O Governo federal negocia com estados e municípios proposta para simplificar o sistema de impostos, mas não garante redução da carga tributária. Os impostos brasileiros vêm tomando o lugar da taxa de juros nas pesquisas de opinião como um dos principais fatores para o baixo crescimento econômico. O modelo de tributos é considerado complexo, pouco transparente, caro e ineficiente. Para tentar mudar essa situação, o governo prepara um novo projeto de Reforma Tributária. A idéia é diminuir de dez para seis o número de impostos federais, simplificando o pagamento para os contribuintes, principalmente para as empresas, que gastam muito tempo e dinheiro com uma infinidade de regras e formulários. Também se discute a tributação no destino final, onde está o consumidor, o que acaba com o enorme acúmulo de créditos tributários das empresas junto aos governos estaduais.
Esta é a segunda tentativa de mudar o modelo de impostos na gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que lançou um projeto em 2003 e recentemente desistiu de levá-lo adiante. No governo Fernando Henrique Cardoso, o assunto já havia soçobrado. Parlamentares se esforçaram para aprovar, em 1999, uma reforma concebida pelo governo que foi afinal barrada pela própria equipe do Ministério da Fazenda, por conta do desvirtuamento da proposta original. Parte das idéias desse texto de oito anos atrás constará na nova proposta que está sendo concebida. Desta vez, porém, apesar de resistências localizadas, o resultado poderá ser diferente. A União se dispôs a ceder aos governos estaduais, e o Ministério da Fazenda está empenhado na criação de um novo sistema tributário.
Os técnicos da Fazenda pretendem criar tributos mais simples e eficientes para o ambiente de competição global. Num primeiro momento, isso deve ocorrer sem alterar o nível de receitas do setor público e sem levar à perda de arrecadação. O governo só aceita discutir despesas (e receitas) públicas depois que o novo modelo for instituído e se puder observar os ganhos com o aumento da base de contribuintes.
A CNI – Confederação Nacional da Indústria, defende a inclusão dos gastos públicos na discussão da reforma para estancar a contínua elevação da despesa e abrir espaço para reduzir a alta carga tributária. O centro da proposta está no Imposto sobre Valor Agregado (IVA) cobrado no consumo e não na produção.
O documento Crescimento – a Visão da Indústria, da CNI, propôs no ano passado a criação do IVA. O Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), que existe hoje, é um tributo de valor agregado. Incide isoladamente em cada etapa da produção, evitando o acúmulo que ocorre, por exemplo, no caso da Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira (CPMF), que é paga tantas vezes quantas forem as etapas de produção.
Apesar dessa qualidade, o ICMS traz o problema de ter a cobrança dividida entre a produção e o consumo. Além disso, se descaracterizou com os inúmeros remendos feitos desde que surgiu em 1967. As regras diferem em cada uma das 27 unidades da Federação e permitem a disputa entre os governos estaduais por atração de investimentos, por meio de descontos no imposto. “O principal problema hoje é a guerra fiscal entre os estados. Esse mecanismo está caindo de maduro”, diz o secretário de Política Econômica da Fazenda, Bernard Appy, encarregado pelos estudos e pelas negociações da Reforma Tributária.
Segundo ele, os estados abrem mão atualmente de R$ 25 bilhões ao ano de arrecadação por conta da guerra fiscal. Essa disputa tem chegado ao
Supremo Tribunal Federal (STF), que vem dando sentenças contra os incentivos e aumentando a incerteza dos investimentos já realizados.
De acordo com o projeto da Fazenda, a cobrança do imposto passa a ser no consumo de um bem ou serviço. Assim, retiram-se os tributos incidentes nas exportações e desfaz-se o confuso sistema de créditos tributários nos estados. O IVA terá duas fatias: uma do estado e outra da União. Nos estados, o IVA substitui o ICMS e fecha a porta para os incentivos fiscais, porque acaba a possibilidade de isentar a cobrança na origem em troca da instalação do negócio em determinado lugar.
