Após duas décadas de altos e baixos, a construção civil está encontrando saídas para crescer. Na habitação, a fórmula foi a combinação de leis modernas com maior oferta de crédito, chegada de investidores estrangeiros e, recentemente, queda dos juros. O segmento voltado para obras de infra-estrutura aguarda mudanças de marco regulatório para atrair investimentos, mas teve um estímulo em janeiro com o anúncio do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e seus R$ 504 bilhões de investimentos públicos e privados de 2007 a 2010. Se saírem do papel, os recursos do PAC podem aquecer ainda mais o setor.
Esses movimentos podem levar ao crescimento de 6,6% da construção civil em 2007, segundo projeção do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), ligado ao Ministério do Planejamento. O setor deve encabeçar a expansão geral da indústria neste ano, estimada em 4,8%. No ano passado, o crescimento da construção ficou atrás somente da indústria extrativa mineral (petróleo, minério de ferro). O restante da economia pode se beneficiar com o desempenho favorável, pois a construção responde por 61% do total da taxa de investimento. Parte das obras, especialmente aquelas em infra-estrutura, amplia a capacidade de o País crescer sem pressões inflacionárias.
E nesta corrente positiva muitos segmentos como o de produtos de madeira e móveis também estão sendo beneficiados.
O presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), Paulo Safady Simão, diz que o segmento imobiliário já possui as bases para se expandir de maneira sustentada. O que falta para o mercado de imóveis, segundo ele, é o aumento de renda da população e maior redução da taxa de juros. Na infra-estrutura, o PAC indica as principais obras necessárias que devem receber investimentos. Mas não se trata de um plano definitivo para desenvolver o Brasil. “É uma transição enquanto o governo não enfrenta as reformas previdenciária, tributária, trabalhista e política, que nos colocarão na rota do desenvolvimento”.
O bom momento da construção civil tem raízes em alterações de regras e leis para imóveis a partir de 2004. Com maior respaldo jurídico, as instituições financeiras puderam apostar em crédito imobiliário. Foi criado o instrumento do “patrimônio de afetação”, no qual são separadas as contas da construtora e da obra em si. Assim, acaba o risco de casos como a Encol, que entrou em colapso em 1997. Agora, se uma construtora falir, os clientes estarão protegidos. Além disso, foi regulamentada a “alienação fiduciária”, que permite aos bancos ter o imóvel como garantia real de uma operação. Como nos empréstimos de veículos, o imóvel fica em nome do banco até a quitação do crédito.
“Criou-se um marco regulatório que deu segurança aos investidores e a quem compra”, nota Romeu Chap Chap, presidente do Secovi-SP, o sindicato que reúne as empresas do setor em São Paulo. Ele ressalta o benefício da redução de tributos de materiais de construção, parte da MP do Bem, e a isenção de Imposto de Renda sobre o lucro com imóveis vendidos para quem comprar outro rapidamente.
Em 2006, as instituições privadas estrangeiras entraram firme no segmento. Houve aumento da competição por clientes, e os juros baixaram.
Até o Banco do Brasil se viu obrigado a ingressar nesse mercado para fidelizar clientes, pois eles começaram a mudar de instituição. “Os bancos querem expandir as suas bases de clientes. Primeiro, eles usaram o microcrédito, e depois foi o crédito consignado. Agora é o imobiliário”, diz o superintendente da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip), José Pereira Gonçalves.
Segundo ele, os bancos alteraram suas estratégias no segmento imobiliário. Até 2002, financiavam 50% do valor do imóvel, com prazos entre 8 e 10 anos. Hoje, após os estímulos trazidos com o novo marco regulatório e juros menores, as operações cobrem 70% do valor do imóvel e podem ir até 20 anos. Os juros médios ficam de 11% a 12% ao ano, podendo cair a 10% nos imóveis de até R$ 150 mil. Nos últimos meses, uma novidade são os empréstimos com taxas prefixadas (em torno de 14% ao ano).
É sinal de que os bancos trabalham com um quadro de estabilidade e juros em queda.
O governo também criou regras para forçar os bancos a emprestar mais da caderneta de poupança. O resultado foi o salto no uso do dinheiro da caderneta que passou de R$ 2 bilhões em 2003 para R$ 9,5 bilhões no ano passado. Essa é a principal fonte de crédito habitacional. A previsão para 2007 é de R$ 11 bilhões, sem contar os R$ 6,9 bilhões de recursos subsidiados pelo governo a famílias de baixa renda.
Espaço para crescer
Apesar dos números positivos, o crédito imobiliário do Brasil está distante dos volumes alcançados em outros países. O estoque de empréstimos (sem contar operações subsidiadas) soma R$ 36,7 bilhões, equivalente a 1,7% do Produto Interno Bruto (PIB). A Holanda tem uma relação de 111% do PIB, os Estados Unidos 72,5%, Espanha 46%, Chile 13% e México 9%. Os números baixos no Brasil refletem os tempos de inflação e a última década com os juros altos para estabilizar a economia.
