O processo desenfreado de transformações industriais e tecnológicas, que aprimorou a produção em muitos aspectos, em nome da era moderna, fez com que os padrões tradicionais de móveis perdessem muito de sua identidade própria. A tendência à aculturação, à padronização dos produtos, dos estilos, dos sinais de conforto e elegância, eficácia em termos de adequação, (projeto,execução e uso), pode significar a destruição dos padrões tradicionais e singularidades da cultura material do povo.
Os produtos de nações industrializadas, inundam amplas partes do Mundo. A cultura produtiva dos países altamente desenvolvidos, se difunde mediante o processo de cópia, e esta se converte em norma obrigatória.
A monotonia conformativa e a globalização, são confrontadas com a busca de novas formas expressivas. Existe uma busca por novas formas, de produtos que mostram influxos pessoais, locais e regionais, pois o desejo de pluralidade cultural, e modo de vida individual, não são satisfeitos, através de produtos globais.
A solução pode ser encontrada com o design distinto, orientado para o contexto, que se desenvolva em perfeita consonância, com as diferentes peculiaridades da cultura em questão. Há uma discussão entre a internacionalização do design e o fortalecimento de uma identidade nacional, que estimula uma saudável reflexão sobre a preservação ambiental, exploração racional da floresta, desenvolvimento sustentado e, até sobre as possibilidades de penetração de produtos brasileiros no competitivo mercado internacional, se portadores de identidade própria.
A questão do uso destas madeiras, traz para o Brasil uma identidade própria, diante do mercado mundial, pode se tornar um forte aliado, para o incentivo ao seu uso pelos designers, por mostrarem realidades culturais e a sensibilidade da própria nação.
O que vemos, hoje, são países que com o desejo de alcançar os mesmos sucessos econômicos de países com presença global, têm temido desviar-se do “padrão” e tem efetivamente, apagado qualquer traço de sua própria etnia, nos seus produtos.
As vantagens competitivas a serem ganhas, quando descobrimos e identificamos características distintas e desejáveis, das culturas estrangeiras, são que formamos as nossas próprias qualidades e nivelamos as nossas capacidades de produção e tecnologia. Criando produtos, que serão procurados não somente pelo nosso povo, mas pelos mercados mundiais, porque eles oferecem uma nova interpretação do original.
Há uma questão que pode ser polêmica, quando falamos de que pode ser considerado design. Preceitos de design, herdados como produção em grandes séries, forma e função, a pretensão de saber as necessidades básicas de uma população e como atendê-las, e um temor das dificuldades de linguagem e de interação, contribuíram para afastar os designers da produção artesanal.
Entretanto podemos seguir uma lógica que, qualquer produto que tenha preocupação estética, tecnológica com o meio ambiente e o social, está inserido no conceito de design. Os móveis brasileiros que tem como matéria-prima as madeiras alternativas, mesmo os que são feitos em peças únicas, têm o design como valor agregado.
A medida que criamos produtos, que refletem a nossa própria história, cultura e tradições, estes vão cativar e encantar o consumidor, avivar a economia nacional e permitir que adicionemos, uma nova dimensão da nossa identidade no mercado global, oferecendo produtos característicos, com alto valor.
O design deve ser o estímulo para essas mudanças fundamentais, pois vai retratar as qualidades culturais dos produtos e fazer com que estes tenham a oportunidade de ultrapassar as fronteiras.
O fator de sucesso
Com os produtos cada vez mais globalizados e os preços dos produtos industrializados despencando no mundo, a saída é ser diferente. Finalmente, essa consciência começa a despertar os moveleiros do Brasil, e eles começam a se mobilizar, para o desenvolvimento de um design verde-amarelo. O que se quer, é um design industrial que possibilite a produção - e as vendas - em escala.
A diversidade é a maior riqueza do Brasil, por isso, boa parte dos profissionais renomados aplicam elementos da cultura popular, levam em conta seus modos de produção e são ecologicamente corretos. Alguns dão um caráter brasileiro às suas peças, com madeiras de cores distintas e a releitura de móveis antigos.
