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REVISTA DA MADEIRA - EDIÇÃO N°62 - FEVEREIRO DE 2002

Silvicultura

Silvicultura na Alemanha

Após as grandes guerras mundiais, a grande demanda de energia na Alemanha aliada à necessidade de recuperação de áreas degradadas motivou o plantio de coníferas de rápido crescimento, como, Albies alba e Picea abies (final da década de 1940). Naquela época o maior enfoque era a produção de espécies de rápido crescimento, não sendo considerados os aspectos ambientais ou de adaptabilidade ao sítio. Em decorrência disso a Picea tornou-se a espécie mais plantada.

Em muitas das regiões aproveitadas tem ocorrido, desde então, grandes perdas de plantios por tempestades e ventos fortes. Isto se deve a instabilidade do sistema radical de árvores desenvolvidas em solos inadequados à esta espécie. Também fica evidente que, quando coníferas são implantadas em regime de monocultura ficam mais vulneráveis à formação de platôs com suas copas, levando à deposição de neve, e consequentemente, a quebra dos galhos, causando muitas vezes danos irreversíveis à árvore.

Atualmente, devido a várias características de sítio, ambiente e de mercado, existem planos para enriquecer estes sistemas florestais com espécies dicotiledôneas folhosas nativas, respeitando as características edafo-climáticas de cada micro região. Os novos modelos de manejo que estão sendo estabelecidos, embasados em demandas sociais, econômicas e ambientais, buscam resgatar a biodiversidade local, pelo desenvolvimento de práticas de regeneração de espécies nativas, e pelo fortalecimento do uso múltiplo da floresta. O enriquecimento dessas áreas é feito por regeneração natural em decorrência do elevado custo de plantio, devido principalmente ao custo da mão-de-obra.

A Alemanha conta hoje com 10.7 milhões de hectares de florestas, equivalente a aproximadamente 30% de sua área total. As áreas florestais estão distribuídas, segundo a propriedade, em florestas privadas 40% (tamanho médio de 50 a 80 hectares), comunitárias ou municipais 30% e dos governos estaduais 30%.

A produção florestal conta hoje com grandes subsídios em todas as fases da produção, de acordo com as diretrizes definidas dentro dos distritos florestais. Os produtores florestais recebem também assistência técnica gratuita para a condução de todas as atividades florestais.

As atividades florestais, em geral, não são integradas, pois o proprietário da floresta, raramente é o processador da madeira. A colheita e o transporte da produção também podem ser realizadas por terceiros.



Há dois tipos de estradas florestais na Alemanha: as vias principais, que são destinadas ao tráfego de caminhões; e os caminhos de máquinas, destinados ao tráfego de tratores florestais (skidder, forward etc.). A construção do sistema viário é estabelecida com subsídios do governo, que chegam a 80% do valor da obra, sendo de responsabilidade do proprietário a sua manutenção. A rede viária florestal é planejada buscando o menor impacto da atividade. Considera-se para a construção das estradas uma declividade mínima de 2-3% e máxima de 10-12%, a infra-estrutura necessária para sua conservação, considerando também distância máxima entre estradas, distância entre bueiros, necessidade de estrutura para caminhões pesados, entre outras. No Brasil identificam-se pelo menos três tipos de estradas florestais, as principais, as secundárias e os caminhos de máquinas, não sendo dependentes de planejamento regional aliado às necessidades de estrutura para transporte de cargas.



GESTÃO FLORESTAL

Na Alemanha as leis florestais e ambientais são menos restritivas que as brasileiras. Existe um conjunto de leis a nível federal que define as grandes linhas da política florestal, restando para os governos estaduais a elaboração da legislação mais detalhada. Assim, por exemplo, o tamanho da área do corte raso é fixado em leis estaduais, não sendo permitida esta prática, na maioria das vezes, em áreas acima de 5 hectares sem autorização do órgão competente.

Já o planejamento da atividade florestal usa tecnologias como, SIG, GPS, imagens de satélite, sistemas de mensuração e controle informático de dados, buscando maior precisão do manejo e diminuição de mão-de-obra em todas as etapas do processo. A integração das atividades florestais e agropecuárias das pequenas propriedades possibilita a otimização dos recursos naturais através da utilização de tecnologias de baixo impacto ambiental, buscando estabelecer sistemas fechados de uso desses recursos.