Ficarão ainda com os estados os tributos de veículos (IPVA) e sobre a herança. A mudança no governo federal será na direção de fundir tributos. O IVA da União juntará o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), a Contribuição para o Financiamento da Seguridade (Cofins), o Programa de Integração Social (PIS) e a Contribuição sobre o Domínio Econômico (Cide).
Na proposta a União permanece com Imposto de Renda (IR), a CPMF e os impostos sobre Importação (II), Operações Financeiras (IOF) e Territorial Rural (ITR). Quanto às prefeituras, existe a possibilidade de juntar o Imposto sobre Serviços (ISS), que é municipal, ao IVA estadual.
O IVA federal será repartido com estados e municípios. O motivo para essa divisão é que a Constituição obriga a União a transferir aos governos regionais uma parte do IPI (que fará parte do IVA) e do imposto de renda.
O assessor especial da Fazenda para a Reforma Tributária, André Paiva, afirma que as alíquotas futuras serão calibradas para evitar o aumento indevido de receitas nas transferências constitucionais a estados e municípios. Segundo ele, o IVA federal e o estadual terão regulamentação conjunta, bases iguais de arrecadação e alíquotas próprias. Os estados poderão definir quanto cobrarão em seu IVA, porém dentro de parâmetros nacionais.
A mudança para o novo sistema não será repentina. Na transição, o ICMS poderá ser mantido por cinco anos. Em seguida, diz Paiva, haverá uma fase de seis a 12 anos com a migração progressiva para a cobrança no destino. O intervalo possibilita que sejam cumpridos os contratos da guerra fiscal. O IVA federal poderia entrar em funcionamento em dois ou três anos depois de aprovado. Esse tempo é necessário para votar leis complementares, definir procedimentos nos estados, treinar os fiscais e ajustar sistemas eletrônicos.
Papel da Informática
A informática será fundamental para implantação do modelo do IVA, em vista da necessidade de realizar compensações e acertos de contas entre a União e os estados. Como se trata de um imposto de valor agregado, o IVA é calculado em cada etapa, da produção ao consumo. As empresas vão gerar débitos e créditos de IVA, tanto em nível federal como estadual. Isso já foi visto como uma grande complicação, mas não é mais o caso. Surgiram nos últimos anos a nota fiscal eletrônica e o sistema público de escrituração digital. O primeiro registra as transações, e o segundo permite acesso aos dados contábeis das empresas. “Esses sistemas viabilizam o IVA e permitem saber qual o real impacto de uma alíquota no dia-a-dia das empresas”, observa Paiva.
Outra mudança em análise pela Fazenda é juntar o Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). As empresas pagam os dois tributos em guias separadas, o que gera custos adicionais.
A CNI vem sugerindo a fusão. O governo usou a CSLL e as demais contribuições sociais na última década para elevar sua arrecadação, porque esses tributos ficam de fora da partilha com estados e municípios. O sistema tributário do Brasil sofre de uma distorção com a dualidade, criada pela Constituinte de 1988, entre impostos, que devem ser compartilhados, e contribuições sociais, direcionados só à União.
A partir de então, o governo federal tem elevado a arrecadação das contribuições que são cobradas em cada etapa de uma cadeia produtiva – portanto mais prejudiciais quanto mais sofisticados são os produtos.
A CPMF é a principal das contribuições sociais, com alíquota de 0,38% cobrada em cada transação financeira e arrecadação de R$ 32 bilhões por ano. Surgiu há dez anos como o imposto do cheque, que deveria ser provisório e bancar os gastos da Saúde, e vem sendo renovada seguidamente de tempos em tempos. Neste ano, termina mais um prazo de vigência, e o governo pretende estender o tributo até 2011.
Exportadores
Hoje os exportadores têm a receber cerca de R$ 17 bilhões de créditos do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), o principal tributo estadual. Sem solução para o problema, a conta não pára de aumentar: são R$ 2 bilhões a mais a cada ano. A Constituição e a Lei Kandir determinam que os produtos exportados são isentos de ICMS. Ao comprar matérias-primas, portanto, a empresa tem direito a receber o imposto que já foi pago pelo fornecedor. Muitas vezes, porém, isso depende de negociação entre as unidades da Federação.
