A logística no Brasil está passando por um período de extraordinárias mudanças. Pode-se mesmo afirmar que estamos no limiar de uma revolução, tanto em termos das práticas empresariais quanto da eficiência, qualidade e disponibilidade da infra-estrutura de transportes e comunicações, elementos fundamentais para a existência de uma logística moderna. Para as empresas que aqui operam, é um período de riscos e oportunidades. Riscos devido às enormes mudanças que precisam ser implementadas e oportunidades devido aos enormes espaços para melhorias de qualidade do serviço e aumento de produtividade, fundamentais para o aumento da competitividade empresarial.
Apesar de amplo, o movimento de mudanças é ainda recente. Até alguns anos atrás a logística era o elo perdido da modernização empresarial no Brasil. A explosão do comércio internacional, a estabilização econômica e as privatizações da infra-estrutura são os fatores que estão impulsionando este processo de mudanças.
O rápido crescimento do comércio internacional, e principalmente das importações, gerou uma enorme demanda por logística internacional, uma área para a qual o país nunca havia se preparado adequadamente tanto em termos burocráticos quanto de infra-estrutura e práticas empresariais. Por outro lado, o fim do processo inflacionário induziu a uma das mais importantes mudanças na prática da logística empresarial, ou seja, o crescente movimento de cooperação entre clientes e fornecedores na cadeia de suprimentos. Antes da estabilização econômica, as contínuas mudanças de preço causadas pela inflação criavam enormes incentivos para práticas especulativas no processo de compras, e tornava impossível qualquer tentativa de integração na cadeia de suprimentos. O processo especulativo gerava, também, enormes ineficiências na utilização de ativos, pela necessidade de dimensionar os recursos para o pico da demanda mensal, gerada pelo processo de concentração das compras no final do mês.
Com gastos equivalentes a 10% do PIB, o transporte brasileiro possui uma dependência exagerada do modal rodoviário, o segundo mais caro, atrás apenas do aéreo. Enquanto no Brasil o transporte rodoviário é responsável por 58% da carga transportada (em toneladas-km), na Austrália, EUA e China os números são 30%, 28% e 19%, respectivamente. Considerando os padrões norte-americanos, onde o custo do transporte rodoviário é três vezes e meia maior que o ferroviário, seis vezes maior que o dutoviário, e 9 vezes maior que o hidroviário, percebe-se o potencial para redução de custos se a participação do rodoviário vier a seguir os padrões internacionais, abrindo espaço para o crescimento de modais mais baratos. Considerando-se apenas as oportunidades de migração do rodoviário para o ferroviário, pode-se estimar uma economia de mais de US$ 1 bilhão por ano.
Os longos anos de estatização dos portos, ferrovias e dutos no Brasil, assim como os subsídios implícitos que existiam no passado e que ainda perduram,em menor escala, para o modal rodoviário explicam em grande parte as distorções da matriz brasileira de transportes e as enormes ineficiências ainda hoje observadas.
Residem nos portos as maiores oportunidades para redução dos custos de transporte. Segundo estudos do Banco Mundial, somente as suas ineficiências acrescentam 7% ao custo dos produtos exportados pelo país. Apenas como exemplo dos inúmeros indicadores de ineficiência, basta verificar que a produtividade de mão-de-obra portuária era, até dois anos atrás, apenas 20% da européia. Não era incomum, no Brasil, navios esperarem uma ou até duas semanas para atracar, quando o padrão internacional é de menos de 24 horas. Enquanto a produtividade dos guindastes nos portos do Rio e Santos eram respectivamente de 9 e 12 contêineres por hora, em Buenos Aires é de 22 e em Hamburgo, 28.
Há uma década, nossas ferrovias apresentavam desempenho lamentável, representado por baixa disponibilidade, serviços claudicantes e produtividade alarmante. Enquanto a produtividade média nas ferrovias norte-americanas, medida por toneladas-km por empregado, é de 8 milhões, na antiga Rede Ferroviária Federal o valor era de 1 milhão e na Fepasa de 500 mil. A baixa produtividade se reflete em custos maiores para os usuários das ferrovias no Brasil. Enquanto aqui o preço médio é de U$ 23,0 por 1.000 toneladas-km, nos EUA é de apenas US$ 16,25. Isto, apesar das enormes diferenças na qualidade de serviços, representados por alta disponibilidade, entrega rápida e confiabilidade de prazos que se observa nos EUA. A rede de dutos no Brasil é extremamente modesta (50 vezes menor) quando comparada com os EUA. Por outro lado, devido a pequena escala ainda existente, o preço cobrado é cerca de 3 vezes maior.