A identidade cultural dos produtos, começa pela conscientização dos produtores do setor, a valorizar a riqueza das linguagens, enquanto forma, cor, signos, conteúdos, processos tecnológicos, reutilizando essas formas e seu caráter gráfico, como meio de conquistar novos espaços, gerar sua própria riqueza. Entre as recomendações estão: - Ter profissionais capacitados em design, para melhorar a apresentação e a qualidade de seus produtos, e seu valor agregado, prepará-los para cumprir com os padrões, que pretendem os mercados mais sofisticados.
- Ter consciência de que o produto é portador de cultura, e como símbolo atua e interage dentro de uma sociedade, incentivando condutas.
- Um produto simples, pode reverter a sensibilidade humana às suas origens, à pureza das culturas nativas, independente de sua origem étnica.
- Introduzir métodos produtivos e tecnologias que não agridam a riqueza ecológica que caracteriza o país e sua qualidade de vida.
- Exportar esta consciência aos governantes do país, para que incentivem diretrizes para favorecer a produção e comercialização destes produtos, em termos de empréstimos, e melhores taxas de juros neste campo.
- Incentivar a instalação da pequena indústria, incentivos tributários e trâmites rápidos para a exportação; como também aquisição de matéria-prima e equipamentos.
-Propiciar uma consciência popular acerca da importância da valorização de produtos com as matérias–primas adequadas e corretas, dentro dos esquemas econômico-comerciais e culturais do país, tornando a indústria sadia, do ponto de vista ecológico e cultural.
- Destinar recursos à pesquisa para que ofereçam prioridade a projetos vinculados ao setor de desenho industrial, incentivando as práticas acadêmicas como veículo de projeção do país e sua cultura. Desta forma, o Brasil inicia um processo no desenvolvimento de seus produtos de forma competitiva, diferenciada e com uma identidade própria.
Os pioneiros
O design do mobiliário brasileiro nasce com um objetivo claro: substituir os “móveis antigos” até então fabricados, e a profusão de estilos, por móveis coerentes com o país e a época.
O início do século XX, uma época em que nasciam as sementes da arquitetura moderna, necessitava de espaços interiores e equipamentos domésticos, integrados a uma arquitetura livre de excessos e de ornamentações.
O país tropical, não podia copiar padrões europeus em revestimentos, usos de materiais e medidas ergonômicas. Num período que abrange as décadas de 1930 a 1970, foi que se lançaram as sementes do que vivemos até hoje, no design do mobiliário.
O período de 1945 a 1965, houve uma multiplicação de iniciativas, para a produção em série de móveis funcionais e bonitos, com a intenção de tornar o design do móvel desfrutável, por amplas camadas da população. Os designers estrangeiros que aqui chegavam, logo reconheciam a riqueza de nossos materiais e nossa cultura, usando-os com primor.
Os primeiros arquitetos e artistas, que de fato lançaram as bases do estilo moderno no Brasil foram: John Graz ,Cassio M’boi, Gregori Warchavchilk, Lasar Segall, Theodor Heuberger.
A origem da modernização do móvel no Brasil, se deu com a atuação de profissionais estrangeiros Na prática, o movimento moderno era isento de nacionalismo e apresentou um caráter internacional. A transição do móvel eclético para o moderno, se deu à partir dos anos 20 e 30. As novas concepções se transformaram em senso comum, no meio de arquitetos e decoradores.
O móvel deste período, introduziu novas concepções, utilizando novos materiais e processos produtivos. Porém, acompanhou a evolução do mobiliário europeu, sem vocabulário próprio. A importância maior dessa fase, residiu no carácter revolucionário, para o despertar da inércia acadêmica.
Essa ebulição, propiciou a revisão de posições, com o revisionismo, o conceito de estética passou a penetrar na esfera do cotidiano. Houve um nome que serviu de união entre o estilo acadêmico e a modernidade : John Graz , nascido na Suíça, ficou ligado à pintura, desenho industrial e artes gráficas brasileiras, inclusive na semana de 22.