Muitas vezes, esforços pela conservação produzem resultados abaixo do desejado porque é insuficiente o conhecimento sobre as espécies, os ecossistemas e as características tecnológicas. Também se conhece muito pouco sobre as conseqüências dos impactos da interferência humana sobre o hábitat natural e sobre a transformação destes de acordo com a sua aplicação.

Na Alemanha, o monitoramento das áreas florestais é feito com base em fotografias aéreas dos estratos existentes, definindo os coeficientes e distribuição de amostragem para realizar o inventário. Após o levantamento as unidades são classificadas por tipo de sítio e uso. Podas e desbastes seletivos são realizados somente em áreas novas, com objetivo de agregar maior valor ao produto final. Estas atividades, ao igual que todas as mão-de-obra intensivas, são extremamente caras na Alemanha, pelo que são usadas somente em momentos muito bem determinados.

Áreas de florestas que não podem ter o uso alterado podem ser convertidas para áreas de regeneração de espécies naturais e manejadas adequadamente, sem a introdução espécies exóticas.



SILVICULTURA

Atualmente, os estudos de manejo e tratos silviculturais estão sendo direcionados em duas direções: a busca de madeira de qualidade para construção civil, sendo esta qualidade definida pela maior estabilidade dimensional da madeira, e a produção de madeira de alta qualidade para marcenaria, determinada pelas espécies e a ausência de nós.

O uso de produtos químicos como defensivos florestais é proibido pela legislação alemã. A queima controlada é permitida nesse país somente para o controle de algumas pragas florestais, como por exemplo o barkbeetle, e é utilizada como prática corrente. Nestes casos após o levantamento das áreas atacadas é feito imediatamente o corte raso, com a retirada das toras aproveitáveis e posterior queima dos resíduos. No Brasil, as práticas de queima controlada para contenção de pragas somente são permitidas para a Acácia negra (Oncideris impluviata).



A sustentabilidade das áreas florestais tem se mantido ao longo dos anos porque as áreas de produção não tem sido divididas. Em geral as propriedades são repassadas por herança aos herdeiros, mas apenas um mantém a propriedade, ressarcindo os demais, conforme a legislação civil alemã - Direito de sucessões.



As florestas na Alemanha são gerenciadas visando o uso múltiplo, isto é, não tem só finalidade de produção econômica mas primariamente estão dedicadas à preservação dos recursos naturais, recreação, a conservação da biodiversidade, água e solos.

Para cada região existe um plano de manejo, que passa por revisão e aprovação junto à comunidade a cada 10 anos. Apesar de existir liberdade para a prática de qualquer atividade florestal, os impostos podem ser elevados quando estas atividades não estiverem previstas no plano de manejo estabelecido para a região. Todo o manejo é realizado em escala regional, com posterior planejamento detalhado de cada talhão, definindo-se as taxas de colheita e ações a serem desenvolvidas para cada área.

No estabelecimento do plano de manejo regional das florestas, existe grande preocupação em conter a expansão urbana em áreas florestais, buscando sempre o uso ordenado da terra. As florestas urbanas são direcionadas para recreação considerando a exploração econômica quando viável.

Cada unidade de floresta comunitária tem um gerente que é responsável pela a programação anual (elabora mapas, gráficos, monitoramento, plano de manejo, condução de grupos de visita, gerenciamento da licença de caça, controle de pragas, definição das intervenções florestais), e também responsável pelo contato com a mídia. São elaborados documentos para difundir nos diferentes meios de comunicação, informando e esclarecendo todas as atividades realizadas na área.

O uso múltiplo das florestas na Alemanha foi estabelecido há muito tempo. Mas, após 1970, houve retorno ao sistema de uso múltiplo, com enfoque para as questões sociais e ecológicas, por exemplo: recreação, proteção e manutenção dos mananciais, proteção dos recursos edáficos e hídricos, controle de erosão, manejo de paisagens e madeira para indústria.