O processo de mudanças, entretanto, já está aparecendo. No caso da ferrovia privatizada, o tempo médio de viagem na principal rota foi reduzido de 11 para 6 dias; o nível de utilização das locomotivas subiu de 37% para 65%; o número de empregados foi reduzido de 1.800 para 900. Como conseqüência, os preços já sofreram reduções médias entre 15% e 20%.
Também nos portos começam a aparecer resultados através de substanciais reduções de preços e melhoria dos serviços. Por outro lado, pressentindo o aumento da competição por parte dos outros modais e pressionadas pela crescente exigência por qualidade de serviços por parte dos embarcadores, as transportadoras rodoviárias estão passando por um processo de modernização, que implica na adoção de sofisticadas tecnologias de informação, como roteirizadores, sistemas de rastreamento por satélite, e EDI.
Percebe-se também um grande esforço na direção da ampliação da gama de serviços oferecidos, com o objetivo de migrarem de uma visão de transportes para uma visão de operadores logísticos. Desta maneira, estão se preparando para o novo ambiente competitivo que começa a se formar no setor de transportes e logística no Brasil.
As mudanças são muitas, mas o caminho já foi estabelecido. Para as empresas brasileiras, ainda há muito espaço a conquistar. Resta continuar trabalhando na busca por maior produtividade e melhores serviços, que levarão a uma maior competitividade.
InvestimentosA Confederação Nacional do Transporte (CNT) defende que a solução para a crise aérea no país também deve incluir investimentos em todos os tipos de transportes - ferroviário rodoviário e portuário. Cerca de 75% das estradas brasileiras estão com algum problema estrutural, por exemplo. Por isso, um dos vice-presidentes da CNT, Meton Soares Júnior, avalia que se o país não tomar medidas sérias com relação ao transporte, tanto aéreo quanto terrestre e aquaviário, corre-se o risco de enfrentarmos “um apagão logístico”. “O que estamos vivendo com o caos aéreo é um problema de infra-estrutura brasileira que não é deste governo ou do governo passado. Há décadas estamos vivendo uma alucinante falta de investimento em infra-estrutura. O que está acontecendo agora é o resultado de problemas que vêm lá de trás”, disse.
Os recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) devem ser considerados como investimentos iniciais para o setor, mas não são necessários para resolver o problema de infra-estrutura do país. O caos é sério nas rodovias, o caos é sério no sistema portuário. Precisamos de muito investimento para recuperar esse tempo perdido que há décadas estamos vivendo.
Não adianta querer resolver o problema saindo do avião e indo para a estrada, que você vai enfrentar problemas seriíssimos. Se sair do sistema aeroviário e procurar o ferroviário, também. Não tem solução porque não houve investimento, investimento em equipamentos modernos, que dêem segurança, que permitam ter aeroportos, não apenas bonitos, com boas salas de espera, mas, principalmente, aeroportos que ofereçam total e absoluta segurança, afirma.
O diretor da Associação Brasileira de Agências de Viagens (Abav), Leonel Rossi, defende a reestruturação de duas instituições que cuidam do setor aéreo - a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e da Empresa Brasileira de Infra-Estrutura Aeroportuária (Infraero).
Planejamento
O desenvolvimento de pesquisas, estudos e projetos que promovam a integração dos sistemas de transportes é necessário para desonerar o escoamento da produção no menor tempo e com o menor custo. A meta é ganhar eficiência, realizando mais com menos e investindo em ações que custam pouco e apresentam resultados em pouco tempo.
De acordo com estudo do professor Paulo Fernando Fleury diretor do Centro de Estudos em Logística da COPPEAD, e Keiji Kanashiro - especialista em Transportes e Logística, outra das questões é garantir recursos, vinculados ou não, para os investimentos em transportes. O exemplo do que ocorriam antes da Constituição Federal de 1988, quando ainda vigia o Fundo Rodoviário Nacional, os estados conseguiram por meio de fundos de essa natureza recuperar rodovias e construir sistemas de integração de transportes capazes de reduzir consideravelmente o custo da distribuição de insumos e do escoamento da produção.
Isso sem falar que os investimentos na infra-estrutura de transportes são recuperáveis em médio prazo apenas com a redução do Custo Brasil, representado pelo consumo de energia para transportar produtos por rotas muito dispendiosas.
