restauração e conservação da cobertura florestal. Isto deverá ser acompanhado pela criação de um marco jurídico adequado e pela conscientização dos tomadores de decisões.
Parcerias
Tradicionalmente, as interações entre comunidades e o setor privado nas regiões florestais foram caracterizadas por relacionamentos comerciais injustos e esquemas insustentáveis de exploração de recursos. A posse de terras e recursos são fatores determinantes desse processo, como mostram os diversos exemplos na Mata Atlântica, onde as comunidades têm pouco poder de negociação devido à falta de direitos à terra e informações sobre o mercado de seus produtos. Por sua vez, a capacidade para obter estes direitos depende do empoderamento das comunidades, através de sua organização social e alianças com movimentos sociais.
No entanto, existem alguns exemplos de arranjos que envolvem verdadeiras parcerias, onde são criados incentivos para o manejo sustentável de florestas e as comunidades são beneficiadas. Através dos esforços do Pólo de Indústrias Florestais do Xapuri, Acre, foram estabelecidas parcerias de sucesso entre comunidades rurais e empresas privadas para a fabricação de produtos usando castanha-do-pará, borracha e madeira. Mas, ao contrário das comunidades na Mata Atlântica, as comunidades no Acre detêm bastante poder, com direitos de posse da terra bem definidos e instituições sociais robustas. Isto aumenta a probabilidade de existirem parcerias sustentáveis e eqüitativas com o setor privado.
Em muitos casos, as parcerias com empresas privadas podem abrir um caminho para o desenvolvimento comunitário desde que existam as condições institucionais e políticas necessárias. A assistência técnica e os serviços de apoio para as comunidades durante a negociação de contratos a longo prazo é crucial.
O Brasil tem uma rica experiência no uso de incentivos fiscais para promover o reflorestamento. Durante muitos anos, o governo federal ofereceu incentivos fiscais generosos para as empresas privadas que quisessem estabelecer plantações. Embora tenha sido eficaz para aumentar a área plantada, provou ser muito dispendioso e também de difícil monitoramento. Por esta razão, os programas de promoção de reflorestamento entre pequenos e médios agricultores, operados a nível estadual, poderiam ser uma alternativa prometedora.
Os programas estaduais em Minas Gerais e no Paraná foram eficazes para ampliar a área reflorestada em propriedades pequenas e médias para fins produtivos e de conservação. Também conseguiram melhores resultados em termos de área reflorestada do que algumas associações de reflorestamento. Mas, até certo ponto, isto reflete as diferenças em recursos financeiros, pois tanto em Minas como no Paraná, a renda das taxas de reposição florestal foi suplementada por outros fundos estaduais. A experiência das associações de reflorestamento em São Paulo mostra que é possível envolver organizações da sociedade civil na restauração da base florestal produtiva, mas esta não deverá ser a única abordagem usada por um governo estadual para promover o reflorestamento.
Todos os esquemas estaduais têm a necessidade comum de apoiar os pequenos produtores após a fase do plantio, especialmente com relação à comercialização. Isto implica em maior coordenação com as companhias que consomem madeira para entender suas necessidades. Também é preciso dar mais atenção ao reflorestamento com espécies nativas.
Seqüestro de Carbono
As florestas fornecem um serviço ambiental importante na medida em que armazenam e seqüestram carbono da atmosfera e, assim, ajudam a mitigar os processos de mudança climática global. Até recentemente, este serviço não tinha nenhum valor de mercado.
Uma das oportunidades principais para financiar as atividades de manejo florestal do setor privado que emergiu recentemente é o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL). Este está associado às atividades “adicionais” para seqüestrar carbono em florestas, através de mudanças no uso da terra. A possibilidade de comercializar créditos de carbono de projetos florestais ajudará a melhorar sua viabilidade financeira e, assim, enfrentar um dos principais obstáculos ao desenvolvimento do setor florestal: as baixas taxas de retorno.
Atualmente, existem vários projetos piloto de seqüestro de carbono no Brasil, baseados principalmente na mudança do uso da terra e no reflorestamento.
Existem três projetos que se destacam:
O projeto de reflorestamento para o seqüestro de carbono, operado pelo Departamento Nacional de Florestas da França, em nome da Peugeot- Citroën, no Nordeste do Mato Grosso.
O projeto de Ação contra o Aquecimento Global, desenvolvido pela
Sociedade de Proteção à Vida Silvestre (SPVS) em Guaraqueçaba, PR, com recursos da empresa Central and Southwest Corp.
O projeto de seqüestro de carbono da Ilha do Bananal no Estado de Tocantins, coordenado pela ONG Ecológica com verba da fundação britânica AES-Barry.
Estes três projetos de seqüestro de carbono, que envolvem um investimento total de mais de US$18 milhões, incluem atividades de reflorestamento, bem como atividades para evitar emissões através da proteção de florestas naturais.
Também incorporam atividades tais como a promoção de atividades geradoras de renda e participação em processos de planejamento de projeto, com o intuito de oferecer benefícios às comunidades do entorno. Estes projetos mostram como as questões de demonstração de adicionalidade e de contribuição para o desenvolvimento sustentável a nível local podem ser tratadas na prática.