Atualmente a caça de animais silvestres é utilizada como recreação, fonte de renda, e também como apoio ao manejo das florestas. Isso é necessário para manter as taxas de regeneração natural em níveis satisfatórios. Através do controle do número de cervos se protege as plântulas responsáveis pelo repovoamento das florestas. A caça então é regulamentada com venda de licenças e definição de taxas mínimas e máximas de abate e período de caça

MERCADO E CERTIFICAÇÃO

Existem mudanças de perspectivas de mercado devido a questão de oferta de madeira nos próximos anos. Na Alemanha existe um excesso de madeira. O problema é que esta madeira é cara devido aos custos de produção serem maiores que os da média mundial. Assim, madeira de baixa qualidade tem poucas chances de ser vendida no exterior.

No Brasil, ao contrário, a demanda vai superar a oferta. Para confirmar estes dados a FAO elaborou um relatório com apresentação das estimativas do consumo de madeira mundial nas próximas décadas. Além disso existe uma alta correlação entre o consumo de madeira per capita e o desenvolvimento de um pais. Este excesso de madeira estará entrando no mercado daqui a 30/40 anos, o que pode afetar o preço dos produtos finais, inclusive o setor brasileiro com destino ao mercado internacional.

Para reverter esta perspectiva de decréscimo do valor da madeira devem-se rever as políticas de planejamento do mercado e do setor brasileiro. Uma alternativa para competir seria o incentivo e desenvolvimento de plantio com espécies nobres, de alto valor comercial, principalmente, araucária, tabebuia, cedro, canelas. Esta sugestão entra em confronto com a nova lei brasileira que proíbe o corte de espécies nativas, ainda que sob o regime de manejo sustentável.

A queda de preço da madeira, ocorrida entre os anos de 1999 e 2000, foi promovida pela grande oferta de madeira na Alemanha, ocasionada pelas tempestades ocorridas ao final de 1999. Verificou-se este impacto também na queda das exportações do setor para os Estados Unidos, que neste período importou madeira da Alemanha.

O uso destas madeiras, provenientes da Europa Oriental, exige o pagamento de taxas de importação para a sua comercialização na comunidade européia. São tributados até 7% de impostos sobre a madeira que entra na Comunidade Européia (EU). Acredita-se que a isenção de impostos poderia ocasionar uma sobre oferta de madeira de coníferas de baixa qualidade, promovendo a queda dos preços, afetando os produtores da comunidade européia.

A comunidade européia conta hoje com 15 países, porém este número tende a aumentar no futuro próximo com a incorporação de países da Europa Oriental, o que deverá afetar o equilíbrio do setor florestal mundial.

Estes volumes de oferta de madeira gerados pelas catástrofes ambientais, somados a presente oferta de madeiras oriundas da Escandinávia e Sibéria, afetam o mercado atual da Alemanha, permitindo que esta oferta de madeira, além de atender a demanda interna, também seja exportada para China, Japão e União Européia. A Alemanha, atualmente, tem, também, interesse em importar madeiras de alta qualidade como, por exemplo, a Teca, visto que o setor industrial deste país vem dando maior ênfase à laminação e uso de madeiras sólidas, buscando a agregação de valores do produto final.

Atualmente, 80% da celulose e papel utilizado na Alemanha é importado. A produção de papel da Alemanha é baixa por duas razões: a matéria prima é cara e quase não se consegue permissão para instalar fábricas de papel por causa das leis ambientais (poluição da água e do ar)

Um grande volume de madeira não apresenta mercado para a sua utilização, não estando claro quais serão as políticas ou estratégias para incentivo ao uso destas madeiras e diversificação de mercado. Discute-se as perspetivas de usar esta madeira para produzir energia (calefação). Existem várias tentativas de promover o uso de energias renováveis na Alemanha, reduzindo taxas e dando ajuda financeira. Outra tentativa é de modificar o manejo para produzir a madeira mais barata e assim poder participar na competição mundial.

