No ano passado, diversos segmentos da indústria registraram crescimento acima da média, enquanto outros recuaram devido a fatores como a queda do dólar, os altos impostos, a famosa concorrência chinesa, entre outros. As perspectivas para 2007 são boas, mas o Brasil precisa estabelecer prioridades, em consenso com os diferentes interesses da nação e considerando a diversidade de sua economia. Para o País é inválido ganhar de um lado com o desenvolvimento de alguns setores e usar estes ganhos para cobrir os prejuízos de segmentos prejudicados pelo sistema. Além disso, não basta apenas crescer, é necessário ter infra-estrutura para que o almejado crescimento seja real e produtivo.
O ano de 2006 foi marcado pelo crescimento em diferentes setores da indústria. A produção de equipamentos de informática cresceu 51,6%, beneficiada pela redução de impostos, e foi responsável por quase um quarto do crescimento industrial em 2006, provando o quanto os tributos são empecilhos ao desenvolvimento.
O aumento da demanda mundial por commodities metálicas estimulou a produção na indústria extrativa – que cresceu 7,4% em 2006, após já ter expandido 10,2% em 2005 – e levou o estado do Pará a liderar o crescimento da produção industrial em 2006, com expansão de 14,2%.
Em contrapartida, as indústrias de madeira, de vestuário e de calçados apresentaram quedas significativas na produção e nas exportações, com impactos negativos no desempenho econômico da região Sul do Brasil. O crescimento da produção industrial também se concentrou em indústrias de grande porte.
Para o economista Paulo Mól, do Sistema CNI, ao contrário de 2006 o ano de 2007 inicia-se com sinais de crescimento mais robusto e menos heterogêneo da produção industrial. Já no fim de 2006, observou-se que a recuperação da atividade industrial atingiu um maior número de empresas. O crescimento da produção entre as pequenas e médias empresas foi mais intenso do que entre as de grande porte. Esse resultado contrasta com a tendência de concentração da produção entre as grandes empresas, verificada nos três primeiros trimestres do ano passado.
Outro bom sinal para a economia brasileira é o ajuste dos estoques ao nível planejado pelas empresas. Isso ocorre tanto entre grandes empresas como nas de pequeno e médio portes. Sem a formação de estoques indesejados, espera-se que aumentos adicionais de demanda sejam respondidos com aumento da produção. E há indícios de que a demanda cresça mais intensamente do que em 2006.
A massa real de salários inicia 2007 com um ritmo de crescimento – taxa em doze meses – que se aproxima de dois dígitos. A par disso, as transferências do governo, em parte vinculadas ao salário mínimo, também apresentam aumentos reais em 2007. O controle da inflação assegura, por sua vez, a permanência da trajetória de redução dos juros e propicia a continuidade da expansão do crédito e a manutenção do poder de compra. Crédito mais barato e demanda mais forte estimulam o investimento, o que eleva a produtividade e gera uma expansão mais consistente da produção industrial.
O economista Paulo Mól diz que 2006 foi um ano difícil para parte relevante de empresas, mas 2007 aponta para perspectivas melhores. Ainda assim, persistem fatores que cerceiam um crescimento mais robusto da atividade industrial, como insegurança regulatória, alta carga tributária e juros reais elevados.
Um problema, em especial, ganha destaque: a valorização do real. A demanda mundial por commodities – agrícolas, metálicas e combustíveis – deve manter-se forte este ano, o que amplia a oferta de divisas no Brasil e mantém o real valorizado. Nesse sentido, as empresas industriais encontram dificuldades, tanto para exportar como para competir com os produtos estrangeiros no mercado doméstico.ODU
INTrajetória de crescimento
O século 20 trouxe imensas transformações na ordem mundial. Bem antes do final, em 1980, já era possível notar mudanças radicais no ranking econômico das nações. Os Estados Unidos consolidaram-se como a maior potência global. O Japão ultrapassou a Europa para ocupar a segunda posição – chegou até a ameaçar a hegemonia norte-americana. Reinos árabes deixaram de ser meras aglomerações tribais.
Graças à independência política e ao petróleo, concentraram riqueza sem igual. A Coréia do Sul, antes um dos lugares mais miseráveis do mundo, transformou-se em pólo tecnológico. Mas, ao levar em conta o crescimento econômico nas oito primeiras décadas do século, os Estados Unidos, o Japão, os reinos árabes e a Coréia do Sul ficaram atrás de um país: o Brasil.
O recorde mundial de crescimento que o Brasil emplacou entre 1900 e 1980 não foi obra do acaso ou da natureza. No final da Velha República, a sociedade e os líderes perceberam que o poder político deveria representar a Federação de forma mais equilibrada, e, mais tarde, que, apesar dos grandes ganhos com as
exportações agrícolas, o Estado deveria assumir um papel inequívoco em prol da industrialização.