Outra questão de igual importância é o resgate da dívida social nas regiões onde se localizam os bolsões de pobreza e fome no País, tendo ciência do papel da infra-estrutura para gerar empregos e melhorar a distribuição de renda das comunidades. A preocupação maior foi melhorar a acessibilidade e incentivar a inserção dessas regiões, firmando pólos de desenvolvimento regional. Na gestão, não podemos prescindir de incorporar todas as ferramentas tecnológicas disponíveis, para dar mais eficácia e eficiência ao planejamento, operação e controle da infra-estrutura de transportes.
Para saber o que fazer é preciso conhecer a realidade e ter apontado os caminhos para se atingir os cenários que se pretende. Por isso, a importância de retomar o planejamento, sob bases participativas, incluindo no debate todos os setores interessados, dos usuários e concessionários aos grandes empreiteiros de obras públicas.
Essa interação torna possível diagnosticar obras e ações necessárias e montar realisticamente um portfólio de prioridades. O diálogo tem um papel fundamental, pois mais importante do que um bom planejamento é a forma como se faz. Por meio dele, erra-se menos e caso haja erros, a responsabilidade é compartida.
O Brasil precisa urgentemente resgatar a forma de planejar em longo prazo, centrada nos interesses maiores da Nação. Ao mesmo tempo, honrar os compromissos firmados com a sociedade, traçando uma política de transportes federal onde prevaleça à inclusão e a definição clara das funções dos diversos atores intervenientes no processo, seja eles do setor público ou privado.
Para se ter uma idéia, o investimento em infra-estrutura que na década de 70 chegou a representar 2% do Produto Interno Bruto, hoje é dez vezes menor.
Guerra logística
Na sociedade brasileira convivem atores com interesses que vão do lucro ao equilíbrio de contas, dos princípios ideológicos e políticos até os ambientais. Eles travam um xadrez que usa como tabuleiro o espaço público.
Cada ator busca alcançar seus objetivos, o que pode gerar conflito com outro ator e com a sociedade. Esse jogo de inteligências requer arbitragem em prol do interesse público, porque está instalada uma disputa pela logística de transportes.
A "guerra" logística coloca lado a lado ou em lados opostos corporações carentes de transporte, multinacionais e estados e municípios, que querem melhorar suas contas públicas ou defender suas bandeiras. Os interesses são legítimos; os pleitos, nem sempre; e a forma de fazer requer ampliação da consciência corporativa/institucional para preocupações macrossociais.
Ao iniciar uma "guerra" - por um berço de porto, por pedágio mais barato, por um pedaço da malha ferroviária ou por uma obra rodoviária -, esses atores se lançam, amparados por empresários, políticos e setores sociais, em uma empreitada míope, que não resulta em sustentabilidade para o país.
A infra-estrutura de transportes é pressuposto e condição indispensável para assegurar o crescimento econômico. Essa tese, compartilhada por setores de expressão na sociedade, aponta a necessidade de investimentos para fazer frente a um "paradão" no país, capaz de deixar produtos encalhados a meio caminho dos portos ou das mesas brasileiras.
O meio ambiente e a infra-estrutura protagonizam um conflito na Amazônia, em função da proposta de uma rede de transportes para atender demandas econômicas e de desenvolvimento regional. Para o caso, há que se assegurar o desenvolvimento com marcos regulatórios e políticas, tendo por foco a geração de empregos e a proteção ambiental. Com isso, garante-se que o transporte não seja um fim em si mesmo, mas uma forma de levar democracia e cidadania, considerando peculiaridades e potenciais da região.
A "guerra" logística se estende à discussão sobre estadualização e municipalização de portos, à divisão da malha ferroviária e até mesmo à utilização do potencial hidroviário brasileiro.
Há portos cuja atividade e utilidade serve a interesses localizados, por isso a gestão pode e deve ser descentralizada. Porém, os de caráter estratégico devem ser tratados com enfoque nacional. Isso não significa que a União retomará o papel de "grande pai" da infra-estrutura, mas deverá ser o fiel da balança no processo.
Não há milagre para resolver os problemas da infra-estrutura de transportes. Há 170 milhões de cidadãos (ou seus descendentes) que vão receber em um dado momento à conta positiva ou negativa das ações dos atores que interferem no desenvolvimento logístico.
Fonte: Elaborada pela Equipe Jornalística da Revista da Madeira. |