Nos anos 1980, eram financiadas 500 mil moradias por ano. O total caiu para 50 mil nos anos 1990 e 30 mil depois do ano 2000. Agora volta a superar 100 mil. Os bancos públicos, sobretudo Caixa Econômica Federal, detêm 73% do crédito imobiliários.
O Brasil recebeu R$ 5 bilhões nos últimos dois anos de aplicações externas no setor imobiliário, sendo R$ 3 bilhões em lançamentos de ações na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa). Entre 2002 e 2003, as empresas do setor tiveram investimentos decrescentes e abaixo de US$ 200 milhões, mas em 2005, foram de US$ 297 milhões.
O aquecimento da construção beneficia setores da indústria de transformação que trabalham diretamente com matéria-prima do setor, incluindo ai o segmento de produtos de madeira.
Segundo o vice-presidente do Instituto Brasileiro de Siderurgia (IBS), Marco Polo de Mello Lopes, as vendas de aço longo cresceram 11% em 2006 no mercado interno, mas na verdade foi à compensação da queda de 10,7% em 2005. A estimativa para 2007 é de um crescimento de 3,7%. “A construção é fundamental para o setor, mas andou de lado nos últimos anos. Houve uma melhoria que ainda está aquém do necessário”, diz ele, acrescentando que o PAC pode ser um estímulo para as vendas de aço. “O programa prevê investimentos em setores de consumo intensivo de aço como saneamento básico e energia”.
O que preocupa as siderúrgicas é estagnação do consumo per capita de aço no Brasil. Há 26 anos, está em 100 kg ao ano, abaixo dos 500 kg da Espanha e dos 800 kg nos países asiáticos. “No ritmo atual de crescimento da economia brasileira, de 3% ao ano, precisaremos de 39 anos para alcançar o consumo dos espanhóis”, observa Marco Polo. O potencial de aumento de consumo também é grande no setor de cimento. Cada brasileiro utiliza, em média, 194 kg de cimento por ano, que é uma quantidade menor que o consumo chileno (274 kg), coreano (979 kg) e espanhol (1.241 kg).
A expectativa desses setores industriais e de construção civil é que se repita na infra-estrutura o bom momento visto no segmento imobiliário. Para isso, o governo e o Congresso Nacional deveriam avançar na definição de marcos regulatórios estáveis para investimentos. Safady, da CBIC, diz que as prioridades são a retomada das concessões de rodovias, a implantação das Parcerias Público-Privadas (PPPs), o aperfeiçoamento das licenças ambientais e a independência das agências reguladoras. Essas medidas dariam um passo além do PAC. “79% dos recursos do PAC são para infra-estrutura. É sinal de que haverá recursos. Falta, portanto, um avanço no marco regulatório, como o que se fez no setor imobiliário”, afirma.
Cenário favorável
A cadeia de tintas e vernizes se prepara para aproveitar os incentivos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) no segmento de construção civil e alcançar um crescimento de 4,20% sobre 2006, quando as vendas do setor cresceram 3,28%, atingindo a marca de quase 1,2 bilhões de litros de tintas produzidas e um faturamento de US$ 2,34 bilhões. Porém, vale destacar que apesar do otimismo gerado pelas medidas anunciadas pelo Governo Federal, o mercado de tintas prevê incremento mais significativo a partir de 2008, uma vez que as tintas somente são utilizadas na fase final das construções.
“Mas não há dúvidas de que o programa federal cria expectativas positivas e estamos confiantes que o mesmo possa atrair mais investimentos para o setor e, conseqüentemente condições para o crescimento”, ressalta o presidente do Sitivesp, acrescentando que o segmento da construção civil está apto para contribuir com o crescimento econômico do país, gerando imediata geração de milhares de empregos, absorvendo mão-de-obra não-qualificada e semi-qualificada, que é o grande nível de desemprego do país.
Mesmo com um desempenho um pouco acima do PIB alcançado em 2006, de 2,9%, cabe ressaltar que o setor tem potencial para crescimento muito mais significativo, principalmente se levarmos em consideração o consumo brasileiro per capita de tintas, de seis litros por habitante, (que está muito aquém de outros países desenvolvidos e em desenvolvimento) e o enorme déficit habitacional do país, estimado em 7,9 milhões de unidades.
Apesar de um câmbio não favorável para as exportações, as vendas do setor para o mercado externo tiveram um desempenho significativo no ano passado, quando atingiram um faturamento de US$ 119,570 milhões contra US$ 106,765 milhões de 2005, o que representou um crescimento de 12%. “Da parte do governo, continuaremos a exigir as reformas estruturais das áreas fiscais, tributária, política e da previdência; equilíbrio da taxa de câmbio; redução das taxas de juros; enfim, fatores que possam levar o país ao crescimento auto-sustentável, gerando melhor distribuição de renda e conseqüentemente melhor qualidade de vida às pessoas”, analisa Ferraiuolo |