A economia predominante agrícola do Brasil de 1900 cedeu lugar ao país industrial e urbano da década de 1980, mas ali começou a se fazer presente o ônus do crescimento veloz. As cidades ganharam tamanho de forma desordenada e, na esteira desse processo, irromperam problemas de habitação, transporte, saneamento e segurança.
Hoje o Brasil tem marcantes avanços a registrar: a inflação foi controlada, o acesso e a valorização da educação aumentaram, a distribuição de renda melhorou, a vulnerabilidade externa foi praticamente eliminada, houve ganhos no ambiente macroeconômico e maior integração das empresas à economia mundial. Embora esses avanços representem inegáveis conquistas, o país ainda não foi capaz de superar o ciclo do baixo crescimento que o aprisiona. A economia brasileira não voltou a crescer a taxas robustas. Nos últimos 11 anos, a taxa foi inferior à média mundial.
Dificuldades sempre existiram. É bom lembrar que o descontrole dos preços também parecia insuperável até a metade da década passada. Seu fim foi fruto de consenso na sociedade e no meio político
Para a economista Lídia Goldenstein, a história do Plano Real demonstra que a situação precisa se deteriorar muito para ensejar mudanças: “Estávamos perto de chegar à hiperinflação antes do Real. O problema do país é este: só age quando está à beira do precipício.” O relato de Lídia expressa o pensamento da maioria dos economistas, que critica a falta de clareza no governo. “É preciso ter um projeto”, afirma a economista. Segundo ela, o principal motor do crescimento é o investimento – que no Brasil está um pouco acima de 20% do Produto Interno Bruto (PIB), metade da proporção dos países asiáticos.
Investimento depende de marcos regulatórios consistentes, agências reguladoras que funcionem e juros mais baixos do que os que o Brasil tem hoje.
O economista Ilan Goldfajn, ex-diretor do Banco Central na gestão de Armínio Fraga e sócio da Ciano Investimentos, chama a atenção para o efeito negativo que o nó nas contas públicas impõe aos investimentos privados. Hoje, o setor público gasta mais do que arrecada, apesar da alta carga tributária, em 38% do PIB. Se gastasse menos, seria possível diminuir a carga tributária, liberando recursos das empresas para investimentos. Vários países, como a Turquia e a Tailândia, fizeram cortes de impostos recentemente e proporcionaram um horizonte positivo aos investidores.”
O economista Sérgio Werlang, também ex-diretor do Banco Central na gestão Fraga e atual diretor-geral do Banco Itaú, chama atenção para outro benefício da Reforma Fiscal, além da redução de impostos: a melhora nas condições de pagamento da dívida pública, que pode favorecer, também, o acesso a crédito internacional para empresas brasileiras. Sabe-se que cortar gastos públicos é uma tarefa complexa diante de tantas pressões sobre o Estado, mas os investidores não esperam algo radical e imediato.
Risco de retrocesso
O economista Werlang vê riscos não só de o País deixar de tomar decisões corretas, mas também de tomar outras equivocadas: “O governo caminha para uma política oposta às mudanças que poderiam favorecer investimentos privados.”
Desagradam a ele idéias em discussão pelo governo que remetem ao Plano de Metas do governo Juscelino Kubitschek, com fortes investimentos a partir do setor público, o que poderia trazer o risco da volta da inflação.
Para ajudar o país a crescer, o Estado tem de ser competente, com quadros técnicos bem preparados e estáveis: “Não se pode entregar ministérios com a porteira fechada para um ou outro partido como o governo está fazendo.”
O cientista político Lamounier argumenta que a própria escolha dos ministros deveria ocorrer em padrões diferentes do atuais
A melhora do ambiente institucional é indispensável para as empresas voltarem a investir, mas ainda que haja garantias de estabilidade e que os juros sejam reduzidos, não há certeza de que a produção do país aumentará.
As empresas só põem mais e melhores produtos no mercado com a perspectiva de que serão vendidos. Em 2006, o crescimento do PIB brasileiro foi movido, principalmente, pelo aumento do consumo das famílias. E, mesmo assim, o nível de investimentos não cresceu de forma significativa. “Com o Bolsa-Família, houve aumento do consumo popular, mas o consumo da classe média foi achatado. Só é possível ter investimentos e empregos com o consumo de classe média. O consumo popular foi todo destinado a produtos baratos chineses”,
afirma Goldenstein. Assim, o aumento do consumo no ano passado se deu por meio do aumento de importações e a Balança Comercial passou a contribuir de forma negativa para a evolução do PIB.