A importação de madeira brasileira em 1970 era praticamente de madeira bruta. Em 1999, apesar dos volumes de importação de madeira se manterem constantes, houve o incremento de produtos com maior valor agregado, como móveis e produtos semi-acabados. Destaque-se que a maior parte dos produtos florestais importados pela Alemanha são de origem asiática. Para a Ásia existe uma lógica de mercado, envolvendo os países Malásia, Indonésia, Índia como exportadores e como importadores o Japão e a China. Um dos motivos que leva o setor industrial alemão a importar um maior número de madeiras, é o fato de que o país busca diminuir o gerenciamento de resíduos, existindo, assim, um maior interesse em importação dos produtos pré-acabados e acabados

O Brasil participa com menos de 1% da comercialização mundial da madeira roliça. Adicionando a produção de celulose seria maior. A maior parte da madeira de alta qualidade produzida no Brasil é comercializada no mercado interno.

Em relação aos programas de qualidade, certificação e comprovação dos sistemas de gerenciamento dos recursos naturais, causou reações no mercado europeu semelhantes aos demais países, ou seja a reação negativa ao processo de comprovação de suas ações, para poder receber a certificação.

Discutem-se que a possibilidade de implantação de diversos selos para atestar qualquer objetivo não atenderiam os verdadeiros objetivos da comunidade ambientalista e socialista internacional. Portanto, ainda existem muitas desvantagens à certificação, devido a esta visão não clara do processo, sob um discurso ambiental e social, busca-se a garantia de mercado.

Associado a essa discussão, acreditam-se que os programas de certificação, não atendem e respondem às demandas apresentadas pelos diferentes ecossistemas existentes e que precisam ser manejados com métodos diferentes. Por isso, entende-se que é muito difícil criar um standard internacional da certificação, e os países europeus, com uma longa tradição da engenharia florestal, dizem que já estão praticando manejo sustentável a 200 anos e não por isso não precisam de selos. Por este motivo e outros foi criado o sistema de certificação PEFC (Pan European Forest Council) que é mais comum na Alemanha do que o FSC, contudo, também não atendem as necessidades ambientais e sociais solicitadas.



TECNOLOGIA DA MADEIRA

O processamento industrial da madeira, na Alemanha, emprega processos automatizados, enfatizando a produção com menores custos. No entanto, existe mercado para produtos de maior qualidade, de custo mais elevado devido ao emprego de mão-de-obra especializada.



A madeira e seus derivados apresentam uma significância econômica cada vez maior para as nações desenvolvidas e industrializadas, porque, se não a produzem, compram e lhe agregam valor.

Atualmente existem muitas outras formas de aplicação da madeira. A madeira é a principal matéria-prima para a indústria madeireira, seja na indústria de madeira processada como, por exemplo, moveleira, construção civil (unifamiliares e pequenas moradias coletivas), e na indústria de embalagens.

Estudos realizados na Alemanha, tanto pela Federação de construtores de casas pré fabricadas como pela indústria moveleira, confirmam a preferência dada à madeira como matéria-prima, que devido ao fator de regeneração e por isso ecológico, torna-se menos impactante ao meio ambiente, além de exigir pouco consumo de energia para o seu processamento, ao contrário de outros materiais. Conclui, ainda, que numa construção bem feita, a madeira é um isolante térmico ideal.

A forma tradicional de madeira serrada nas construções e na indústria moveleira, em função dos custos, está sendo substituída por novos derivados de madeira altamente elaborados como, por exemplo, MDF - Medium density fiber (fibra de média densidade, OSB - Oriented Strand Board (fibra de madeira orientada e prensada a 220°C), aglomerado - particleboard, compensado - plywood e chapa dura - wet hardboard.

A madeira serrada está sendo destinada a fins mais nobres, no mercado interno e externo como móveis “classe A” e, ainda, para a exportação de produtos elaborados e semi-elaborados de alto valor agregado, que, do ponto de vista prático só serão realmente competitivos se fabricados através do emprego de novas tecnologias, já que com isto haveria a possibilidade de fabricação dos elementos de móveis com melhor precisão e com complexa geometria imposta pelos “designers”, e, ao mesmo tempo, com possível redução nos c ustos de fabricação.







Autores:

Langer, Marcelo1

Mattos, Patrícia Póvoa de2

Farias, Marzely Gorges3

Kuntschik, Gerardo4

Sant’Anna, Cleverson de Mello5

Mello, Anabel Aparecida de6

Berger, Rute7

Mühlsiegl, Reiner8