O que se tem visto é que os governos estaduais se recusam a devolver à empresa o imposto que foi pago a um estado vizinho.
As empresas não têm o direito de cobrar diretamente o governo no qual o imposto foi pago. O governo federal está atento ao problema e sabe dos efeitos no dia-a-dia das empresas. O ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), Miguel Jorge, defende que se encontre uma solução para os créditos que as empresas não conseguem receber dos estados. Segundo ele, pagar os créditos seria uma medida mais efetiva do que a adoção de mecanismos para elevar a cotação do dólar, cuja valorização prejudica setores.
Em 2006, o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), que reúne empresas industriais, formulou uma saída para o problema por meio da securitização dos créditos de ICMS. Nesse mecanismo, as empresas emitiriam títulos financeiros tendo os créditos tributários de lastro e poderiam vender os papéis para o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Tais soluções, no entanto, encontram resistências do governo federal, que se recusa a assumir compromissos feitos pelos estados. Outra sugestão que também enfrenta resistência pela mesma razão é compensar os créditos estaduais no pagamento de impostos federais.
O gerente-executivo da Unidade de Política Econômica da CNI, Flávio Castelo Branco, observa que o acúmulo de créditos é um dos efeitos perversos do sistema tributário, em conseqüência de o ICMS ter sua cobrança repartida entre a origem da produção do bem e o destino do consumo. O problema, diz ele, será resolvido com a cobrança de imposto no destino, conforme prevê a proposta de Reforma Tributária.
Segundo Castelo Branco, a solução de curto prazo passa pela securitização do crédito. Assim, as empresas poderiam aceitar um deságio do valor a ser recebido. Feito o acerto de contas, será necessária uma regra de transição para que não se acumulem mais créditos.
Nessa fase de transição, dois instrumentos serão muito importantes. Um deles é a nota fiscal eletrônica, que rastreia as transações das mercadorias entre as empresas. O segundo item é a escrituração digital, que registra a contabilidade de pessoas jurídicas. Dessa maneira, os Fiscos estaduais terão condições de validar créditos tributários.
O assessor especial do Ministério da Fazenda para a Reforma Tributária, André Paiva, diz que esses sistemas já estão em implantação e podem funcionar antes mesmo de qualquer mudança constitucional no modelo de impostos. Segundo ele, porém, está afastada a hipótese de a União assumir ou federalizar os créditos estaduais. Os governos estaduais, por sua vez, esperam uma medida salvadora por parte do Palácio do Planalto. Baseiam-se em uma lei de 1989, não regulamentada, como argumento de que o ressarcimento do ICMS das exportações cabe ao governo federal. Eles estimam ter direito a receber R$ 18 bilhões neste ano, para repassar às empresas.
O governo federal não reconhece integralmente o direito, mas em parte sim. O Orçamento da União prevê o reembolso de R$ 3,9 bilhões neste ano na forma de ressarcimento aos estados. “Na situação financeira de hoje, um estado não pode ressarcir créditos de ICMS de outros estados”, diz Lina Vieira, coordenadora do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), que reúne os secretários estaduais de Fazenda. “Os estados, na verdade, não querem ser os intermediários de créditos tributários. A União que faça a compensação diretamente junto às empresas.”
Antes de se tornarem isentas do ICMS, as exportações foram parcialmente desoneradas. Isso ocorreu por meio de uma lei de 1989, que baixou de 17% para 13% a alíquota do ICMS na exportação e estabeleceu o ressarcimento dessa diferença pela União. Essa lei não foi regulamentada. Mesmo assim, os governos estaduais afirmam que a regra vale. E mais que isso: o ressarcimento pela União também deve valer para a isenção de ICMS das exportações aprovada mais tarde. Em 1996, a Lei Kandir trouxe a possibilidade de compensar o ICMS de matéria-prima do produto a ser exportado. As empresas devem requer o crédito na exportação, mas fica a cargo de cada estado analisar se o crédito é válido ou não.