A estagnação da classe média no Brasil – motor da sociedade urbana – acompanha a do crescimento do PIB, numa correlação que mostra o quanto essa parcela da população é significativa para o desenvolvimento. Estima-se que,
nos últimos dez anos, esse segmento do estrato social passou de 20% para 21% da população. No México evoluiu de 19% para 43% e, na China, de 1% para 12%. O problema não se resume a números: a classe média brasileira não tem ninguém que a represente politicamente, o que é ao mesmo tempo conseqüência e causa de seu esvaziamento.
O quadro se agrava pelas características dos partidos políticos no Brasil: Há uma pulverização excessiva e os partidos são porosos nas bordas. O Brasil é o único país onde se fala em fidelidade partidária. Chegamos ao delírio de ter de criar uma lei para reduzir a porosidade, destacando a cláusula de barreira, que limitava o número de partidos, mas foi derrubada pelo Supremo Tribunal Federal.
Energia para crescer
O Brasil vive um momento de contrastes entre boas e más notícias na área energética. Desde meados de 2006, a produção de petróleo atende toda necessidade de consumo no mercado interno. O álcool se tornou uma das grandes apostas de futuro para os combustíveis, sobretudo após o anúncio do presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, de substituir 20% da gasolina do seu país por etanol nos próximos dez anos. Mas, aqui no Brasil permanece a incerteza na geração de energia elétrica.
As preocupações vão desde os reajustes mais fortes das tarifas industriais nos últimos anos até a discussão ambiental que é apontada como motivo de atraso para construção de usinas hidrelétricas. Nos próximos quatro anos, os especialistas avaliam que a economia brasileira está a salvo de um racionamento como o que houve em 2001, embora haja riscos. As condições para tranqüilidade são que as chuvas continuem nos níveis atuais para abastecer os reservatórios das hidrelétricas, fiquem prontas as obras de usinas novas como Capim Branco II e a Petrobras faça os investimentos em gás natural para as usinas termelétricas. A dúvida maior é o abastecimento a partir de 2011.
O tema energia é importante para o setor industrial por afetar a competitividade das empresas já instaladas e também pelo poder de atrair novos investimentos no âmbito global. A indústria vem passando por um aperto de custos com energia. O preço médio da tarifa subiu 193% de 1999 a 2005, indo de R$ 63 para R$ 185. No mesmo período, a inflação medida pelo Índice Geral de Preços do Mercado (IGP-M) variou 90%. A elevação começou com a desvalorização do real a partir de 1999 que inflou o IGP-M, indexador dos contratos das empresas de energia. Em 2002, o governo decidiu fazer o chamado realinhamento de tarifas que encurtou a diferença entre os preços para as empresas e para o consumidor residencial, que teve reajustes menores.
Residências ainda têm energia mais cara, porque são necessários maiores investimentos em instalação de rede elétrica para atendê-las, mas a diferença em relação à indústria é menor do que era antes: em 1999 as residências brasileiras pagavam em média 120% mais que as indústrias. No final do ano passado, essa diferença estava em 42%.
A saída para reduzir as tarifas é acabar com os encargos setoriais. O governo criou taxas nas contas de energia de consumidores para bancar a energia mais cara da região Norte ou, por exemplo, para financiar as concessionárias da Eletrobrás estatizadas nos anos 1950.
Outro entrave são os impostos nos investimentos. Nos cálculos da entidade, os tributos consomem 39,3% do que se investe em equipamento e serviços.
No governo, argumenta-se que há preocupação em preservar a indústria. “A energia do Brasil não é das mais baratas, mas está numa faixa intermediária e ainda é competitiva”, afirma o presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Maurício Tolmasquim. O mais recente estudo da Agência Internacional de Energia (IEA) mostrou que, em 2004, o Brasil tinha a décima energia mais cara entre 31 países pesquisados.Outro ponto discutido é a volta do racionamento. Os impactos econômicos de um apagão são bem conhecidos, como se viu no ano de 2001. Segundo Mascarenhas, a situação da oferta de energia exigirá um monitoramento constante de obras de novas usinas, do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) e do nível dos reservatórios.
Para o diretor da consultoria Enercons, Ivo Pugnaloni, será preciso aumentar os investimentos que acabem de vez com a ameaça de racionamento.
Ele lembra que o Brasil investia US$ 13,5 bilhões ao ano na década de 1980 no setor. Depois, esse valor caiu para US$ 6,7 bilhões anuais nos anos 1990. “É um déficit de US$ 80 bilhões que prejudicou novas linhas de transmissão e usinas e levou ao apagão”, diz.