Um desafio crucial para o futuro é considerar o seqüestro de carbono dentro do contexto mais amplo de serviços ambientais. Em particular, deve-se dar atenção à restauração de matas ciliares, que combinam a proteção de bacias com serviços de seqüestro de carbono.
ICMS Ecológico
O ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) Ecológico é um caso concreto de instrumento de política pública inovador que está obtendo sucesso. Foi introduzido pela primeira vez no Paraná em 1991 e, desde então, se disseminou para outros estados do Brasil. Trata da inclusão de um critério ecológico em paralelo com critérios tradicionais usados para distribuir o ICMS arrecadado entre os municípios.
No Paraná, o ICMS ecológico representa 5% do ICMS e é dividido entre os municípios com áreas de proteção de bacias e unidades de conservação. Em
Minas Gerais e São Paulo, a porcentagem alocada ao meio ambiente é muito mais baixa (em Minas é 1%, dividido entre saneamento e unidades de conservação, e em São Paulo é de 0,5% para unidades de conservação). Mesmo assim, os montantes destas transferências são significativos, resultando, em vários casos, no aumento substancial do orçamento municipal.
Conseqüentemente, as autoridades locais beneficiadas estão apreciando a importância da conservação para a economia local. Isto levou à criação de novas unidades de conservação bem como à designação de Áreas de Proteção Ambiental (APAs). Também criou uma nova atitude da parte do setor privado, levando a um aumento substancial na área de reservas naturais privadas (RPPNs).
Existe um potencial considerável para introduzir este instrumento em outros estados. A questão crucial será assegurar que o critério ecológico se aplique tanto à extensão da unidade de conservação como à qualidade do seu manejo.
No Paraná, os critérios de alocação têm duas dimensões: o enfoque quantitativo na unidade de conservação e o enfoque qualitativo, levando em conta fatores tais como os esforços feitos com relação ao planejamento, a implementação, manutenção e gestão. Outros estados até agora não colocaram a mesma ênfase na dimensão qualitativa e, em conseqüência, tem havido menos impacto no manejo de unidades de conservação.
A sociedade brasileira está se tornando cada vez mais consciente dos problemas associados com o desmatamento, a extração florestal predatória e a degradação dos recursos hídricos. Através dos meios de comunicação, a população brasileira está sendo exposta a uma quantidade de informação nunca antes vista. Essa tendência também afeta o Congresso Nacional, o qual, nos últimos dois anos, vem discutindo importantes mudanças na legislação florestal. A área florestal tem sido alvo de grande interesse público, como nunca antes presenciado.
Mais de três quartos da população brasileira vive em áreas urbanas e essa população tem enfrentado as conseqüências do aumento dos índices de degradação ambiental. Enchentes e deslizamentos de terra têm ocorrido cada vez mais freqüentemente, causando crescentes impactos no modo de vida dessa população, especialmente nas classes de baixa renda. A degradação das bacias hidrográficas acarreta problemas de fornecimento de água: um número cada vez maior de cidades está enfrentando problemas de falta de água durante a estação seca.
A cidade de São Paulo, por exemplo, terá de reduzir o consumo de água em 13% para evitar o colapso do seu sistema de abastecimento de água. O fluxo reduzido de água resultou numa grave falta de energia hidroelétrica em
2001, com um impacto significativo na taxa de crescimento da economia nacional. O governo reagiu, racionando o consumo de energia em 20% para evitar interrupções no suprimento de energia.
Programas de educação ambiental formal se tornaram obrigatórios e têm recebido grande atenção em escolas. Concomitantemente com estes programas formais, campanhas informais, a maioria iniciadas por ONGs, contribuem para chamar a atenção do público e incentivar o debate sobre a extração predatória de madeira e a degradação das bacias hidrográficas.
As conseqüências desses processos são claras: ainda em 1997, um levantamento nacional de opinião pública revelou que mais de dois terços da população não concorda que a degradação ambiental seja o preço a ser pago em favor da manutenção de empregos; desmatamentos e incêndios florestais são os problemas ambientais mais importantes para 45% da população.
O Programa Nacional de Florestas (PNF) fornece a estrutura básica de trabalho para o desenvolvimento de instrumentos específicos que promovam o manejo florestal sustentável. O programa identifica áreas que deverão ser priorizadas por programas de política pública (tanto existentes como novos) e pela cooperação internacional:
expansão das plantações florestais;
expansão e consolidação do manejo florestal nas florestas nacionais;
melhoramento e expansão do manejo de florestas naturais em áreas particulares;
aumento da eficiência de controle e de monitoramento;
apoio às populações tradicionais e às populações indígenas;
apoio à educação, ciência e tecnologia florestal;
reconhecimento e expansão dos serviços ambientais fornecidos pelas florestas;
apoio ao fortalecimento institucional;
modernização de indústrias florestais;
expansão dos mercados e da comercialização de produtos da floresta.
Fontes: Universidade de São Paulo (USP); Instituto Pró-Natura (IPN) e Associação Matogrossense de Engenheiros Florestais (AMEF). |