Para o governo federal, a Lei Kandir de fato estabelecia ressarcimentos aos estados, mas isso terminou no ano passado, e não há mais recursos a serem transferidos. O governo de São Paulo encontrou no ano passado uma maneira de destravar os créditos acumulados de ICMS. As empresas podem usar os recursos caso invistam em novas instalações no próprio estado. Existe também a permissão de que a conta de energia elétrica da empresa seja compensada com os créditos tributários.
Alongar prazos
O País precisa alongar o prazo para o recolhimento de tributos que hoje as empresas pagam, antes mesmo de receber dos clientes por suas vendas o setor privado ainda convive com uma herança do sistema tributário do período de alta inflação. Como o descontrole de preços reduzia o valor de suas receitas dia após dia, no final dos anos 1980 o governo federal e os governos estaduais começaram a reduzir o prazo para as empresas pagarem impostos.
Quanto antes os recursos fossem recolhidos, menor era a corrosão. Veio a estabilidade econômica, mas persistiu o modelo de cobrança. Aliás, agravou-se com prazos cada vez mais curtos. Hoje, enquanto os tributos devem ser pagos em até 30 dias, as empresas só recebem o dinheiro das vendas em 45 dias. Ocorre que, apesar de o descontrole inflacionário ter sido debelado, as taxas de juros, no Brasil, permanecem entre as mais altas do mundo, e o descasamento temporal exige o financiamento bancário para a quitação de impostos devidos. É um custo a mais que pode ser alterado com adaptação de normas e procedimentos do Fisco.
O Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT) calculou alguns custos acarretados pelo descasamento dos prazos de venda e do pagamento de impostos. As empresas analisadas tinham, em média, o recebimento das vendas em 57 dias e impostos pagos em 28 dias. Se não têm os recursos necessários em caixa, as empresas pagam hoje em média 2,7% ao mês por um financiamento de capital de giro nos bancos. Ao final de um ano, estima-se o dispêndio equivalente a 3% do faturamento da empresa só para bancar essa antecipação, afirma o advogado tributarista Gilberto Luiz do Amaral, presidente do IBPT. Para ele, a ampliação de prazos proporciona um alívio de custos para as empresas brasileiras.
No levantamento da CNI, 41,5% das empresas disseram que a prioridade para os ajustes deve ser o PIS e a Cofins. O recolhimento desses tributos acontece no último dia útil da quinzena seguinte ao mês da venda. Se a empresa vende na segunda quinzena de um mês, por exemplo, o pagamento poderá ser feito ao final da primeira quinzena do mês seguinte. Nesse modelo, o prazo máximo é de 30 dias. A proposta da CNI é que as empresas possam recolher o PIS e a Cofins no último dia útil do mês seguinte ao da venda do produto. Com isso, haveria, em média, 45 dias para a quitação – ou 15 dias a mais em relação ao modelo existente hoje.
O Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) tem mais impacto financeiro para 13,5%. O prazo para recolhimento do IPI varia entre dez dias, nos setores de bebidas e cigarros e de até 45 dias no caso das micros e pequenas empresas que não estão no Simples (o regime simplificado de cobrança de tributos). No entanto, a maioria dos produtos industriais tem o IPI pago em menos de 30 dias..
Uma solução possível para o ICMS está na ampliação gradativa para não afetar o caixa dos governos estaduais. Há preocupação dos governadores de que qualquer mudança traga perda de receitas tributárias. O Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), por exemplo, chegou a ter um prazo de seis meses no recolhimento. O PIS/Finsocial, que antecedeu a Cofins, tinha o pagamento no final do mês subseqüente ao registro da venda.
Outros países possuem regimes tributários com prazos maiores de recolhimento. Não seria, portanto, uma mudança na legislação que deixaria o Brasil fora dos padrões internacionais. Ao contrário. De acordo com estudo da CNI, as empresas da Argentina pagam o Imposto sobre Valor Agregado (IVA) ao longo do mês seguinte ao da venda.
O ICMS brasileiro é um modelo de IVA. Na Espanha, existe um IVA simplificado que tem base trimestral e pode ser pago no dia 20 do trimestre seguinte. Para grandes empresas espanholas, porém, o prazo é bem menor: a cobrança é mensal e ocorre no dia 20 do mês subseqüente.
Fonte: Confederação Nacional da Indústria. |