O PAC e a energia
Lançado pelo governo em janeiro passado, o PAC – Pacote de Aceleração do Crescimento, pretende mudar tal quadro e prevê R$ 78,4 bilhões (recursos públicos e privados) de 2007 a 2010. Isso representa US$ 9 bilhões por ano no período, sem contar o dinheiro da Petrobras para o gás natural.
Será possível importar gás desta maneira pelo Rio de Janeiro e Ceará, de forma alternativa ao gás da Bolívia. Os projetos das usinas de Belo Monte e do Rio Madeira têm de sair do papel, porque há risco no caso de o crescimento econômico ser maior que os 4,5% previstos. Sem esses projetos, não tem como o Brasil crescer. A necessidade de usinas novas esbarra na polêmica questão ambiental.
O Brasil utiliza um terço do potencial de hidreletricidade. Do total restante, 70% se encontram na região amazônica, sujeitos a vários tipos de questionamento (áreas indígenas, desmatamento). A lei ambiental criada em 1988 é bastante rígida na concessão de licenças para obras. Mesmo assim, o secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente, Cláudio Langone, afirma que isso não tem impedido investimentos. O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) aprovou 22 projetos de usinas hidrelétricas desde 2003 e só rejeitou um. Hoje analisa três: as duas unidades do Rio Madeira e a de
Tijuco Alto, no rio Ribeira de Iguape, em São Paulo. O projeto de Belo Monte tem pendência judicial que impede a análise de viabilidade ambiental.
O presidente do Conselho Permanente de Infra-estrutura (Coinfra) José de Freitas Mascarenhas, afirma que a questão ambiental não é um problema só do governo federal: envolve Ministério Público e Organizações Não- Governamentais (ONGs). “O resultado objetivo tem sido o atraso de obras fundamentais para garantir o suprimento de energia”, afirma. Para mudar esse quadro de insatisfação, o governo quer regulamentar o artigo 23 da Constituição Federal e definir qual instância deve conceder ou não a licença ambiental. A idéia é que somente os casos mais complexos sejam levados ao Ibama, ficando o restante a cargo de governos estaduais e prefeituras.
Uso da biomassa
Embora a hidreletricidade seja a fonte preferencial de energia, o Brasil investe em alternativas. O tema da diversificação ganhou espaço após o alerta de aumento de temperatura no mundo e a continuada crise do petróleo que elevou muito os preços dos combustíveis. Nesse cenário, sobressaem a geração de energia nuclear e o uso da biomassa (bagaço de cana, madeira, resíduos agricolas) em usinas térmicas.
A questão nuclear é sempre polêmica pelo risco de acidente, mas é uma fonte que atenua o aquecimento global. O bagaço é uma das pontas do setor de etanol, o álcool produzido com a cana-de-açúcar, que sinaliza uma imensa oportunidade de negócios para o Brasil no século 21. Segundo Tolmasquim, da EPE, a energia nuclear é hoje mais cara em relação às demais fontes. Mas se torna competitiva se comparada a usinas térmicas que funcionam em tempo integral. O custo menor das térmicas a gás natural se deve ao uso esporádico, só nos momentos de demanda forte por energia elétrica.
“O Brasil é hoje o sexto país com reservas mundiais de urânio. E é uma fonte limpa que reduz o aquecimento global por não emitir CO2 (gás carbônico)”, acrescenta Mascarenhas, da CNI. Nos cálculos da EPE, o Brasil tem uma das matrizes energéticas mais renováveis do mundo: 44,5% hidráulica e biomassa. A média mundial é de 13%, caindo para nos países da OCDE (grupo de países mais ricos do mundo e que usam usinas térmicas de combustíveis fósseis). Em 2030, a energia brasileira continuará altamente renovável. A participação da biomassa deve subir de 14% para 17%.
A geração de energia a partir da biomassa tem custo quase tão baixo quanto o da hidreletricidade.
Somente o bagaço de cana será capaz de gerar 6.000 MW, acima dos 4.000 MW previstos nas duas hidrelétricas do Rio Madeira. Apesar do entusiasmo geral, existe a preocupação com o risco de crescimento desordenado da produção de cana. Langone, do Ministério do Meio Ambiente, diz que o governo quer um bom padrão sócio-ambiental nesse mercado, sem danos ecológicos ou exploração de mão-de-obra. Segundo ele, a União Européia coloca barreiras à produção que nãoseja socialmente correta. Até 2020, as projeções indicam crescimento de 600 milhões na produção de cana no Brasil, criando uma enorme fonte potencial de energia.
STOCK Fontes: PIM-PF / IBGE/ Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), Sondagem Industrial CNI e Banco Central do Brasil. |