John Graz e sua mulher Regina Gomide, tiveram uma produção que sintetizou as principais tendências da vanguarda européia, com o art- deco e com fundamental ligação entre a pintura, arquitetura e artes aplicadas, traduzindo para o ambiente, a estética do cubismo. Trouxe para o Brasil, os móveis com metal e diversos materiais nobres. O casal foi chamado para fazer a arquitetura de interiores de diversos edifícios e residências paulistas. John Graz, foi o pioneiro no desenho de mobília, mas também pôs em prática, o conceito de design total, tão presente nas idéias da Bauhaus. Dessa forma, projetou o móvel e distribuiu no espaço luminárias, painéis, vitrais e afrescos.
No início, encontrou restrições ao consumo de seus móveis. Os seus desenhos refletiam a purificação nas formas, os chamados móveis futuristas, e ao mesmo tempo, continham aspectos pesados do mobiliário art-déco. Ele desenvolveu móveis sob medida, para uma elite privilegiada. Seu período de produção foi de 1925 a 1940, depois ele voltou à pintura. Os anos 20, representaram uma época básica, na história do móvel moderno brasileiro, situando-se entre um passado acadêmico e as novas possibilidades, que se abriram para a modernização.
Neste ciclo de pioneiros, o arquiteto Gregori Warchavchik, representou uma etapa fundamental, entre o academicismo e estabelecimento de um novo vínculo, com a estética moderna. Warchavchik incorpou o estilo moderno no Brasil, adequando a linguagem e a funcionalidade, entre a arquitetura e o móvel. Segundo ele, o arquiteto moderno deveria não somente deixar de copiar os velhos estilos, como também deixar de pensar no estilo, e amar sua época, com todas as grandes manifestações do espírito humano.
Gregori Warchavchik, o mestre do modernismo, sempre concebeu o projeto como um todo, seu interior, os jardins e o mobiliário. A produção da mobília nos anos 20, embora restrita, foi essencial para compreender o processo de modernização do móvel, nos anos 30 e 40. Lasar Segall, pintor, veio para o Brasil em 1923, nascido na Lituânia. Já famoso na Europa como artista, ele desenhou móveis, que se destacam pelas linhas retas, funcionalidade, embora a disposição dos volumes e laqueados se aproximassem do espírito art-déco.
Cassio M’Boi, em 1926 fundou uma loja no Rio de Janeiro, em que divulgou o móvel moderno, a Casa & Jardim, com Theodor Heuberger , que chegou ao Brasil em 1924, e esteve ligado à animação cultural.
A criação da loja, era a unidade entre o espaço interno e externo da casa, entre paisagismo, arquitetura e o móvel. Seguiu os princípios da Bauhaus, sem distinção entre arquitetos, pintores, escultores e marceneiros, todos artesãos. Na época, não havia preparo das pessoas, para absorção do móvel moderno. Seus móveis se dividiam entre clássicos e modernos, sendo os modernos rústicos em nó de pinho. Foram móveis pioneiros em pinho
encerado.
A fábrica e oficina eram bem equipadas, com mão de obra de alta qualidade. A colaboração de alguns arquitetos foi decisiva, para a implantação do setor de desenho e projeto de móveis e decorações. Destacaram-se : o arquiteto alemão Kublinski, Ludwig Heuberger e Bernard Rudofsky que viveu em São Paulo, durante a guerra.
Nos anos 30, um destaque importante foi a Móveis Cimo, uma empresa que desde 1873, estava estabelecida em Rio Negrinho, Santa Catarina. A família de imigrantes austríacos, os irmãos Jorge e Martin Zipperer, venceram o desafio dos primeiros industriais do móvel no Brasil, com a adoção de técnicas, que permitiriam a padronização de componentes e a conseqüente montagem em série.
Com a abundância de madeira boa na região, montaram no começo dos anos 20, uma serraria, com fábrica de móveis e caixas de madeira. Jorge e Martin, tinham a intenção de se dedicar à produção industrial, dentro dos mais modernos padrões da época.
Em 1923, depois de Martin cursar o Liceu de Artes e Ofícios em São Paulo, voltou a Rio Negrinho e passou a aplicar os conhecimentos adquiridos. Utilizando máquinas à vapor, para arquear a madeira, e padronizando as peças de seus móveis. Os Zipperer foram os primeiros na criação de esquemas, que permitiam a produção de móveis robustos de madeira maciça em larga escala, e a baixo custo. Desde o início, centraram sua produção em cadeiras e poltronas.
Inspirando-se nas cadeiras austríacas, fabricavam-nas em madeira maciça (imbuía) e vendiam desmontadas, em caixas de uma dúzia. Suas cadeiras ganharam prêmios em exposições industriais, no Rio de Janeiro e logo passaram a ser adotadas em escolas e repartições públicas. Atenta ao aproveitamento da matéria-prima, a empresa foi pioneira na introdução do aglomerado, em 1955.
Dos anos 30 aos 50 mais de 80% das escolas, casa de espetáculo e repartições públicas, utilizavam os Móveis Cimo, com suas cadeiras sóbrias e funcionais. Essas cadeiras e poltronas, unificaram a imagem de lugares públicos no Brasil de norte a sul, como signo de identificação, que ainda hoje os caracteriza.
A nova geração de designers
Uma grande variedade de opções, da qual se destaca o móvel de autor, o móvel de massa e o móvel reciclado, foi a tônica dos anos 70 e 80. A década de 80 foi pouco produtiva em relação à anterior, quando o móvel brasileiro era comparado, em tecnologia e design, ao móvel europeu. A geração jovem entretanto, promoveu um novo pluralismo que propiciou maior interesse pelo design no país.
Faz parte deste grupo a designer Adriana Adam, na época responsável pelo departamento de desenho industrial da Forma. Desenvolveu com a designer Ana Beatriz Gomes o programa ABX, sistema de cadeiras e poltronas com quase 500 versões. Adam foi a idealizadora do grupo Nucleon 8, dedicado à reedição de móveis modernos brasileiros de autor.
Apaixonado pela madeira, o arquiteto Carlos Motta, desenhou na faculdade sua primeira cadeira, que em seguida foi vendida, para a Holanda. Motta destaca o jeito brasileiro de morar, sintetizando formas da casa colonial, como cristaleiras, bufês e penteadeiras.
Na geração atual, destaca-se o designer e professor Freddy Van Camp, diretor da Escola Superior de Desenho Industrial da UERJ. Ele colaborou com Bergmiller em muitos projetos, e trabalhou na Escriba e na Oca, onde implantou o programa de reformulação da empresa e desenvolveu sistemas, para racionalizar o lay-out de escritórios.
A produção do designer Fulvio Nani Jr., foi praticamente artesanal, de linhas marcadamente pessoais. Suas peças utilitárias ganharam rodízios, para facilitar a locomoção em ambientes. Desenho, acabamento e materiais diversos, tornaram seus móveis bem aceitos no mercado.
O conjunto da obra de Maurício Azeredo, apresenta elementos de plástica brasileira, sendo em geral, peças únicas executadas em seu atelier goiano, que tem obtido grande êxito no mercado. O designer é muito atuante na área industrial.
Outros nomes do design moderno que também: Osvaldo Mellone, que nos anos 70 participou de um projeto de escritórios, para a empresa L’atelier. André Leinier, Arthur de Mattos Casas, Pedro Useche, Cláudia Moreira Salles; Fernando e Humberto Campana, Guinter Parschalk, Luciano Deviá entre outros, todos estão atuantes e seus trabalhos em móveis destacam-se, e são publicados em revistas especializadas, mostras de arquitetura e design, e até integrando o acervo do museu de Nova York, como exemplos de design contemporâneo brasileiro, como no caso dos Irmãos Campana. Tecnologia, matéria prima, metodologia e produção, são os principais recursos da geração atual.
Com uma pluralidade de experiências, ora lúdicas, ora funcionais, uma centena de designers, em todo o Brasil vem realizando trabalhos significativos, de resultado notável. Alguns em linha seriada, mas grande parte vem seguindo a linha do móvel de autor, que ainda pode ser executado, nas boas marcenarias do país.
Um ponto que merece destaque neste histórico do móvel no Brasil, diz respeito a como o móvel sempre foi o enfoque principal, para que o design deixasse sua identidade marcada, onde o designer encontrou e ainda encontra, sua melhor forma de expressão. Usando a madeira - sua principal matéria prima - como destaque, o design visa produzir um móvel que se apresente expressivo e representativo da cultura brasileira.
Autora: Mara Della Giustina/ Universidade Federal de Santa Catarina. |